"Raimundos" (Banguela Records, 1994), Raimundos
Em 1987,
enquanto bandas oriundas de Brasília como Legião Urbana, Capital Inicial e
Plebe Rude, conquistavam o grande público em todo o Brasil através de shows,
discos e sucessos tocando no rádio, três adolescentes daquela mesma cidade
formavam uma banda de rock para tocar covers dos Ramones. Batizada de
Raimundos, a banda naquele momento era composta apenas por Rodolfo Abrantes
(vocais e guitarra), Canisso (baixo) e Digão (bateria).
Apesar de
tocar só covers de Ramones, a banda inseriu nos ensaios e nas primeiras
apresentações algumas canções próprias e, curiosamente, músicas do cantor e
sanfoneiro pernambucano Zenilton, conhecido por gravar forrós de duplo sentido,
aqueles forrós cheios de malícia com conotação sexual. Começavam a fazer a
mistura curiosa de punk rock e forró, uma mistura inimaginável até então. Num
dado momento, Digão deixa a bateria por problemas de audição e assume a
guitarra, enquanto que Rodolfo passa a ficar exclusivamente como vocalista. A
banda passa a utilizar uma bateria eletrônica programada. Em 1990, o grupo
decide se dissolver.
Dois anos
depois, a banda é reativada não só com os mesmos integrantes, mas com um membro
a mais, Fred, um baterista de "carne e osso". Os Raimundos agora eram
um quarteto e retomam a "filosofia" musical do punk rock e forró, que
eles mesmos batizaram de "forró-core". Em 1993, gravam uma fita demo
que é enviada para os Titãs, que se encantaram com o som inusitado e
irreverente daqueles garotos brasilienses. Os Raimundos são convidados para
abrir os shows dos Titãs numa temporada no Rio de Janeiro, e em pouco tempo, já
circulando nos principais circuitos do rock alternativo nacional e a criar a
sua legião de fãs. A banda brasiliense chama a atenção das grandes gravadoras
que fizeram propostas para contratá-los, desde que pudessem
"domesticar" o som deles. É óbvio que eles não aceitaram.
Raimundos no Festival Juntatribo, em Campinas/SP, em 1993. |
Não demorou
muito, e no final de 1993, os Raimundos assinaram contrato com a Banguela
Records, selo recém criado pelos Titãs e pelo produtor Carlos Eduardo Miranda. Em
janeiro de 1994, os Raimundos já estavam entrando no estúdio Bebop, em São
Paulo, para gravar o seu primeiro álbum.
O álbum
finalmente saiu em abril do mesmo ano, levando o nome da própria banda e sob
produção de Carlos Eduardo Miranda que teve o grande mérito em não mexer no som
do quarteto brasiliense. Miranda não só manteve a crueza, a fúria e o peso
sonoro da banda como conseguiu extrair e realçar o potencial de cada um dos
integrantes. O som veloz e pesado, servem de base para as letras toscas,
juvenis, pornográficas e até mesmo machistas. Se as letras maliciosas das
músicas de Zenilton uma das influências
da banda - tinham conotação sexual, ao menos eram dotadas de sutileza. Já os
Raimundos, desconheciam sutileza: eram urgentes, iam direto ao ponto nos
versos, não abriam mão das palavras chulas e sacanas, o que nesse aspecto, se
aproximavam do Camisa de Vênus e Ultraje A Rigor, e ainda assim, superando
esses nos palavrões.
Raimundos, o álbum, já começa com o pé na
porta através de "Puteiro em João Pessoa" com uma introdução que traz o forrozeiro Zenilton, um
dos convidados do álbum, resmungando com a banda dizendo a célebre frase
"Eu Quero É Rock!", para vir em seguida a porrada sonora dos
brasilienses. "Puteiro em João Pessoa" é autobiográfica, e diz
respeito à iniciação sexual do vocalista Rodolfo durante a adolescência, num
prostíbulo em João Pessoa, na Paraíba, levado pelos primos.
Raimundos em sua formação clássica, da esquerda para a direita: Digão, Rodolfo, Fred e Canisso. |
"Palhas
No Coqueiro" é uma espécie de punk rock de "dor de cotovelo",
fala de amor e traição, bem ao estilo das canções de amor sobre a "dor de
corno". A bateria de Fred começa num ritmo alucinado de hard core em
"MM's", que no decorrer da faixa, alterna andamento entre o punk e o
thrash metal, e conta com a participação especial de João Gordo nos vocais de
fundo. O tom sexista e pornográfico da faixa anterior prossegue em "Minha
Cunhada".
Em
"Rapante", os Raimundos conseguiram fazer uma fusão interessante de xaxado
e heavy metal na base, e traz Rodolfo cantando por cima em ritmo de embolada
como se fosse um cantador de feira nordestina. A sacanagem e o machismo
retornam em "Carro Forte", na qual os Raimundos compara o corpo da
mulher com um carro: "Da mulher eu
faço o carro forte / Dos peitos, faço o farol / Dos 'pentelho' a instalação".
