"Animals" (Harvest Records, 1977), Pink Floyd


Por Sidney Falcão

Em 1976, o Reino Unido enfrentava uma crise econômica desafiadora, com altas taxas de desemprego, inflação galopante e sérios problemas no setor industrial. James Callaghan (1912-2005), do Partido Trabalhista, tornou-se primeiro-ministro sucedendo Harold Wilson (1916-1995), e teve uma árdua tarefa de tentar tirar o Reino Unido daquela grave crise.

O movimento punk despontava tendo à frente a banda Sex Pistols, trazendo à reboque toda uma juventude britânica (ou pelo menos parte dela) que se mostrava revoltada e sem esperança diante daquela situação socioeconômica agravante. Bandas e cantores do movimento punk expressavam intensa frustração com a realidade política, social e econômica, abordando temas como desemprego, alienação, falta de perspectiva para os jovens e críticas à classe política e à sociedade em geral. Suas músicas, marcadas por um estilo agressivo e letras provocativas, confrontavam a autoridade e o establishment.

E não eram apenas as autoridades os alvos da fúria punk, mas também os grandes astros da música, sobretudo do rock. O punk se oponhua ao estrelismo e à ostentação das estrelas milionárias do rock. Além disso, esse movimento transgressor reagia contra a "burocracia" musical praticada por alguns seguimentos do rock, como o rock progressivo e suas canções de longa duração e arranjos complicados. Num sentido contrário, o punk pregava um tipo de música mais crua, curta e simples, e que retratasse a dura realidade cotidiana em que aqueles jovens viviam.

Como o Pink Floyd não se encaixava nesses requisitos, a banda foi um dos alvos execrados pelos punks. Numa ocasião, o vocalista dos Sex Pistols, Johnny Rotten, usou uma camisa com com a inscrição "I hate Pink Floyd" ("Eu odeio Pink Floyd").

Sex Pistols se apresentando no 100 Club, em Londres, em setembro de 1976.
Quarteto liderou a explosão punk britânica que dentre os alvos, estava o Pink Floyd.

Enquanto isso, o Pink Floyd vivia uma fase de transição após o lançamento do álbum Wish You Were Here, em 1975. A banda havia adquirido um edifício e transformado no Britannia Row Studios, em Londres, um espaço que proporcionou ao quarteto maior controle sobre a sua produção musical, estimulando a liberdade criativa dos seus integrantes.

Sem demonstrar a mínima preocupação com a raiva dos punks, o Pink Floyd gravou o álbum Animals ao longo do ano de 1976. A banda explorava novas sonoridades e abordagens musicais, expandindo sua expressão artística. Porém, além da criação musical, os membros da banda enfrentavam dinâmicas internas complexas. Tensões criativas e pessoais, principalmente entre Roger Waters e David Gilmour, surgiram e iriam afetar não apenas o processo de gravação de Animals, mas a relação dos membros da banda dali em diante.

Artisticamente, o Pink Floyd buscava novos caminhos para expressar ideias e emoções, explorando a expansão sonora e conceitual de forma ambiciosa e experimental, características evidentes em Animals e nos álbuns subsequentes.

Lançado em 21 de janeiro de 1977, Animals é um álbum conceitual assim como os dois álbuns anteriores, The Dark Side Of The Moon (1973) e Wish You Were Here (1975). O conceito de Animals partiu da mente criativa e inquieta do baixista Roger Waters após ler o livro Animal Farm (no Brasil A Revolução dos Bichos), de George Orwell (1903-1950), lançado em 1945. A obra de Orwell é um romance que faz uma crítica ao regime socialista autoritário de Josef Stálin (1878-1953) que governa a União Soviética com um brutal totalitarismo. De forma metafórica, a União Sovietica está representada no romance como uma fazenda onde os animais (cabras, cavalos, burros, cachorros, galinhas ovelhas entre outros) se revoltam contra o fazendeiro, Sr. Jones, liderados pelos porcos mais inteligentes. Após a expulsão de Jones, surgem disputas entre os animais, especialmente entre Bola-de-Neve (Snowball) e Napoleão (Napoleon), por diferentes ideias. Napoleão, com uma postura autoritária, toma o poder, revelando-se egoísta e totalitário ao conduzir a granja após a expulsão de Bola-de-Neve. O enredo destaca interesses pessoais, corrupção e golpes na busca pelo controle.

George Orwell e a sua obra-prima A Revolução dos Bichos: influência cabal
no conceito de Animals, do Pink Floyd.

