10 discos essenciais: Gilberto Gil

Por Sidney Falcão

Gilberto Passos Gil Moreira, cantor, compositor, músico, escritor e um dos artistas mais influentes da música popular brasileira, nasceu em 26 de junho de 1942, em Salvador, Bahia, filho do médico José Gil Moreira (1913-1991) e da professora primária Claudina Passos Gil Moreira (1914-2013). José Gil e Claudina haviam se mudado de Ituaçu para Salvador apenas para o nascimento de Gilberto Gil, o filho primogênito do casal. Após três semanas do nascimento de Gilberto Gil, a família Gil Moreira retornou para Ituaçu. Em 1943, nasceu em Ituaçu, a irmã de Gilberto Gil, Gildina Passos Gil Moreira.

Aos 9 anos, Gil e sua irmã se mudaram para Salvador para estudar no Colégio Nossa Senhora da Vitória. Na capital baiana, os dois irmãos foram morar na casa de uma tia paterna. Em 1952, Gil aprendeu a tocar acordeom, sob influência de Luiz Gonzaga (1912-1989).

Gilberto Gil ingressou na Faculdade de Administração da Universidade Federal da Bahia, em 1961, em Salvador. Foi nessa época que Gil ganhou de sua mãe um violão. Em paralelo ao curso universitário, Gil inicia a carreira profissional na música compondo e gravando jingles para publicidade. Em 1963, Gil conheceu Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e Tom Zé, com os quais monta no ano seguinte o espetáculo Nós Por Exemplo, no Teatro Vila Velha, em Salvador.

No final de 1964, Gil conclui o curso universitário, e no começo do ano seguinte, se casa com Belina Aguiar. Em meados de 1965, Gil foi contratado pela Gessy-Lever, e se muda com a esposa para São Paulo, onde vai trabalhar na matriz da empresa no Brasil. Enquanto de dia trabalhava na empresa, à noite, Gilberto Gil se apresentava cantando em casa noturnas paulistanas. Nessa mesma época, Caetano, Gal, Bethânia e Tom Zé deixaram Salvador, e partiram para São Paulo para alçar voos mais altos na carreira musical. Ao lado de Gil, eles realizam no Teatro Oficina o espetáculo Arena Canta Bahia. No mesmo ano, Gil lança o seu primeiro compacto (single), através da gravadora RCA, com as canções “Procissão” e “Roda”.

Em 1966, Gil se apresenta no programa O Fino da Bossa, apresentado por Elis Regina (1945-1982), na TV Record, e assina contrato com a gravadora Philips. Com a carreira artística ganhando força, Gil pede demissão do emprego na Gessy-Lever e decide viver de música. Gilberto Gil e Betina se separaram em 1967.

Além do fim de seu casamento, aquele ano é marcado na vida de Gil pela sua participação, ao lado dos Mutantes, no 3º Festival de Música Popular Brasileira, na TV Record, em São Paulo, onde conquista o 2° lugar com a canção “Domingo no Parque”. A edição do festival daquele ano serviu de ponto de partida para o surgimento do Tropicalismo, movimento de vanguarda que provocou uma revolução nas artes no Brasil, e que teve Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Os Mutantes e Tom Zé como algumas das figuras principais do movimento.

No final de 1968, Gilberto Gil e Caetano Veloso foram presos em São Paulo pela ditadura militar, foram considerados subversivos. Em meados do ano seguinte, Gilberto Gil - agora casado com Sandra Gadelha, irmã de Dedé Gadelha, então esposa de Caetano Veloso – e Caetano partem com suas respectivas esposas para o exílio de três anos em Londres, na Inglaterra.

Gil e Sandra retornaram para o Brasil em 1972, trazendo o filho Pedro Gil, nascido no exílio em Londres. E foi naquele ano que o cantor lançou o seu antológico álbum Expresso 2222, álbum que marca a retomada da carreira de Gilberto Gil. Com o álbum Refazenda (1975), Gil iniciou a sua famosa “Trilogia Re”, que é inclui os outros álbuns Refavela (1977) e Realce (1979). Com Caetano, Gal, e Bethânia, Gil forma em 1976 o grupo Doces Bárbaros, e iniciam uma grande turnê que passa por dez cidades brasileiras.

