“Never Mind The Bollocks Here’s The Sex Pistols” (Virgin, 1977), Sex Pistols
A alegria e o colorido lisérgico hippie dos anos 1960 eram
coisas do passado na Inglaterra de meados dos anos 1970. Deram lugar aos tons
cinzentos da recessão e do desemprego que assombravam a classe trabalhadora
inglesa, bem como em todo o império britânico naquele momento.
Na outra ponta, em estado de esbanjamento viviam os astros
do rock, cada vez mais milionários, inacessíveis (alguns se achando “semideuses”)
e completamente integrados ao circo da indústria do entretenimento.
Musicalmente, o rock ficou mais “burocrático”, muito por conta dos excessos do
virtuosismo do rock progressivo, afastando o rock da simplicidade que possuía
quando surgiu nos anos 1950.
A recessão econômica inglesa e a mercantilização do rock, foram
alguns dos fatores determinantes para o surgimento de um dos mais importantes e
renovadores movimentos da história do rock: o punk rock. Os grandes
responsáveis por detonar a explosão punk no reino da Rainha Elizabeth II foram
quatro garotos desbocados e cheios de atitude: os Sex Pistols. E o detonador
dos Pistols tinha forma de álbum: Never Mind The Bollocks, Here's The Sex
Pistols. Seu impacto foi tão devastador que depois dele, o rock nunca
mais seria o mesmo.
O início
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Malcolm McLaren e Vivianne Westwood. |
Mas até chegar à explosão punk detonada pelo álbum dos Pistols que
abalou as estruturas do rock, é preciso voltar no tempo e entender como tudo
começou. Após uma temporada de cerca de três anos em Nova York, onde trabalhara
como empresário da banda New York Dolls, Malcolm McLaren estava de volta a
Londres em 1974. A experiência como empresário dos Dolls foi um fracasso (assim
como a banda que havia acabado), porém foi proveitosa para McLaren por ter tido
contado com a efervescente cena alternativa nova-iorquina, onde viu os
primeiros passos dos Ramones, Patti Smith, Television, Richard Hell &
Voidoids entre outros. Retornou para Londres com a bagagem cheia de ideias.
Na capital britânica, com a namorada e sócia, a estilista Vivianne
Westwood, McLaren abre a Sex, loja dedicada a figurinos com
inspiração em perversão sexual, camisetas rasgadas e riscadas a mão, ou
trazendo ilustrações de cunho pornográfico ou político. Não era a primeira vez
que o casal abria uma loja. Antes da temporada em Nova York, o casal tinha uma
loja de roupas, a Let It Rock, focada na estética teddy boy.
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Sex: a loja de Malcolm McLaren e Vivianne Westwood. |
A Sex era frequentada
por gente estranha, esquisita e com índole não muito confiável. Dentre os
frequentadores estavam os jovens Steve Jones, Paul Cook e Glen Matlock, guitarrista,
baterista e baixista respectivamente, e que já tocavam juntos numa banda de
rock havia algum tempo. McLaren decide apostar na banda dos garotos, porém
fazendo algumas reformulações. Dispensa o vocalista Wally Nightingale, e
procura alguém com um perfil mais transgressor. McLaren apresenta para Jones e
Cook, um sujeito de cabelos coloridos e espetados, e que costumava andar com
uma camisa com a inscrição “I Hate Pink Floyd” (“Eu Odeio Pink Floyd”), seu
nome: John Lydon. Foi logo aprovado ao fazer um teste cantando (mais berrando
do que cantando), acompanhado de um jukebox. Por causa dos dentes estragados e
das espinhas no rosto, foi rebatizado como Johnny Rotten (“Joãozinho Podre”).
Sob o nome Sex Pistols, a banda em pouco tempo já estava no circuito
alternativo londrino arrebanhando um séquito de fãs que se identificava com a
banda e estava inconformado com a realidade do rock da época. O som simples,
barulhento, sujo, curto, direto e tecnicamente limitado, acabou propagando o
movimento punk e inspirando jovens a formarem suas próprias bandas de rock,
dentre elas a The Damned e The Clash.
Contratos com gravadoras
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Single de “Anarcky In The UK”, lançado em outubro de 1976. |
Em outubro de 1976, os Sex Pistols assinam com a toda poderosa
gravadora EMI. No mês seguinte era lançado o single “Anarcky In The UK”,
pregando o caos e um futuro pessimista. Apesar de banido das rádios, o single
vende bem. Em dezembro de 1976, os Pistols provocam o primeiro grande escândalo
da banda ao proferirem uma sucessão de palavrões num programa da TV inglesa,
algo que nunca havia acontecido até então. Sob muita pressão, a EMI acabou
dispensando os Sex Pistols no mês seguinte, pagando uma quantia de 40 mil
libras à banda como indenização.
