“Bernie Lyon” (Barclay, 1980), Bernie Lyon

Por Sidney Falcão

O reggae chegou ao final dos anos 1970 como um ritmo musical consagrado mundialmente. Através dos seus três grandes ícones, Bob Marley, Jimmy Cliff e Peter Tosh, o ritmo jamaicano não só estava consagrado como também já exercia influência na música pop internacional. Artistas de outros gêneros musicais e tendências, absorveram referências do reggae e as aplicaram em seus trabalhos. De The Clash e The Police na Inglaterra a Gilberto Gil e A Cor do Som no Brasil, todos eles de alguma forma sofreram influência do ritmo nascido na Jamaica. Em terras brasileiras, o reggae encontrou um “solo musical” fértil para se expandir e conquistar o gosto popular, principalmente em Salvador e São Luís, duas capitais brasileiras com uma grande população negra que se identificou instantaneamente com o reggae.

O imenso sucesso de gigantes como Bob Marley, Jimmy Cliff e Peter Tosh, abriu caminho para outros artistas do reggae, dentre eles um certo Bernie Lyon. Embora nem de longe tivesse alcançado a fama e relevância dos três ídolos jamaicanos, Bernie Lyon conquistou uma popularidade mais modestas, porém significativa em 1980 com um álbum que lançou naquele ano e que levava o seu nome. Bernie Lyon, o álbum, trazia duas faixas que deram projeção ao cantor, “Hell” e um cover em versão reggae de “Eleanor Rigby”, dos Beatles.

Bernie alcançou um relativo sucesso na Europa e na América do Sul, sobretudo no Brasil, onde foi bastante popular entre os fãs de reggae no Nordeste, graças às músicas dançantes muito bem arranjados e ao seu estilo de cantar que parecia a de um cantor de soul music. Mas afinal de contas, quem era esse artista com vozeirão de cantor negro americano cantando música jamaicana?

Nem americano e nem jamaicano. Filho de pais imigrantes da Martinica, Bernie Lyon nasceu em Paris, na França, e seu nome de batismo é Bernard Ancinon. Começou a carreira artística em 1965 como vocalista e guitarrista numa banda de rock na França chamada Les Pollux, bem ao estilo dos Beatles. Após o fim dos Les Pollux, deu prosseguimento à sua carreira, desta vez sob o nome artístico de Brian Burd, e tendo como banda de acompanhamento a The Black Sabbath. Só que esta banda nada tinha a ver com o Black Sabbath de Ozzy Osbourne. Nessa fase, que durou até 1971, gravou singles e álbuns com canções que iam do rock ao soul, algumas delas, covers de clássicos desses gêneros musicais. Durante os anos 1970, o cantor francês teve experiências com estilos musicais caribenhos.

Bernard Ancinon (primeiro da esquerda para a direita) no início da carreira como
membro dos Les Pollux na década de 1960. No final dos anos 1970,
em carreira solo solo, assumiu Bernie Lyon como seu nome artístico.

Em 1979, Bernard Ancinon assume Bernie Lyon como seu novo e definitivo nome artístico, e direciona o seu trabalho musical para o reggae, mas sem abrir mão do seu estilo soul music de cantar. Naquele ano, através da gravadora francesa Barclay, lança o single com a versão reggae de “Elanor Rigby”, dos Beatles. O lado B, trazia a canção “Babylon Is Not A Dream”. A versão reggae que gravou com o clássico dos Beatles, fez sucesso, e logo surgiu a oportunidade de gravar um álbum completo.