Em 1980, o casamento de Gil e Sandra chega ao fim. O cantor baiano passa a morar com a jovem Flora Giordano, com quem forma uma nova família e se casará oficialmente em 1988. Através do álbum Luar (A Gente Precisa Ver O Luar), de 1981, Gil inicia uma parceria profissional com o produtor Liminha, que irá produzir os álbuns seguintes do cantor. Em janeiro de 1985, Gilberto Gil se apresentou na primeira edição do festival Rock in Rio. Paralelamente à carreira artística, Gil se envolveu com a política ao ser eleito vereador de Salvador, em 1988, permanecendo no cargo por quatro anos.  

No início de 1990, morreu Pedro Gil, de 19 anos, filho de Gilberto Gil e Sandra Gadelha. O jovem havia sofrido um grave acidente de carro, e passou uma semana em coma num hospital no Rio de Janeiro, mas não resistiu. Pedro Gil era baterista da banda de Gilberto Gil.

Durante os anos 1990, Gilberto Gil lançou álbuns importantes como Parabolicamará (1992), Tropicália 2 (1993), em parceria com Caetano Veloso em comemoração aos 25 anos do Tropicalismo, Gilberto Gil / Unplugged (1994) e o álbum duplo Quanta (1997). Em 2000, a canção “Esperando na Janela”, do filme Eu, Tu, Eles, estourou nas paradas de rádio. Três anos depois, Gil assumiu o cargo de ministro da Cultura do recém empossado presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e permaneceu no cargo até 2008.

Em 2010, Gilberto Gil recebeu dois prêmios Grammy Latino nas categorias “Melhor Álbum de Música Brasileira” e “Melhor Álbum de Native Brazilian Music” com o álbum Fé na Festa. Nove anos depois, Gil foi premiado mais uma vez com o prêmio Grammy Latino, desta vez na categoria “Melhor Álbum de Música Popular Brasileira” pelo álbum Ok Ok Ok (2018). Em 2022, Gilberto Gil assumiu uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Além de premiado no Grammy Latino, Gilberto Gil coleciona uma grande quantidade prêmios, títulos e condecorações como a Ordem Nacional do Mérito (1997), recebida do governo francês, e "Artista pela Paz", título recebido da UNESCO, em 1999. Gil foi também embaixador da ONU para agricultura e alimentação.

Ao todo, Gilberto Gil passou por três casamentos. Com a primeira esposa, Belina Aguiar, com quem foi casado entre 1965 e 1967, Gilberto Gil teve as filhas Nara Gil e Marília Gil. Entre 1967 e 1968, Gil teve um curto relacionamento com a cantora Nana Caymmi, mas não tiveram filhos. De 1969 a 1980, Gilberto Gil viveu com Sandra Gadelha, e tiveram Preta Gil, Pedro Gil e Maria Gil. Desde 1988, Gil está casado com Flora Gil, e com ela tiveram Bela Gil, José Gil e Bem Gil. Além de avô, Gilberto Gil também é bisavô.

Listar dez discos essenciais numa discografia extensa como a de Gilberto Gil não é uma tarefa fácil. Mesmo assim, seguem abaixo dez discos que se não são todos eles os preferidos do leitor, certamente existe um ou outro de sua preferência.


Louvação (Philips, 1967). Neste que é o seu primeiro álbum, Gilberto Gil gravou um repertório de canções que reflete muito bem o que era o universo musical no seu início de carreira: canções com influências de música nordestina, bossa nova e samba. Esse era provavelmente o perfil de canções que ele e seus companheiros Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia e Tom Zé cantavam nos tempos de Teatro Vila Velha, em Salvador. Destaque para a faixa “Água de Meninos”, canção de José Carlos Capinam e Gilberto Gil que trata sobre o incêndio que destruiu a Feira de Água e Meninos, em Salvador, em 1966.


Gilberto Gil (Philips, 1968). Também conhecido como Frevo Rasgado, o autointitulado segundo álbum de Gilberto Gil segue uma rota completamente diferente do álbum anterior do cantor baiano. Este segundo trabalho de Gil mostra o cantor completamente mergulhado nos cânones tropicalistas. O álbum contém a canção “Domingo no Parque”, com participação dos Mutantes, e com a qual Gilberto Gil ficou em 2° lugar no 3° Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967.