Inspirado no livro de Orwell, Roger Waters desenvolveu o conceito de Animals não pensando no regime socialista soviético, mas no capitalismo e na grave situação sócio-econômica que o Reino Unido vivenciava em meados dos anos 1970. Na história abordada no disco, os humanos são representados alegoricamente por três categorias de animais: porcos simbolizando políticos corruptos e moralistas, cães representando as autoridades, e as ovelhas são retratadas como seguidoras cegas. A diferença entre o livro e o disco é que no disco, grupo oprimido representado pelas ovelhas, promove uma rebelião, domina seus opressores e vence o conflito.

Embora fossem de universos diferentes, Pink Floyd e punks tinham como ponto em comum o posicionamento político engajado. Waters é tão politizado quanto era o saudoso Joe Strummer (1952-2002), vocalista e guitarrista do The Clash, uma das amais icõnicas bandas do punk rock.

A arte da capa de Animals partiu da cabeça de Roger Waters, enquanto que sua execução ficou por conta do estúdio Hipgnois. A capa apresenta um porco inflável suspenso sobre a Usina Elétrica de Battersea em Londres. Inicialmente, a equipe tentou fazer o porco inflável flutuar, mas após três dias de tentativas, o porco inflável escapou das amarras presas às chaminés, e voou até o aeroporto de Heathrow antes de cair em Kent. Um atirador de elite foi contratado para o primeiro dia, mas não foi chamado de volta no segundo dia, visando economizar dinheiro. A imagem final da capa foi uma montagem combinando o porco do terceiro dia com o céu do primeiro, mostrando que a foto poderia ter sido feita sem o esforço e custo de fazer o porco inflável flutuar de fato.

Na prática, Animals é composto por cinco faixas, sendo que a primeira e a última, "Pigs On The Wing (Parte I)" e "Pigs On The Wing (Parte II)", compostas por Roger Waters, foram dedicadas por ele à sua esposa na época, Carolyne Christie.

"Pigs On The Wing (Parte I)" é uma música curta, dotada de uma leveza melódica agradável e que serve de introdução suave ao álbum. Ela fala sobre encontrar alguém especial, compartilhar uma conexão e prometer apoio mútuo, mesmo diante das dificuldades do mundo ao redor. A letra reflete um senso de confiança e proteção entre duas pessoas em um contexto de incerteza e caos social.

Capa dupla de Animals.

Na sequência vem a longa "Dogs" e seus pouco mais de 17 minutos, que ocupa todo o restante do lado 1 de Animals. "Dogs" nasceu a partir de uma outra música, "You've Got To Be Crazy", composta durante as sessões do álbum Wish You Were Here. "You've Got To Be Crazy" foi engavetada, somente reaproveitada quando a banda foi gravar Animals, quando a canção foi retrabalhada e evoluiu para se tornar "Dogs". A letra de "Dogs" trata sobre ganância, corrupção e a natureza predatória do comportamento humano no mundo dos negócios e do trabalho. A música reflete como as pessoas são influenciadas e corrompidas pelo sistema, destacando a falta de escrúpulos em busca do sucesso pessoal. Os vocais em "Dogs" são divididos por David Gilmour e Roger Waters. Além de cantar em "Dogs", Gilmour faz solos de guitarra espetaculares, que certamente estão entre os melhores da sua carreira.

O lado 2 do álbum começa com "Pigs (Three Different Ones)", uma faixa que se assemelha musicalmente a "Have A Cigar", do álbum Wish You Where Here. O rítmo da música é pontuado pelo cowbell, e traz David Gilmour fazendo uso do talk box, com o qual o músico faz uma interessante simulação dos grunhidos dos porcos durante uma longa seção instrumental. Quem também faz uma participação importante é Richard Wright (1943-2008) nos teclados. A letra traça uma crítica sarcástica, debochada aos magnatas endinheirados (retratando-os como porcos), aos manipuladores e à ativista conservadora Mary Whitehouse (1910-2001), que ficou conhecida por suas campanhas contra o que considerava imoralidade na mídia britânica, lutando por padrões mais rígidos na televisão e na cultura popular.

"Sheep" nasceu a partir de uma outra música, "Raving And Drooling", que assim como "You've Got To Be Crazy" que deu ortigem a "Dogs", era tocada ao vivo durante a turnê de 1974 e era cogitada a ser gravada para o álbum Wish You Were Here. Ficou de fora, porém, mais tarde, foi desengavetada, retrabalhada e virou "Sheep", cuja letra faz referência metafótica àquela parcela passiva e acomodada da sociedade, representada na letra por ovelhas. Logo após o recitar do Salmo 23 da Bíblia (que sofreu uma pequena alterações na letra), essas mesmas ovelhas se rebelam e matam os cães.

Pink Floyd em show no Empire Pool, em Londres, durante a turnê In The Flesh,
que promoveu o álbum Animals.

