“Cássia Eller” (PolyGram, 1994), Cássia Eller


Cássia Eller (1962-2001) despontou numa nova geração de cantoras da música brasileira entre o final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, e da qual fizeram parte também Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Zélia Duncan dentre outras.

Em 1993, já com dois álbuns no currículo e o respeito por parte da crítica conquistado, Cássia se mostrava desmotivada e insatisfeita com sua carreira. Ainda que tivesse o prestígio da crítica, Cássia era uma cantora que atingia um público pequeno, era uma cantora “cult”. Seus dois primeiros álbuns, Cássia Eller (1990) e O Marginal (1992), tiveram vendas baixíssimas. A desmotivação era tamanha que Cássia cogitava pedir demissão da gravadora.

Naquele momento, a cantora passava por uma crise financeira, estava sem dinheiro, e ainda para completar, estava grávida do seu primeiro e único filho, Francisco Eller, fruto de uma relação o músico Tavinho Fialho, baixista da banda da cantora. Vale destacar que a gravidez de Cássia era uma “produção independente”, o desejo de realizar o sonho de ser mãe, e não havia uma cobrança por parte dela para que ele assumisse a criança. Homossexual assumida, Cássia tinha um relacionamento afetivo com Maria Eugênia Vieira, com quem constituiu família após o nascimento do bebê e que foi sua companheira até a sua morte. Por outro lado, Tavinho era um homem casado e com dois filhos.

Lamentavelmente, Tavinho não veria o filho chegar ao mundo: ele morreu aos 32 anos, uma semana antes da criança nascer. Sem dinheiro e nem plano de saúde, o parto de Cássia teria sido bancado pela gravadora PolyGram. A criança nasceu em agosto de 1993.

Cássia Eller segurando em seus braços o filho Francisco Eller, 
e sua companheira Maria Eugênia Vieira.

De volta ao trabalho, Cássia começou a gravar o seu terceiro álbum, o último previsto no contrato com a PolyGram, e que talvez, selasse a sua sorte, a depender do desempenho comercial. A produção do álbum ficou por conta do produtor Guto Graça Mello, convidado pela gravadora, enquanto que a seleção de repertório ficou a cargo de Ezequiel Neves.

A princípio, o novo álbum seria exclusivamente de covers, talvez até para torna-lo mais comercial, porém, três canções inéditas acabaram sendo incluídas no repertório, “Malandragem”, “E.C.T.” e “1º de Julho”. Dos covers incluídos no álbum, dois foram sugestões da gravadora, “Partners”, do RPM, e “Try A Little Tenderness”, sucesso de Otis Redding. Dentre convidados, Roberto Frejat (na época, ainda o vocalista e guitarrista no Barão Vermelho), Wander Taffo (1954-2008) (ex-guitarrista da banda Rádio Táxi), e Flávio Guimarães (gaitista da Blues Etílicos).

O terceiro e autointitulado álbum de Cássia Eller começa com “Partners”, música do RPM presente no álbum RPM, de 1988, popularmente conhecido como Quatro Coiotes. Cássia canta de maneira soberba, imponente com uma base instrumental puxada para o hard rock. Wander Taffo faz uma participação especial extraindo solos fantásticos da sua guitarra.

A faixa seguinte é “Malandragem”, um dos maiores sucessos da carreira de Cássia Eller. Por incrível que pareça, esta canção não foi feita para Cássia, apesar de ter tudo a ver com ela. Na verdade, foi composta nos anos 1980, por Cazuza (1958-1990) e Roberto Frejat, ambos especialmente para a cantora Ângela Ro Ro. Além de amigos de Ângela, os dois nutriam uma grande admiração pela cantora. Contudo, Ângela recusou gravar a canção, alegando que o repertório do álbum que estava para gravar já estava fechado. Mas no fundo, o verdadeiro motivo é que Ângela não gostou dos versos, achando um tanto quanto “infantis” (“Quem sabe eu ainda sou uma garotinha / Esperando o ônibus da escola, sozinha / Cansada com minhas meias três quartos...”), achou a canção uma “merda”. Anos mais tarde, Frejat ofereceu “Malandragem” a Cassia Eller, que estava preparando repertório para seu novo álbum. Fã de Cazuza, que àquelas alturas, já havia morrido faziam quatro anos, Cássia aceitou de imediato gravar a canção. “Malandragem” caiu como uma luva na voz de contralto e rebelde de Cássia Eller. “Malandragem” parece que foi feita para ela.