Expresso 2222 (Philips, 1972). É o primeiro álbum de Gilberto Gil após retornar do exílio de três anos em Londres. Expresso 2222 promove uma integração entre a musicalidade nativa brasileira com referências de música pop estrangeira, o que na prática, fez o álbum retomar o legado do ideário tropicalista. Gil faz uma reinterpretação de clássicos como “O Canto da Ema” e “Chiclete com Banana”, eternizados na voz de Jackson do Pandeiro (1919-1982), aplicando a eles “vernizes” pós-tropicalistas. O álbum traz ainda canções memoráveis como “Back in Bahia”, “Sai do Sereno” e a antológica faixa-título.


Refazenda (Philips, 1975). Aqui começa a famosa “Trilogia Re” na carreira de Gilberto Gil, e que se completa com os álbuns Refavela (1977) e Realce (1979). Em Refazenda, Gil faz um resgate das suas origens sertanejas no interior da Bahia, o que leva o álbum a ter uma grande influência da musicalidade nordestina. E para isso, a presença de Dominguinhos (1941-2013) e sua sanfona foram fundamentais. A faixa-título é de uma beleza musical impressionante, enquanto que o jogo de palavras nos versos de Gil ressalta a genialidade do artista como compositor. “Ela”, “Tenho Sede”, “Ê, Povo, Ê” e “Pai e Mãe” são os outros pontos altos do disco.

 

Refavela (Philips, 1977). A ideia de gravar Refavela nasceu após Gilberto Gil ter participado do 2° Festival Mundial de Arte e Cultura Negra (FESTAC 77), em Lagos, na Nigéria, no começo de 1977. Gil voltou da Nigéria com a ideia de gravar um álbum com um conceito musical fundamentado na ancestralidade africana, e ao mesmo tempo, trazendo a reboque referências de música negra contemporânea daquele momento como o afrobeat, juju music, funk e reggae, e evidentemente, a música afro-baiana propagada pelos blocos carnavalescos de Salvador como Ilê Aiyê e Filhos de Gandhy. Destaques para as faixas “Ilê Ayê”, “Balafon”, “Babá Alapalá”, “Patuscada de Gandhi” e uma versão com inclinação samba-funk para “Samba do Avião”, de Tom Jobim (1927-1994).

Realce (Warner, 1979). Álbum que encerra a “Trilogia Re” de Gilberto Gil. O cantor havia deixado a gravadora Philips em 1978 e assinado com a Warner. Exceto a faixa “Não Chores Mais”, gravada no Rio de Janeiro, todas as outras faixas do disco foram gravadas em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde além da banda Gil, músicos americanos também participaram das gravações. Realce fecha a “Trilogia Re”, mas inicia a fase pop da carreira de Gil, onde o artista explora uma sonoridade mais comercial, inclinando-se ao reggae, disco music, funk, soul, e mais à frente, o rock, mas sem abrir mão da musicalidade brasileira. O álbum é recheado de canções que se tornaram grandes sucessos como “Realce”, “Super-homem - a Canção”, “Marina” e “Toda Menina Baiana”.


Luar (A Gente Precisa Ver o Luar) (Warner, 1981). A incursão pop de Gil em Realce prossegue em Luar (A Gente Precisa Ver o Luar), onde o cantor transita por funk, reggae e pop. O álbum começa com a faixa-título e seu irresistível ritmo dançante baseado na disco music. Gravada antes pela banda A Cor do Som, embora seja uma canção de Gilberto Gil, “Palco” aparece neste álbum numa versão interessante em que há uma conexão muito bem construída entre o funk ao estilo Earth, Wind and Fire com um ritmo ijexá diluído numa estilização pop. Na lindíssima “Se Eu Quiser Falar Com Deus”, Gil busca estabelecer uma conversa mais íntima e sincera com o Altíssimo. O disco ainda tem outras canções famosas como “Cores Vivas” (misto de reggae e xote) e “Pela Lente do Amor”.