Em fevereiro de 1977, Glen Matlock e Johnny Rotten entram em rota
de colisão, e o baixista acaba deixando os Pistols. Supostamente, o motivo
seria o fato dele ser fã dos Beatles. Em seu lugar entra um amigo de Rotten,
Sid Vicious. No mês seguinte, em março, a banda assinava contrato com uma nova
gravadora, desta vez a A&M Records, bem em frente ao Palácio Buckingham.
Logo inicia as gravações do seu primeiro álbum, sob a produção de Chris Thomas.
No entanto, dias depois, a A&M muda de ideia – talvez por receio de ter
contratado um “problema” - desiste dos Pistols e paga a eles um valor de 75 mil
libras de multa contratual.
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Glen Matlock (segundo da esquerda para a direita): expulso por gostar dos Beatles. |
Dois meses depois, são contratados pela Virgin Records. Mesmo
tendo sido dispensada pela A&M, a banda prosseguia com as gravações do seu
primeiro álbum, que agora sairia através de
da Virgin. Devido às limitações de Sid Vicious como baixista, se cogitou
a possibilidade de contratar Glen Matlock para gravar as linhas de baixo, mas a
ideia foi descartada. Guitarrista, Steve Jones acabou acumulando a função de
baixista nas gravações. Jones ainda gravou várias overdubs de guitarras, criando camadas de guitarra que deram mais
peso ao som das músicas. Quanto a Sid Vicious, este só gravou baixo apenas em
uma música, em “Bodies”.
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Rainha Elizabeth II: alvo de críticas e de deboche dos Sex Pistols. |
No intuito de gerar mais polêmica e publicidade para os Sex
Pistols, Michael McLaren arma um plano. No dia das comemorações do Jubileu de
Prata da rainha, McLaren embarca os Pistols e mais alguns convidados num
passeio de barco no Rio Tâmisa ao som de "God Save The Queen",
executado em alto volume pelo quarteto, nas proximidades do Parlamento e da
Catedral de Westminster, onde estava acontecendo os festejos. A polícia
apareceu, prendeu todo mundo, mas rendeu aos Sex Pistols manchetes nos jornais
britânicos no dia seguinte. O marketing de McLaren funcionou. Nos meses
seguintes, são lançados os singles de “Pretty Vacant” (em julho) e
“Hollydays In The Sun” (em outubro).
“Hollydays In The Sun” (em outubro).
O álbum
Finalmente, em 28 de outubro de 1977, chega às lojas o tão aguardado álbum de estreia dos Sex Pistols. Como não poderia ser diferente, o lançamento do álbum começou causando polêmica já na capa com o título, Never Mind The Bollocks, Here's The Sex Pistols, ou “Esqueçam os Escrotos, Aqui Estão Os Sex Pistols”. A expressão “Bollocks” (“escrotos”) chocou os mais conservadores, o que fez a polícia apreender material publicitário do álbum exposto na vitrine das lojas discos da Virgin Records. Porém, a banda ganhou na Justiça o direito de usar publicamente o título do álbum com a expressão tida como “indecente”.
Do início ao fim, Never Mind The Bollocks, Here's The Sex
Pistols é uma sucessão de faixas carregadas de fúria e raiva. O álbum
abre com a faixa “Holidays In The Sun”, cuja introdução lembra uma marcha como
se fosse uma convocação para o ouvinte ingressar na revolução punk que se
iniciara. A faixa seguinte, “Bodies”, é sobre uma garota que fez um aborto
bizarro. Egoísmo, insensibilidade e indiferença são temas presentes em “No
Feelings”, enquanto que “Liar” trata sobre mentira e falsidade.
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Vitrine da loja da Virgin Records com os cartazes promocionais do álbum de Never Mind The Bollocks, Here's The Sex Pistols. |
“God Save The Queen” é uma crítica ao sistema monárquico britânico, reflete uma profunda descrença da banda com a realidade social e econômica do Reino Unido naquele momento, e traz verso duros, ofensivos e certeiros contra a Rainha Elizabeth II: “Deus salve a Rainha / Seu regime fascista fez você uma imbecil”. O título da música é uma referência jocosa ao hino nacional britânico. O single de “God Save The Queen” teria sido lançado propositalmente dias antes das comemorações do Jubileu de Prata do reinado da Rainha Elizabeth II.
Fechando lado A, “Problems”. Assim como boa parte das faixas do
álbum, “Problems” é cheia de riffs e camadas de guitarras, o que comprova na
prática que Steve Jones gravou vários overdubs
de guitarras, dando às músicas mais peso e agressividade.