Cazuza e Roberto Frejat, nos tempos da banda Barão Vermelho, em 1985: 
os dois compuseram "Malandragem" para Ângela Rô Rô (no detalhe),  
mas quem acabou gravando foi Cássia Eller.

E.C.T. é a abreviação de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, ainda que não tenha a letra “B” na sigla. E é essa sigla que dá nome à terceira canção do álbum composta por Nando Reis, Marisa Monte e Carlinhos Brown. A letra conta a história de um carteiro que costumava abrir as correspondências das pessoas. Uma das correspondências abertas, uma carta de amor que retornou ao remetente, o carteiro criou uma música. A canção ficou famosa e o autor da carta reconheceu ao ouvi-la no rádio. “E.C.T.”, a canção, é uma música calma, tranquila, e que num determinado trecho, lembra música árabe. No entanto, a presença constante da cuíca, dá um toque de brasilidade à canção.

“Try A Little Tenderness”, é uma canção dos anos 1930, mas que ao longo do tempo foi regravada pelos mais diversos artistas como Bing Crosby (1903-1977), Otis Redding (1941-1967) e Three Dog Night. Soltando a sua poderosa voz e encarnando o seu lado soulwoman roqueira, Cássia empregou na sua versão para “Try A Little Tenderness” os mesmos arranjos e interpretação da versão de Otis Redding, gravada em 1966.

Se “Malandragem” foi uma canção composta especialmente para Ângela Ro Ro, mas que fora rejeitada por ela e gravada anos depois por Cássia Eller com muita propriedade, “1º de Julho” foi dedicada a Cássia. Pode-se dizer que foi um presente dado por ninguém menos que Renato Russo (1960-1996), vocal da Legião Urbana. Renato compôs “1º de Julho” para Cássia quando ela ainda estava grávida, trata do sentimento da maternidade e da gravidez da cantora cercada das expectativas quanto ao futuro do bebê. A letra toca, ainda que sutilmente, sobre a insegurança e as dúvidas que pareciam pairar sobre a cabeça do pai da criança, já que ele era homem casado e com dois filhos. Em contrapartida, apresenta Cássia como uma mulher segura, decidida e amando o ser que estava sendo gerado em seu ventre, o que mostra que Renato era um compositor bastante sensível e com uma percepção bastante aguçada.

Renato Russo compôs "1º de Julho" para Cássia Eller quando ela estava grávida.

“Na Cadência do Samba” encerra o lado A da versão LP do álbum. A música é um clássico do samba de Ataulfo Alves, de 1962. Cássia canta acompanhada de um violão, e de um pandeiro marcando o ritmo.

O lado B é composto apenas de covers, começando com uma música dos Paralamas do Sucesso, “Lanterna dos Afogados”, sucesso do álbum Big Bang (1989). Cássia pegou esse rock dos Paralamas e injetou mais “testosterona”: ganhou mais pesou, distorção na guitarra, e virou um hard rock. Wander Taffo aparece mais vez, mostrando todo o seu virtuosismo de guitarrista com solos demolidores. E como não poderia deixar de ser, Cássia Eller canta de maneira brilhante.

“Coroné Antônio Bento” é um antigo sucesso do primeiro e autointitulado álbum de Tim Maia (1942-1998), lançado em 1970. Na sua versão, Cássia manteve a essência miscigenada de baião com soul da versão original, mas canta ao seu modo, do seu jeito.

Assim como em “Coroné Antônio Bento”, a versão de Cássia para “Metro Linha 743”, de Raul Seixas, pouco difere nos arranjos da versão original. O reggae pop “Socorro”, de Arnaldo Antunes e Alice Ruiz, foi gravado por Cássia antes mesmo de Arnaldo, que só o faria em 1998, para o seu álbum Um Som.

