10 discos essenciais: rock brasileiro anos 1990



Por Sidney Falcão

Após um período fértil e de grande exposição na década de 1980, o rock brasileiro entrou em declínio entre o fim daquela década com a chegada da década de 1990. A maioria das bandas que estouraram nos anos 1980, acabou ou voltou ao cenário alternativo. Das grandes bandas, apenas Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso, Engenheiros do Hawaii e Barão Vermelho, conseguiram resistir e manter a popularidade em alta. Enquanto isso, num sentido oposto, o sertanejo, a axé music e a lambada estavam em franca ascensão e passaram a fazer parte do cardápio musical do público. A situação realmente não er nada animadora para o rock brasileiro. Tudo indicava que o futuro para o rock no Brasil não seria dos melhores.

Mas por outro lado, a chegada da MTV ao Brasil em 1990 era o único fio de esperança para o combalido rock brasileiro. E como dizia o RPM nos anos 1980, “no underground, repousa o repúdio”, foi abrindo as portas para o underground, que a MTV Brasil se tornou uma plataforma importantíssima para a divulgação de uma nova geração de bandas do rock brasileiro que estava surgindo. E bandas das mais diversas partes do país.  

No entanto, a década de 1990 começa para o rock brasileiro em 1994, um ano-chave para o estilo. O ano de 1994 viu o Brasil ser sacudido por momentos emocionalmente fortes, como a morte do piloto brasileiro de Fórmula 1, Ayrton Senna, e a conquista do tetracampeonato mundial de futebol Seleção Brasileira, e a criação do Plano Real, que pôs abaixo a até então imbatível hiperinflação, mudando assim totalmente a economia do Brasil. E é nesse cenário que a nova geração do rock brasileiro começa a ter visibilidade.

Diferente da geração roqueira dos anos 1980, muito vinculada ao pós-punk inglês, a geração dos anos 1990 trazia a brasilidade musical misturada com referências estrangeiras. De Brasília vinham os Raimundos trazendo a fusão de forró com hardore; do Rio de Janeiro, vinha o Rappa trazendo rock, rap, reggae misturados com a malandragem carioca. De Minas Gerais, o Skank trazia naquele ano o seu reggae mergulhado no dancehall, mas com uma linguagem brasileira. O manguebeat colocava Pernambuco no mapa do rock nacional, tendo Chico Science & Nação Zumbi como o grande "farol", e trazia a reboque outras tantas bandas pernambucanas que praticavam uma sonoridade completamente inovadora, onde rock, hardcore, rap, maracatu, embolada, coco eram todos enfiados num só balaio. Nem o heavy metal escapou da mistureba sonora: até o Sepultura entrou na onda ao flertar o seu som pesado e agressivo com a percussão afro-baiana e a música índios xavantes.

Confira um abaixo dez álbuns que ajudam a compreender o que foi o rock brasileiro dos anos 1990. O critério foi focar apenas em bandas e artistas que despontaram na década de 1990. Álbuns lançados nos anos 1990 por bandas dos anos 1980, ficaram de fora.


Calango (Chaos/Sony Music, 1994), Skank. Reggae praieiro, ragga, pop rock, batidas eletrônicas, bom humor e temas sociais formam a receita musical de Calango, segundo álbum de estúdio do Skank, e que foi responsável por catapultar a banda mineira para o estrelato. Praticamente todas as faixas viraram sucesso no rádio, e o álbum bateu a casa de 1,2 milhão de cópias. Através de hits certeiros como “Jackie Tequila”, “Te Ver” e “Pacato Cidadão”, presentes em Calango, lotar estádios e arenas passou a ser uma rotina na vida do Skank.


Da Lama Ao Caos
(Chaos/Sony Music, 1994), Chico Science & Nação Zumbi. O álbum que levou o movimento manguebeat para além das fronteiras de Pernambuco. Da Lama Ao Caos sintetiza muito bem a proposta musical do manguebeat ao fundir a tradição musical pernambucana como o maracatu, o coco e o frevo, com estilos musicais contemporâneos como o rap, rock, funk e música eletrônica. Destaques para as faixas “A Praieira”, “A Cidade”, “Rios, Pontes & Overdrives” e a faixa-título.



Raimundos
(Banguela Records, 1994), Raimundos. Quem poderia imaginar que a mistura improvável do punk rock dos Ramones com o forró de duplo sentido de Zenilton poderia dar certo? Até o surgimento do primeiro e homônimo álbum dos Raimundos, muita gente duvidaria. O álbum de estreia dos Raimundos provou que isso era possível. Som pesado e veloz, as letras toscas de uma profundidade pornográfica imensa, fizeram com que o álbum chegasse causando impacto e dando um novo sopro de vida ao rock brasileiro. “Puteiro em João Pessoa”, “Selim”, “Nega Jurema”, “Palhas do Coqueiro” e “Rapante” conquistaram o público, que comprou as 200 mil cópias do álbum.

Cássia Eller (PolyGram, 1994), Cássia Eller. Cássia vinha de dois álbuns que tiveram baixíssimas vendagens, principalmente o segundo, O Marginal, de 1992. Em seu terceiro álbum, Cássia caprichou no repertório, que foi muito bem construído e mostra a versatilidade musical da cantora que vai desde um clássico do samba (“Na Cadência Do Samba”) ao baião-soul de Tim Maia (“Coroné Antônio Bento”), passando pela MPB com “E.C.T.” No rock, ela se sente à vontade nas releituras bem pessoais de “Lanterna dos Afogados”, dos Paralamas do Sucesso, e de “Partners”, do RPM. “1º de Julho” foi composta por Renato Russo especialmente para Cássia quando ela estava grávida. “Música Urbana 2”, da Legião Urbana, virou um blues rock com uma performance vocal de Cássia devastadora. O terceiro álbum de Cássia Eller vendeu 150 mil cópias, mais do que os dois primeiros álbuns juntos.