O álbum chega aos seu final com "Pigs On The Wing (Parte II)", uma continuação da primeira parte que abre o álbum. Assim como a primeira parte, a segunda parte é uma música calma e simples, reforçando o tema da conexão interpessoal e do apoio mútuo. A letra expressa a importância da união, especialmente em um mundo cheio de desafios e adversidades. É uma espécie de conclamação à necessidade de apoio mútuo para enfrentar as dificuldades da vida.

Embora não tenha alcançado o mesmo sucesso comercial dos dois álbuns anteriores, Animals teve um desempenho comercial muito bom. O álbum estreou em 2° lugar na parada de álbuns do Reino Unido, mas logo subiu para o 1° lugar. Nos Estados Unidos, Animals chegou ao 3° lugar na parada Billboard 200.

Mais de 4 milhões de cópias foram vendidas de Animals nos Estados Unidos, o que garantiu ao Pink Floyd um disco quádruplo de platina. Na Alemanha, o álbum vendeu 500 mil cópias, 500 mil na França, 200 mil no Canadá e 100 mil no Reino Unido

Em 23 de janeiro de 1977, dois dias após o lançamento de Animals, o Pink Floyd inciou uma turnê para promover o álbum. Intitulada In The Flesh, a turnê promocional de Animals passou por alguns países da Europa, além de Estados Unidos e Canadá, entre janeiro e julho de 1977.

A turnê In The Flesh do Pink Floyd foi uma das mais ambiciosas da banda até então. O sucesso dos álbuns The Dark Side of The Moon, WishYou Were Here, e agora de Animals, elevaram o status do Pink Floyd de banda "cult" mega-astros do rock mundial. Os shows do Pink Floyd passaram a ser apresentados em grandes estádios para plateias imensas. A produção cenográfica foi bastante caprichada a tal ponto de levarem para o palco um porco cenográfico.

Contudo, a histeria dos fãs não agradou a banda, principalmente a Roger Waters. Vários incidentes provocadospelos fãs mais fanáticos ocorreram durante essa turnê e que afetariam significativamente a carreira da banda. O incidente mais notório ocorreu durante um show do Pink Floyd no Estádio Olímpico de Montreal, no Canadá. O comportamento histério dos fãs nas primeiras fileiras próximas ao palco, irritou Roger Waters, que chegou cuspir no rosto de um deles. Waters deixou o palco, seguido depois por David Gilmour.

Algum tempo depois que a turnê foi concluída, Roger Waters teve um encontro com o produtor Bob Ezrin e um médico psiquiatra, amigo de Ezrin. No encontro, o baixista do Pink Floyd relatou aos dois as suas impressões sobre o ocorrido no show em Montreal e a vontade que sentiu em construir um muro entre ele e aquele público para isolar-se. Foi a a partir da confusão no show de Montreal e do desejo de isolar-se por um muro naquela ocasião que Waters esboçou a ideia para o próximo álbumdo Pink Floyd: The Wall.

Faixas

Todas as faixas escritas e cantadas por Roger Waters , exceto "Dogs", escrita e cantada por Waters e David Gilmour.

Lado 1

  1. "Pigs on the Wing (Parte I)"  
  2. "Dogs" 

Lado 2

  1. "Pigs (Three Different Ones)"
  2. "Sheep"
  3. "Pigs on the Wing (Parte II)" 

 

Pink Floyd:

David Gilmour (guitarra, voz e talk box)

Nick Mason (bateria e percussão)

Roger Waters (baixo, vocais, violão)

Richard Wright (orgão Hammond, clavinete, piano elétrico e sintetizador) 

 

Referências:

Monografie nº3 – Pink Floyd - 2017 - Sprea Editori, Itália

Nos bastidores do Pink Floyd – Mark Blake, 2012, Editora Évora, Brasil

Pink Floyd: album by album – Martin Popoff, 2018, Voyageur Press, Estados Unidos

pinkfloyd.com 


Ouça na íntegra o álbum Animals


Comentários

  1. Esse foi o primeiro disco que eu conheci do Pink Floyd na íntegra em 2002, aos 13 anos, após conhecer uma boa parte de sua história e de suas canções, sem saber de quais respectivos discos eram (o que descobriria depois). Após estes 47 anos, Animals continua muito atual e mantendo o seu legado vivo até os dias de hoje. Não a toa, Roger Waters ainda o usa em seus shows solo recentes para fazer protestos políticos, citando nomes como, por exemplo, o ex-presidente americano Donald Trump (referenciado na faixa "Pigs - Three Different Ones"). O blog já comentou sobre os álbuns clássicos do Pink Floyd lançados nos anos 70: Meddle, The Dark Side of the Moon, The Wall e agora o Animals, além do subestimado Obscured by Clouds. Agora só está faltando o álbum Wish You Were Here, que é o meu preferido da banda e que já deixo como minha sugestão para as próximas resenhas. Valeu!

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