“Calango” (Chaos/Sony Music, 1994), Skank


Até por volta de 1993, o rock brasileiro ainda tinha na boca um “gosto amargo de ressaca” do sucesso da geração dos anos 1980. As grandes bandas do rock brasileiro da geração dos anos 1980 que restaram e que adentraram os anos 1990, já tinham os seus integrantes passando a casa dos 30 anos de idade. Naquele momento a música sertaneja e axé music dominavam o cenário midiático da música brasileira, embora o rock ainda tivesse o seu espaço, principalmente por meios de comunicação como a MTV Brasil, que entrou no ar em 1990.

Enquanto isso, como dizia um antigo hit do RPM, era no underground que “repousava o repúdio” do rock brasileiro. Assim como ocorrera nos anos 1980, a cena alternativa do rock estava em ebulição em vários cantos do Brasil, revelando novas bandas, novos cantores, com novas propostas que dariam um novo rumo para o rock brasileiro. Apesar de tão plural musicalmente, esse novo cenário roqueiro tinha como um ponto em comum a conexão das referências regionais com a contemporaneidade pop internacional, uma lição deixada pelo Tropicalismo nos anos 1960 e que a geração dos anos 1980 do rock brasileiro havia deixado de lado quando orientou-se profundamente nos cânones da new wave e do pós-punk britânico.

Foi nesse cenário musical tão plural que o Skank surgiu, em 1991, em Belo Horizonte, Minas Gerais, fazendo reggae de branco, através de Samuel Rosa (guitarra e voz), Henrique Portugal (teclados), Lelo Zaneti (baixo) e Haroldo Ferretti (bateria). Num espaço de três anos, a banda mineira contribuiria na abertura da porteira do mainstream para as bandas oriundas do underground pop rock dos anos 1990.

O Skank lançou o seu primeiro e homônimo álbum em 1992, de forma independente, no formato CD, algo inédito em bandas independentes no Brasil naquele momento, já que o mais comum era o lançamento em vinil. Além disso, na ocasião, pouca gente tinha aparelho para tocar CD em casa. Porém, apostando nesse formato, o Skank acreditava que agregaria ao seu trabalho musical mais qualidade, profissionalismo e credibilidade. Naquele ano de lançamento, graças à popularidade conquistada na cena alternativa mineira, o Skank já era bem executado nas rádios de Belo Horizonte, o que chamou a atenção de algumas gravadoras.

Skank no início da carreira, em 1991. Da esquerda para a direita: Haroldo Ferretti,
Lelo Zaneti, Samuel Rosa e Henrique Portugal.
Em janeiro de 1993, o Skank foi o primeiro contratado do selo Chaos, da Sony Music, selo que se dedicaria às novas bandas do novo momento do pop rock brasileiro naquela década. O selo relançou o álbum de estreia do Skank em abril de 1993, numa versão remixada. As faixas “In(dig)Nação”, “Homem Q Sabia Demais” e “Tanto” tornaram o Skank conhecido em todo o Brasil, e fizeram o álbum de estreia da banda mineira alcançar a marca de 250 mil cópias em sua versão relançada pelo selo Chaos.

A consagração do Skank veio abordo do seu segundo álbum, Calango, lançado em 15 de outubro de 1994. Com uma receita musical que mistura reggae praieiro, ragga, pop rock, batidas eletrônicas, humor e temática social, o álbum foi responsável por catapultar o quarteto mineiro para o estrelato. O título do álbum faz referência a um tipo de dança e de ritmo musical popular no interior de Minas Gerais.

O Skank e a gravadora chegaram a cogitar para produzir Calango, o músico e produtor jamaicano Sly Dunbar, mas ele não tinha tempo na sua agenda. Foi então que convidaram Dudu Marote, produtor que o Skank conhecera durante um show do quarteto em São Paulo. O Skank tocou na mesma noite da banda Vaca de Pelúcia, banda que Marote estava produzindo. Além do próprio Skank, trabalhou na produção de Calango o músico e engenheiro de som Marcos Gauguin, o mesmo que havia mixado o primeiro álbum do Skank. As gravações de Calango ocorreram entre julho e agosto de 1994, no lendário estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro.

Do repertório selecionado para o segundo álbum, três músicas já eram conhecidas do público, ou pelo menos de parte dele. “Jackie Tequila” e “Amolação” eram tocadas nos shows. “É Proibido Fumar” foi gravada pelo Skank para o disco-tributo a Roberto Carlos, intitulado Rei, sob a produção de Roberto Frejat, lançado em 1994, e do qual participaram vários artistas convidados, entre os quais, o Skank. Enquanto “Jackie Tequila” e “Amolação” precisaram ser gravadas em estúdio para o novo álbum, a gravação de “É Proibido Fumar” para o disco-tributo foi aproveitada e incluída em Calango.

Rei, disco tributo a Roberto Carlos e Erasmo Carlos, do qual o Skank
participou com uma regravação de "É Proibido Fumar".

A ideia da capa de Calango nasceu depois que o empresário do Skank, Fernando Furtado, leu uma matéria na revista “JB” sobre o artista plástico Ilson Lorca, que se vestia com uma fantasia feita com garrafas plásticas de refrigerantes pintas com as cores da bandeira brasileira. Durante os jogos do Brasil na Copa do Mundo de 1994, realizada nos Estados Unidos, Ilson desfilava com a sua fantasia pelas ruas do Rio de Janeiro para comemorar os jogos do Brasil. A matéria chamou a atenção de Furtado que propôs a Lorca para usar a fantasia na capa do álbum Calango. A fantasia foi vestida por Lelo Zaneti nas sessões de foto para a capa e encarte do álbum. Ilson Lorca fez o cenário para as sessões de fotos, e participou do videoclipe de “É Proibido Fumar”.