Mamonas Assassinas (EMI-Odeon, 1995), Mamonas Assassinas. Um dos maiores fenômenos de massa da história do rock brasileiro, os Mamonas Assassinas tiveram um sucesso meteórico, conquistando um público vasto que ia de crianças a idosos, graças ao humor escrachado, músicas escrachadas e figurinos engraçadíssimos. O primeiro e único álbum dos Mamonas - e que leva o nome da banda - mostra que além do humor, os integrantes da banda possuíam uma incrível versatilidade musical: misturavam heavy metal, forró, punk rock, pagode, sertanejo, música brega e ranchera mexicana num “liquidificador sonoro”. O álbum vendeu mais de 2 milhões de cópias, puxados por hits como “Pelados em Santos”, “Robocop Gay”, “Vira-Vira” e “Mundo Animal”. Às vésperas de embarcarem para Portugal, os Mamonas Assassinas morreram num desastre aéreo, na Serra da Cantareira, em São Paulo, gerando uma grande comoção nacional.

Usuário (Sony Music, 1995), Planet Hemp. Com o título Usuário, o álbum de estreia do Planet Hemp já deixava bem claro a que veio a banda carioca. O grupo ganhou fama pregando o discurso da legalização da maconha, atraindo para si muita polêmica e problemas com a Justiça e a polícia. Apesar das tretas e até mesmo prisões de alguns membros da banda, Usuário emplacou algumas faixas como “Legalize Já” e “Mantenha O Respeito”, que ajudaram ao álbum a vender mais de 100 mil cópias.


Roots (Roadrunner, 1996), Sepultura. Roots é o mais controverso álbum da discografia do Sepultura, trabalho que desperta paixão e ódio entre os fãs da banda mineira. Contudo, a sua proposta experimentalista que envolve percussão afro-baiana e gravações com índios xavantes, fez Roots agradar em cheio a crítica internacional que viu nele um disco fora dos padrões convencionais de um álbum de heavy metal. O álbum conta com a presença especial de Carlinhos Brown, que foi uma peça fundamental para que a proposta percussiva do disco desse certo. Além de Carlinhos Brown, as outras participações especiais no álbum são a de Mike Patton (vocalista do Faith No More) e Jonathan Davis (vocalista do Korn). Destaque para as faixas “Roots Bloody Roots“,“Ratamahatta” e das “indígenas” "Jasco" e "Itsári". Roots deixou um legado importante, servindo de referência para correntes contemporâneas do heavy metal, como nu metal, e influenciando bandas como Korn, Slipknot e Limp Bizkit.

Transpiração Contínua Prolongada (Virgin, 1997), Charlie Brown Jr.. O Brasil já tinha antes bandas de skate rock como Grinders e Lobotomia. Mas nenhuma alcançou um nível de popularidade tão grande como a banda Charlie Brown Jr. E boa parte dessa popularidade se deveu ao carisma, simplicidade e à personalidade forte de Chorão, vocalista, skatista e fundador da banda. Produzido por Rick Bonadio (o mesmo dos Mamonas Assassinas), Transpiração Contínua Prolongada é o álbum de estreia do quinteto de Santos, que traz a combinação musical que se tornaria a marca registrada da banda, uma mistura de ska, rap, funk rock, reggae e punk rock. Faixas como “O Coro Vai Comê!”, “Proibida Pra Mim (Grazon)”, “Quinta-Feira” e “Tudo Que Ela Gosta de Escutar” caíram na boca do público jovem e nas rádios de todo Brasil.

Televisão de Cachorro (BMG, 1998), Pato Fu. Formada em 1992, em Belo Horizonte, a banda Pato Fu despontou no cenário do rock brasileiro como uma versão contemporâne dos Mutantes, por causa do seu som pop rock calcado no experimentalismo e pelo humor. O fato de na época ser um trio formado por dois rapazes e uma garota, tornavam as comparações inevitáveis. Mas foi com o quarto álbum, Televisão de Cachorro, lançado em 1998, que o Pato Fu deixou de ser uma banda “esquisita engraçadinha” do rock alternativo para conquistar um público mais amplo. Embora mantivesse um pouco do experimentalismo dos álbuns anteriores, Televisão de Cachorro tendeu para algo mais “palatável”, mais radiofônico. Faixas como “Antes Que Seja Tarde”, “Canção Pra Você Viver Mais” e a releitura para “Eu Sei”, da Legião Urbana, foram os grandes sucessos do álbum.

Lado B Lado A (Warner, 1999), O Rappa. Terceiro álbum d’O Rappa, Lado B Lado A consolidou a banda carioca como uma das mais importante e politizadas de sua geração. O álbum representou também a consagração do baterista Marcelo Yuka como letrista, que faz uma análise mais profunda em temas como violência policial, o descaso do poder público nas comunidades carentes e o abismo social que separa ricos e pobres. Com mais de 500 mil cópias vendidas, Lado B Lado A é o álbum melhor sucedido da carreira d’O Rappa. A faixa “A Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)” se tornou o maior sucesso da carreira da banda. “Me Deixa”, “O Que Sobrou do Céu” e “Tribunal de Rua” foram outras faixas de Lado B Lado A que também alcançaram grande popularidade. 

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