10 discos essenciais: Ney Matogrosso



Por Sidney Falcão

Ao longo de cinco décadas Ney Matogrosso construiu uma carreira artística vitoriosa, marcada por transgressões, inúmeras turnês e uma longa discografia. Sempre foi um artista que primou pela qualidade do seu trabalho, desde o cuidado com o figurino à iluminação dos palcos, passando pelo repertório dos seus discos e apresentações.

Ney cravou seu nome na história da música brasileira não apenas pela sua voz marcante e pelo seu talento, mas também pela sua postura transgressora, ao ter a coragem de enfrentar o preconceito contra a homossexualidade, orientação sexual que ele assumiu ainda muito jovem, aos 17 anos. No início da carreira, quando integrava os Secos & Molhados, Ney foi pop star com um visual andrógino, maquiado e cantando com uma voz aguda quase feminina, numa época em que o Brasil estava mergulhado numa ditadura militar.

Filho de pai militar e mãe dona de casa, Ney de Souza Pereira nasceu em 01º de agosto de 1941, em Bela Vista, no Mato Grosso do Sul. A carreira musical começou tardia, em 1971, quando aos 30 anos, foi convidado para integrar o conjunto Secos & Molhados. Entre 1973 e 1974, o conjunto lançou dois discos e se tornou um dos maiores fenômenos da música brasileira, graças ao visual andrógino que chocou os conservadores e às músicas de alta qualidade que misturava rock, folk music e música portuguesa, e letras de uma rica sensibilidade poética. Após um sucesso avassalador, o grupo acabou em 1974.

Em 1975, Ney Matogrosso lançou o seu primeiro disco solo, Água do Céu – Pássaro, e prosseguiu com o visual andrógino consagrado com os Secos & Molhados. No ano seguinte, emplacou o primeiro grande sucesso de carreira solo, “Bandido Corazón”, canção do seu segundo álbum solo Bandido. Faixa do álbum Feitiço (1978), “Não Existe Pecado Ao Sul do Equador” vira tema de abertura da novela Pecado Rasgado, exibido pela TV Globo, em 1978, e tem boa execução nas rádios. Através do álbum Seu Tipo, de 1979, Ney se apresenta pela primeira vez sem maquiagem e sem fantasia.

Ney conquista disco de ouro em 1981 com o disco Ney Matogrosso, graças ao estouro da música “Homem com H” nas paradas de sucesso. Dois anos depois, “Telma, Eu Não Sou Gay”, música em que Ney é acompanhado pelo grupo João Penca & Seus Miquinhos Amestrados, é uma das mais tocadas do ano no Brasil. Em 1985, Ney abre a primeira edição do Festival Rock in Rio, no Rio de Janeiro. Acompanhado de um conjunto formado por músicos notáveis, Ney lança em 1987 o seu primeiro disco gravado ao vivo, o elogiado Pescador de Pérolas.

Durante a década de 1990, lançou uma série de discos dedicados a intérpretes ou compositores consagrados como Ângela Maria (Estava Escrito, 1994), Chico Buarque (Um Brasileiro, 1996), Antônio Carlos Jobim e Heitor Villa-Lobos (O Cair da Tarde,1997) e Cartola (Ney Matogrosso interpreta Cartola, 2002). Em parceria com a banda Pedro Luiz & A Parede, Ney lançou em 2004 o disco Vagabundo, que deu origem a uma turnê que resultou no disco e num DVD gravados ao vivo. Na 28ª edição do Prêmio da Música Brasileira, em 2017, Ney foi o artista homenageado. Lança em 2019, o álbum Bloco na Rua, que contou com uma turnê nacional. Em 2021, em comemoração aos 80 anos de idade do cantor e 50 anos de carreira, foi lançado o EP Nu Com Minha Música e o livro Ney Matogrosso, a Biografia, de Júlio Maria, pela editora Companhia das Letras.

Abaixo, confira dez discos essenciais da discografia de Ney Matogrosso.


Água do Céu – Pássaro (Continental, 1975). Também conhecido como Homem de Neanderthal, este é o primeiro álbum solo de Ney Matogrosso. É um trabalho que tem uma inclinação para o experimentalismo, o que talvez explique a sua pouca aceitação popular na época de seu lançamento. Mesmo assim, duas faixas do álbum chegaram a ter alguma visibilidade, “América do Sul” e “Coubanakan”.




Bandido (Continental, 1976). Para este segundo disco solo de Ney, a estrela do rock brasileiro, Rita Lee, compôs especialmente “Bandido Corazón”, uma canção pop com inspiração na música caribenha que se tornou o primeiro grande sucesso da carreira solo do ex-Secos & Molhados. O disco traz uma releitura de “Mulheres de Atenas” (de Chico Buarque), além de “Gaivota” (de Gilberto Gil) e a maliciosa “Trepa no Coqueiro” (de Ary Kerner).




Feitiço (Warner, 1978). Este álbum marca a estreia de Ney Matogrosso na Warner, gravadora recém-instalada no Brasil na época. Feitiço gerou polêmica por causa da foto da parte interna da capa dupla, onde Ney Matogrosso aparece deitado e nu, numa pose provocante e cercado de flores. O grande sucesso do álbum foi “Não Existe Pecado Ao Sul do Equador” (de Chico Buarque), que com sua levada em ritmo de disco music, foi tema de abertura da novela Pecado Rasgado, da TV Globo, em 1978, e que ajudou a impulsionar as vendas de Feitiço. Destaque também para as faixas “Bandolero”, “Mal Necessário” e a regravação de “Tic-Tac do Meu Coração”, originalmente gravada por Carmem Miranda em 1935.