Cassia Eller fazendo aquilo sabia fazer de melhor: cantar.

“Blues do Iniciante”, é uma antiga canção do Barão Vermelho, lançada originalmente no álbum Barão Vermelho 2 (1983), com Cazuza cantando acompanhado de um piano. Na versão de Cássia, a música é executada com uma banda completa, mantendo a essência do blues. Cássia Eller canta à vontade, e emprega toda uma carga dramática na sua interpretação.

Do álbum Dois (1986), da Legião Urbana, Cássia resgatou a canção “Música Urbana”. Na versão original da Legião, a canção é um blues acústico com Renato Russo cantando acompanhado de um violão. Com Cássia, o blues acústico da Legião Urbana transformou-se num vigoroso blues rock, com guitarra distorcida e uma gaita muito bem executada por Flávio Guimarães, da banda Blues Etílicos. Cássia Eller canta de maneira assombrosa, numa completa entrega à música.

Encerrando o álbum, “Pétala”, uma bela canção de amor de Djavan, do seu álbum Luz (1982). Cássia canta acompanhada por teclados que produzem um clima “etéreo” na canção.

Lançado em meados de 1994, o terceiro álbum agradou em cheio o público e a crítica. “Malandragem” foi sem sombra de dúvidas, a faixa mais tocada do álbum, posicionando-se nas primeiras colocações das paradas de sucesso do Brasil. “E.C.T”, “1º de Julho”, e a cover de “Lanterna dos Afogados”, também tiveram boa execução nas rádios brasileiras. O álbum vendeu pouco mais de 150 mil cópias, mais do que os dois primeiros álbuns juntos. Cássia ampliava o seu público, deixando de ser apenas uma artista alternativa para se tornar uma cantora das massas. A turnê do álbum foi registrada e culminou no primeiro álbum gravado ao vivo da cantora, Cássia Eller – Ao Vivo, lançado em 1996. Curiosamente, os shows dessa turnê foram essencialmente acústicos, o que fez a turnê ser batizada de Violões, contando apenas com três violões: o da própria Cássia Eller, mais os dos violonistas Walter Villaça e Luciano Maurício.

Faixas

Lado A
  1. "Partners" (Paulo Ricardo - Paulo P.A. Pagni - Luiz Schiavon)
  2. "Malandragem" (Cazuza - Roberto Frejat)   
  3. "E.C.T."  (Nando Reis - Marisa Monte - Carlinhos Brown)   
  4. "Try A Little Tenderness" (Harry Woods - Jimmy Campbell - Reg Conelly)
  5. "1º de Julho” (Renato Russo)
  6. "Na Cadência do Samba” (Ataulfo Alves - Paulo Gesta)


Lado B
  1. "Lanterna dos Afogados” (Herbert Vianna)
  2. "Coroné Antonio Bento” (Luiz Wanderley - João do Vale)
  3. "Metrô Linha 743” (Raul Seixas)
  4. "Socorro" (Arnaldo Antunes - Alice Ruiz)
  5. "Blues do Iniciante" (Roberto Frejat – Dé - Guto Goffi - Maurício Barros – Cazuza)         
  6. "Música Urbana 2” (Renato Russo)  
  7. "Pétala" (Djavan) 

Banda: Márcio Lomiranda (teclados), Paulo Rafael (guitarra), Fernando Nunes (baixo) e Cesinha (bateria).

Partipações Especiais: Wander Taffo (guitarra solo em “Lanterna dos Afogados” e “Partners”) e Roberto Frejat (violão em “1º de Julho”).



"Partners"


"Malandragem" (videoclipe original)


"E.C.T."


"Try A Little Tenderness"


"1º de Julho"


"Na Cadência do Samba"


"Lanterna dos Afogados"


"Coroné Antônio Bento"


"Metrô Linha 743"


"Socorro"


"Blues do Iniciante"


"Música Urbana 2"


"Pétala"


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