“Seventeen” abre o lado B
do álbum, e nessa faixa, Rotten canta aos berros e com muita raiva sobre a
maturidade. Lançada como single em novembro de 1976 pela EMI, “Anarchy In Uk” foi
incluída no álbum, e é mais uma demonstração de insatisfação e revolta dos
Pistols com a estagnação em que se encontrava o Reino Unido, e traz versos
anárquico e rebelde como “Eu sou um anticristo / Eu sou um anarquista / Não sei
o que quero, mas sei como conseguir...”. Enquanto a filosofia hippie pregava o
“paz e amor” para mudar o mundo, o punk acreditava que a mudança tinha quer vir
na “marra”, na raiva, e isso está refletido em “Anarchy In Uk”. “Submission” é
a faixa mais “lenta” do álbum, e onde Rotten se mostra menos raivoso.
“Pretty Vacant” e “New York” são marcadas por sobreposições de
guitarras que deram a essas músicas muita “musculatura” sonora. Última faixa de Never Mind The Bollocks, Here's
The Sex Pistols, “EMI” é uma cutucada bem debochada na gravadora EMI que
havia despensado os Sex Pistols após a polêmica dos palavrões ditos pela banda
num programa de TV.
O começo do fim
Após o lançamento do álbum, os Sex Pistols partiram para uma turnê
na Holanda, e sem seguida, no Reino Unido, porém, tiveram alguns shows
cancelados por causa da má fama de arruaceiros que os membros da banda tinham.
Em janeiro de 1978, começaram uma mal sucedida turnê de duas
semanas pelos Estados Unidos, marcada por muitas confusões, brigas com fãs,
farras e uma tentativa de suicídio de Sid Vicious. A situação se mostrou
insustentável na banda, a relação entre Malcolm McLaren e Johnny Rotten era a
pior possível, o que fez o vocalista deixar a banda no fim da turnê
norte-americana, após um show em San Francisco em meados de janeiro de 1978.
Enquanto Rotten retorna para a Inglaterra, Cook e Jones voam para o Brasil para
se encontrarem com o famoso ladrão do trem pagador inglês Ronald Biggs, que
estava morando no Rio de Janeiro, e onde iriam gravar cenas para o filme The Great Rock’n’Roll Swindle, de Julien
Temple.
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Sid Vicious e Nancy Spungen: romance que terminou em tragédia. |
Durante o ano de 1979, enquanto Johnny Rotten, agora assumindo
como artista o seu nome de batismo, John Lydon, e inicia o seu novo projeto, a
banda Public Image Limited, são lançados
singles inéditos dos Pistols. As gravações do filme The Great Rock’n’Roll Swindle são prosseguidas. O filme foi lançado
em 1980.
O legado do álbum
Apesar de terem durado pouco mais de dois anos, os Sex Pistols
causaram um impacto transformador na história do rock com o seu único álbum, Never
Mind The Bollocks, Here's The Sex Pistols. A banda e seu trabalho
abriram novas possibilidades para o rock, abrindo espaço para novas bandas e
cantores que seguiram a filosofia punk do “do it you self” (“Faça você mesmo”).
Cada jovem, incentivado pelos Pistols, motivou-se a montar a sua banda, com
instrumentos de segunda mão, pouca técnica musical, mas muitas ideias na cabeça
e muita fúria para externar.
A revolução punk criou uma nova ordem no rock no final dos anos
1970, e seus princípios permitiram outros desdobramentos como surgimento de
novos segmentos musicias (gótico, new romantic, new pop, industrial...), novas
bandas e artistas (Joy Division, Killing Joke, U2, Echo & The Bunnymen, The
Cure, Siouxsie & The Banshees...) e novas possibilidades de divulgação dos
artistas e dos seus trabalhos (fanzines e selos independentes), tudo isso
influenciado pela força transgressora e transformadora do punk rock. Lógico que o punk, assim como qualquer
tendência comportamental e artística, foi absorvido pela indústria do
entretenimento, mas deixou o seu legado, deixou a sua marca, e influenciaria
outras tantas tendências como a new wave, o grunge e o pop punk. Mas nada disso
aconteceria sem a ousadia e a petulância de Never Mind The Bollocks, Here's
The Sex Pistols.
Faixas
Lado A
- "Holidays in the Sun" (Paul Cook – Steve Jones – Johnny Rotten – Sid Vicious)
- "Bodies" (Paul Cook – Steve Jones – Johnny Rotten – Sid Vicious)
- "No Feelings"
- "Liar"
- "God Save the Queen"
- "Problems"
Lado B
- "Seventeen"
- "Anarchy In The U.K."
- "Submission"
- "Pretty Vacant"
- "New York"
- "E.M.I."
Todas as
faixas são de autoria de Steve Jones , Glen Matlock , Paul Cook e Johnny
Rotten, exceto as indicadas.
Sex Pistols: Johnny Rotten (vocais), Steve Jones (guitarra,
baixo e backing vocals), Sid Vicious
(baixo em "Bodies"), Glen Matlock (baixo em "Anarchy In The
UK") e Paul Cook (bateria).
Ouça na íntegra o álbum Never Mind
The Bollocks, Here's The Sex Pistols
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