Seu Tipo (Warner, 1979). Neste álbum, Ney abandonou pela primeira vez a maquiagem e a fantasia. A música que virou sucesso nas rádios foi a faixa-título. “Encantado”, versada para o português por Caetano Veloso a partir de “Nature Boy”, gravada originalmente por Nat King Cole, traz nos seus versos uma conotação homossexual. O disco contém também canções de gente consagrada como Tom Jobim (“Falando de Amor”), como também de artistas que estavam em início de carreira como Joyce (“Ardente”) e Fátima Guedes (“Dor Medonha”). Ney faz uma visita ao passado glorioso na regravação de “Rosa de Hiroshima”, grande sucesso do seu ex-conjunto.


Ney Matogrosso (Barclay/Ariola, 1981). Ney inicia a nova década numa nova gravadora, a Ariola, e o seu primeiro trabalho pela companhia foi este álbum que leva o seu nome, que contou com os arranjos sofisticados de César Camargo Mariano e Lincoln Olivetti. Puxado pelo sucesso do forró irreverente “Homem com H”, que estourou nas rádios de todo o Brasil, o álbum conquistou o disco de ouro. Outras faixas que também fizeram sucesso radiofônico foram “Amor Objeto” e “Vida,Vida”, esta última tema de abertura da novela Jogo da Vida, exibida pela TV Globo em 1981.



Mato Grosso (Barclay / Ariola, 1982). Este álbum repete a “fórmula” musical que deu certo no disco anterior. Na linha forrozeira de “Homem com H”, Ney gravou para este álbum “Por Debaixo dos Panos”, uma crítica bem humorada, mas relevante sobre corrupção no Brasil. A faixa “Promessas Demais” foi outra do disco que também ficou conhecida, muito por conta de ter sido tema abertura da primeira versão da novela Paraíso, exibida pela TV Globo em 1982. O destaque deste disco fica para o bolero pop “Tanto Amar”, composta por Chico Buarque, que embora tenha sido gravada antes pelo próprio autor, em 1981, ganhou no entanto uma versão definitiva com a voz de Ney Matogrosso.


... Pois É (Barclay/Ariola,1983). Nono álbum da carreira de Ney, ... Pois É abre em ritmo comemorativo aos dez anos do estouro de Ney com os Secos & Molhados, através de um pout-pourri com os primeiros sucessos da carreira solo do cantor. O disco traz uma versão na voz de Ney para “Pro Dia Nascer Feliz”, do Barão Vermelho, o que ajudou a banda carioca a ficar conhecida perante o grande público. A faixa “Calúnias” (“Telma, Eu Não Sou Gay”), versão hilária de “Tell Me Once Again, do Light Reflections, com Ney acompanhado da banda João Penca & Seus Miquinhos Amestrados, foi uma imposição da gravadora, que mesmo contrariando Ney. A música caiu no gosto do público, mas anos mais tarde, quando álbum foi relançado em formato CD, ela foi excluída.


Pescador de Pérolas (CBS, 1987). Em 1986, Ney iniciou um espetáculo em que ele novamente se apresenta sem maquiagem e sem fantasias extravagante, optando por um traje mais sóbrio, e adota uma performance de palco mais discreta conforme era o perfil do projeto. Para acompanha-lo nas apresentações, Ney convidou um time pequeno de músicos, mais formado apenas por nomes notáveis da música brasileira: o pianista Arthur Moreira Lima, o saxofonista Paulo Moura (1932-2010), o violonista Raphal Rabello (1962-1995) e o percussionista Chacal. O espetáculo fez um sucesso tão grande que gerou este álbum gravado ao vivo, o primeiro da carreira de Ney. O repertório é sublime, e faz jus ao título do disco, que contém pérolas da música brasileira como “O Mundo É Um Moinho” (de Cartola), “Tristeza do Jeca” (Herivelton Martins – Marino Pinto) e “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso).


Um Brasileiro (Polygram, 1996). Álbum gravado por Ney apenas com canções compostas por Chico Buarque, como “Construção”, “Roda Viva”, “Almanaque” e “A Banda”. Gravada por Ney em 1978, “Não Existe Pecado Ao Sul do Equador” é revisitada pelo mesmo cantor, mas desta vez com uma versão mais caribenha e com alguns versos alterados. “Até O Fim”, dueto de Ney com Chico Buarque, tocou bastante nas programações de rádio na época.








Ney Matogrosso Interpreta Cartola
(Universal Music, 2002). Dando continuidade à série de álbuns dedicados a intérpretes e compositores que marcaram a música brasileira, em 2002, foi a vez de Ney homenagear Cartola (1908-1980), regravando alguns dos clássicos de autoria do mestre do samba como “O Sol Nascerá (A Sorrir)”, “As Rosas Não Falam”, “Peito Vazio” e “Cordas de Aço”. As canções ganharam arranjos mais simples e intimistas, que valorizam as letras das canções e a própria voz de Ney como intérprete. A turnê do álbum foi tão bem sucedida que gerou um disco e um DVD gravados ao vivo, intitulados Ney Matogrosso Interpreta Cartola Ao Vivo, lançados em 2003. 

Comentários

  1. O verso,''Vamos fazer um pecado safado debaixo do meu cobertor'' foi vetado pela Censura Federal,o Ney quando regravou resgatou a letra original.

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  2. Ney Matogrosso dispensa apresentação! Ele é um luxo, um privilégio do Brasil! O álbum "Feitiço" é uma obra de arte! Todas as reverências lhe são devidas! Palmas para o Ney!!!!!!

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