A faixa traz Paulo Miklos, Branco Mello e Sérgio Britto, dos Titãs, fazendo
os backing vocals. Num curto espaço
de tempo, "Nêga Jurema" alterna punk rock, hard core, baião rock, e
conta uma história maluca de uma mulher que vende maconha, e que acaba numa
confusão surreal. "Deixei de Fumar / Cana Caiana", é uma regravação
de dois sucessos de 1981 de Zenilton, e que ganharam uma versão punk rock e
compacta numa só faixa com os Raimundos.
"Cajueiro/Rio
das Pedras" é mais uma faixa do álbum que é a junção de duas músicas.
Começa com os versos de uma canção de sacanagem de domínio público, e depois
segue numa versão punk para "Rio das Pedras", uma releitura dos
Raimundos para um antigo sucesso de Zenilton, e que conta com a participação do
próprio, cantando em dueto com Rodolfo, e tocando sanfona no ritmo acelerado da
banda.
Em "Bê
a Bá", os Raimundos misturam embolada, hard rock e punk. A maneira como os
versos são cantados, lembra os desafios entre os repentistas ou cantadores de
embolada das feiras do interior do Nordeste. Os Raimundos fazem isso da maneira
mais crua e violenta possível, tanto na letra quanto na base instrumental.
Paulo Miklos, Branco Mello e Sérgio Britto fazem os backing vocals.
Com
participação mais uma vez de Paulo Miklos, Branco Mello e Sérgio Britto fazem
os backing vocals, "Bicharada"
é um punk rock de letra esculhambada de teor adolescente depravado sobre um
passarinho gay. "Marujo" traz na sua introdução uma curiosa simulação
de som de buzina de navio, feita através de uma guitarra, e no decorrer da
faixa, a banda alterna hard core e baião. O punk rock "Cintura Fina" conta
a história do sujeito que se apaixonou pela mulher mais feia de uma cidadezinha
do interior.
Fechando o
álbum, "Selim", uma canção onde os Raimundos expõem todo o seu
"romantismo" numa letra super pornográfica e absurda sobre o desejo
sexual por uma garota.
A versão em CD
do álbum, trouxe duas faixas bônus, "Puteiro em João Pessoa II" e
"Selim" (versão acústica).
Cena do vídeo-clipe de "Puteiro em João Pessoa". |
O som tosco,
pesado de desbocado de Raimundos, o álbum, causou uma
grande impacto no cenário musical brasileiro, em 1994. A
mistura de forró e punk rock que poderia
soar antes ridícula, acabou conquistando o público e a crítica. O álbum foi
muito bem recebido pela imprensa musical. A faixa "Nêga Jurema" foi o
primeiro vídeo clipe do álbum, e foi bastante exibido na MTV Brasil, a tal
ponto de ser indicado para representar o Brasil nos Estados Unidos na premiação
da MTV norte-americana. "Puteiro em João Pessoa" e "Selim"
foram as outras faixas que se tornaram grandes hits do álbum que chegou à marca
das 200 mil cópias vendidas.
Ao lado
de Da
Lama Ao Caos, álbum de estreia da banda Chico Science & Nação
Zumbi, do primeiro homônimo álbum d'O Rappa, e de Calango, segundo álbum do
Skank, Raimundos ajudou a inaugurar um novo momento do rock brasileiro
a partir daquela ano de 1994, abrindo caminho para novas bandas como Planet
Hemp, Jota Quest, Charlie Brown Jr., Los Hermanos entre outras . O rock
brasileiro experimentava um novo vigor, depois de viver um período de baixa
entre o final dos anos 1980 e primeira metade dos anos 1990, época em que a
música sertaneja e a axé music estavam em plena ascensão comercial. Se a
geração do rock brasileiro dos anos 1980 era calcada no pós-punk inglês, a
geração dos anos 1990 buscava um caminho mais voltado para as referências
musicais brasileiras, mas conectada com a música pop internacional e as novas
tecnologias.
Faixas
- "Puteiro em João Pessoa"
- "Palhas do Coqueiro" (Evandro Vieira e Martin Luthero)
- "MM's"
- "Minha Cunhada" (Martin Luthero e Rodolfo Abrantes)
- "Rapante"
- "Carro Forte" (Domínio público / adaptação: Raimundos)
- "Nêga Jurema"
- "Deixei de Fumar" / "Cana Caiana" (Durval Vieira e Graças Góes / Tio Jovem e Zenilton)
- "Cajueiro" / "Rio das Pedras" (Domínio público / adaptação: Martin Luthero e Raimundos / Durval Vieira e Zenilton)
- "Bê a Bá"
- "Bicharada"
- "Marujo" (Martin Luthero e Rodolfo Abrantes)
- "Cintura Fina"
- "Selim" (Cristiano Telles e Raimundos)
Todas as músicas foram escritas por Rodolfo Abrantes, exceto as
marcadas.
Raimundos: Rodolfo Abrantes (vocal), Digão
(guitarra e vocais), Canisso (baixo e vocais) e Fred (bateria).
Ouça na íntegra o álbum Raimundos
Vídeo-clipe de "Puteiro em João Pessoa"
Vídeo-clipe de "Palhas no Coqueiro"
Vídeo-clipe de "Bê a Bá"
Vídeo-clipe de "Rapante"
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