Um Banda Um (Warner, 1982). O título do disco é curioso, faz um trocadilho entre banda e umbanda (a tradicional religião afro-brasileira). Gil já havia feito trocadilho semelhante na época do Tropicalismo com a canção “Batmacumba”, ao juntar Batman e macumba. Musicalmente, Um Banda Um é centrado no reggae e na música afro-baiana. A fé é tratada com sabedoria e alegria em “Andar Com Fé”. “Drão” é sobre o fim do casamento de Gilberto Gil e Sandra Gadelha. Outras faixas conhecidas presentes no álbum são “Esotérico”, “Pula, Caminha” e a faixa-título.



Raça Humana (Warner, 1984). Este foi o primeiro álbum de Gilberto Gil gravado no estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro, criado em sociedade entre Gil e o produtor Liminha. Recheado de hits, Raça Humana é um dos álbuns mais comerciais da carreira de Gilberto Gil. O álbum mostra uma sintonia de Gil com o novo momento do rock brasileiro naquela época, ao gravar dois rocks para o disco, “Pessoa Nefasta” e “Extra II (O Rock do Segurança)”. É bem verdade que rock não era novidade na carreira de Gil, pois ele já flertava com o estilo desde o Tropicalismo, nos anos 1960. Contudo, assim como nos álbuns anteriores, o reggae ainda se faz mais uma vez presente com grande destaque em Raça Humana através de faixas como a ótima “Vamos Fugir”, “Índigo Blue” e a faixa título.


Quanta (Warner, 1997). Lançado em formato de álbum duplo, Quanta foi um dos álbuns mais caros a ser produzido na MPB. Quanta é um álbum conceitual que através das suas 26 faixas trata sobre ciência, arte e fé. Em “Pela Internet”, Gil faz uma atualização do primeiro samba gravado, “Pelo Telefone”, em 1916, porém, tratando sobre as maravilhas da internet, sendo assim, uma das primeiras canções da música brasileira a tratar sobre a rede mundial de computadores. Outros destaques do álbum são “Átimo de Pó”, “Pop Wu Wei” e “Ciência e Arte”, esta última, de autoria de Cartola e Carlos Cachaça.



Referências:

Gilberto bem perto - Gilberto Gil e Regina Zappa, 1ª edição, 2013, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro.

gilbertogil.com.br

wikipedia.org


"Expresso 2222"
(Programa Sexta Nobre, 
TV Globo, 1972)

"Refazenda" / "Ê Povo ê"
(Documentário "Refazenda", 1975,
direção Marco Anônio Bichir)


"Não Chores Mais" ("No Woman No Cry")
(videoclipe exibido no "Fantástico", 
TV Globo, 1979)


"Toda Menina Baiana"
(Gilberto Gil, então ministro da 
Cultura do Brasil, em apresentação ao vivo 
na ONU, participação do então secretário 
geral da ONU Kofi Annan)


"O Luar" (A Gente Predisa Ver)
(videoclipe exibido no 
"Fantástico", TV Globo,1981)


"Se Eu Quiser Falar Com Deus"
(videoclipe exibido no "Fantástico", 
TV Globo, 1981)

"Andar Com Fé"  (videoclipe 
exibido no "Fantástico", 
TV Globo, 1982)

"Pessoa Nefasta" (videoclipe exibido 
no "Fantástico", TV Globo, 1984)
















Comentários

  1. Eu nem sou grande fã do Gil, mas curto algumas coisas de sua imensa obra e respeito muito a importância do cara, agora um "oitentão". Essa lista de 10 discos em homenagem a ele foi bem coerente, mas eu gostaria de incluir nessa lista (como uma menção honrosa de minha parte) o álbum Extra (Warner, 1983), que considero como um de seus melhores (pertencente a fase "pop" iniciada quatro anos antes em Realce), com destaque para a faixa-título, "A Linha e o Linho", "Mar de Copacabana", "Funk-se quem Puder" (em parceria com o produtor Liminha) e a divertida/sarcástica "Punk da Periferia", conhecida pelo refrão "Sou um punk da periferia, sou da Freguesia do Ó" (quem nunca cantou esse refrão ao menos uma vez na vida, que atire a primeira pedra).

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    1. É um bom disco, sim. " A Linha e o Linho" é muito boa. Já "Punk da Periferia" eu até já achei legal, na época, hoje, com a distância do tempo, não acho.

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    2. Pois é, rapaz... Com o tempo as coisas e os gostos mudam, não é mesmo?

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