“Amolação”, um misto de ska e dub, é a primeira faixa do álbum, e trata sobre um pobre lavrador, que embora tenha feito tudo pela esposa, era traído por ela. Na sequência, uma das faixas mais famosas de Calango: “Jackie Tequila”, um reggae balada sobre uma garota com o “sol do Taiti na pele” e “tão bonita que enjoa”. “Esmola” é alegre e dançante, mas os seus versos, apesar de bem-humorados, não escondem a crítica social: “Uma esmola pro desempregado / Uma esmolinha pro preto pobre doente / Uma esmola pro que resta do Brasil / Pro mendigo, pro indigente...”. O reggae romântico de “O Beijo E A Reza“ versa sobre o marinheiro apaixonado João do Arco e a sua paixão pela mulher da ilha do amor.

Fechando o lado A, “A Cerca”, faixa que traz o duelo entre dois caipiras duelando por causa dos limites de suas terras, numa narrativa que lembra o repente nordestino, só que numa versão mais rápidas e com guitarras distorcidas, ao invés de violas. A levada da música teria sido inspirada no calango, o tipo música e dança já citado, popular no interior de Minas Gerais.

Cena do videoclipe de "A Cerca".

Gravada especialmente para o disco-tributo Rei, dedicado a Roberto Carlos, “É Proibido Fumar” é a única faixa do álbum não foi produzida por Dudu Marote, Skank e Marcos Gauguin. Produzida por Roberto Frejat para o disco-tributo, “É Proibido Fumar”, que na versão original de Roberto Carlos era um rock’n’roll, com o Skank ganhou um arranjo completamente diferente, mais voltado para o ragga, tendo como inspiração a música “Boom-Shack-A-Lack”, de Apache Indian, que fez sucesso em 1993.

“Te Ver” é a faixa mais romântica do álbum, cujos versos traçam as mais diversas comparações para justificar o quanto é impossível não desejar estar com a pessoa que amamos. Em “Chega Disso!”, o Skank faz uma grande mistura rítmica que põe no mesmo caldeirão musical ragga, samba, calypso e calango. A música possui uma base instrumental com uma força rítmica intensa que permite Samuel Rosa cantar os versos de uma maneira que remete à embolada nordestina.

Na faixa seguinte,“Sam”, Samuel Rosa canta sobre um homem que dá nome à música que parece estar em constante deslocamento, caminhando. A todo lugar que ele passa, e nas mais diversas situações, é perguntado para onde está indo. Em “Estivador, o Skank trata sobre a vida dura de quem trabalha como estivador no porto.

“Pacato Cidadão”, outra faixa do álbum que se tornou um grande sucesso do Skank, é quem encerra o álbum. Nela, a banda mineira faz uma reflexão sobre aquele tipo de cidadão apático, inerte, conformado, incapaz de reclamar e questionar pelos seus direitos quando estes são desrespeitados. No seu final, a música faz uma citação a “Let ’Em In”, sucesso de Paul McCartney dos anos 1970.

Calango fez um enorme sucesso de público e crítica. Com exceção de “Sam”, todas as outras faixas tocaram nas rádios do Brasil, tornando o álbum um fenômeno em vendas: mais de 1,2 milhão de cópias vendidas. No entanto, “Jackie Tequila”, “Te Ver”, “É Proibido Fumar”, “O Beijo E A Reza” e “Pacato Cidadão” foram as mais executadas. Através do sucesso comercial de Calango, o Skank passou a tocar em estádios e arenas lotados.

Ao lado do primeiro e homônimo álbum dos Raimundos e de Da Lama Ao Caos, de Chico Science & Nação Zumbi, Calango contribuiu para a abertura de um novo momento para o rock brasileiro nos anos 1990, abrindo espaço para uma nova geração de bandas e cantores. O Skank manteve a inspiração e criatividade em alta no álbum seguinte, O Samba Poconé (1996), outro trabalho da banda mineira que emplacou vários sucessos e vendeu milhões de cópias. 

Faixas

Todas as canções escritas e compostas por Samuel Rosa e Chico Amaral, excetos os indicados.

Lado A
  1. "Amolação"      
  2. "Jackie Tequila"            
  3. "Esmola"                       
  4. "O Beijo e a Reza"                    
  5. "A Cerca" (Samuel Rosa - Fernando Furtado - Chico Amaral)


Lado B
  1. "É Proibido Fumar" (Roberto Carlos / Erasmo Carlos)          
  2. "Te Ver" (Samuel Rosa - Lelo Zaneti - Chico Amaral)             
  3. "Chega Disso!"                          
  4. "Sam"                             
  5. "Estivador"                   
  6. "Pacato Cidadão" 


Skank: Samuel Rosa (voz e guitarra), Henrique Portugal (teclados; voz em "A Cerca" e "Amolação"), Lelo Zaneti (baixo) e Haroldo Ferretti (bateria)

Referências:
Revista Bizz – Edição 112 - novembro/1994, Editora Azul



 "Amolação"

"Jackie Tequila"

"Esmola"

"O Beijo e a Reza"

"A Cerca"
(videoclipe original)

"É Proibido Fumar"
(videoclipe original)

"Te Ver"
(videoclipe original)

"Chega Disso!"

"Sam"

"Estivador"

"Pacato Cidadão"

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