As gravações do álbum ocorreram nos estúdios Matrix, em Londres, na Inglaterra, sob o comando do produtor francês Jean Fredenucci. Para acompanha-lo nas sessões de gravação, Bernie Lyon cercou-se de músicos de alto nível, dentre os quais o tecladista francês descendente de beninenses Wally Badarou, responsável também, ao lado de Bernie, pelos arranjos de todas as faixas. Badarou trabalhou mais tarde como produtor e arranjador em discos de vários artistas como Marianne Faithfull, Grace Jones, Level 42, Eric Clapton, Fela Kuti e o brasileiro Carlinhos Brown, do qual foi um dos produtores do álbum Alfagamabetizado (1996). Outro nome destacado entre os músicos escalados para as gravações foi o baixista camaronês Vicky Edimo, que embora jovem na época, já acumulava no currículo trabalhos com artistas importantes dentre os quais Johnny Hallyday, Claude François, Manu Dibango, Gibson Brothers entre outros.

Com Bernie Lyon, o tecladista Wally Badarou (foto),
criou os arranjos de todas as faixas do álbum.

Bernie Lyon, o álbum, foi lançado em alguns países com algumas alterações. Na Espanha, embora tivesse a ordem das faixas igual às edições de outros países europeus, o álbum foi lançado com capa diferente e com o título Reggae e o nome do cantor. No Brasil, além de ter sido lançado com outra capa e também com o título Reggae, houve uma alteração na ordem das faixas. “Eleanor Rigby”, que na edição europeia era a última faixa do disco, na edição brasileira foi colocada como faixa de abertura do álbum, enquanto “The Last Train”, que na edição europeia é a terceira faixa do lado 1, na edição brasileira é a última do álbum.

A resenha aqui optou em seguir a ordem e a capa da edição original europeia, mais precisamente a francesa, já que o artista e a gravadora são franceses. O álbum começa com “Lust For Gold”, um reggae de ritmo rápido em que os teclados executados por Wally Badarou se destacam, o que não é muito diferente nas outras faixas do álbum.

“Hell”, a faixa seguinte, foi o grande sucesso do álbum e que tornou Bernie Lyon conhecido em alguns países. É um reggae que segue bem ao estilo tradicional da escola jamaicana. Bernie solta a sua voz marcada pelas influências da soul music, e é acompanhado por vocais de apoio femininos muito bem harmonizadas. Fechando o lado 1 do álbum, o som dançante de “The Last Train” e “White Fish”, esta última com bom desempenho dos teclados executados por Wally Badarou, com direito às inserções de órgão Hammond.

Abrindo o lado 2 do álbum, “Crazy Destruction”, reggae com uma linha de baixo bem marcada e robusta. “Your Word Is Fine”, faixa que tem um dos melhores arranjos de teclados do álbum, traz Bernie Lyon empregando todo o seu potencial de cantor soul num reggae, e é muito bem acompanhando pelo coro feminino fazendo os vocais de apoio.

“Eleanor Rigby”, que já havia sido lançada como single um ano antes, é quem encerra o álbum. A regravação de um sucesso dos Beatles numa versão reggae ficou sensacional. Bernie canta à vontade, combinando as vocalizações soul music com a levada rítmica do reggae. Merecem destaque as harmonizações do coro masculino que assim como Bernie, também são carregadas de referenciais da soul music.

Apesar de não ter se tornado uma grande expressão do reggae mundial, Bernie Lyon conseguiu alguma popularidade no gênero através deste seu homônimo álbum. “Hell” foi sem dúvida a canção de maior sucesso na sua experiência com o reggae, tanto na Europa quanto na América do Sul. No Brasil, “Hell” se tornou um grande sucesso radiofônico em 1980, assim como a sua regravação de “Eleanor Rigby”.

No álbum seguinte, I’m Living In The Sunshine, de 1981, Bernie prosseguiu com a sua experiência no reggae, porém, experimentando ainda mais com a soul music e o R&B, e acrescentado mais naipe de metais. Durante os anos 1980, Bernie Lyon cada vez mais orientou a sua carreira para um estilo mais voltado para a música negra americana, e se afastando do reggae. Atualmente, pouco ou nada se sabe da carreira artística de Bernie Lyon, as informações são bastante escassas.

Faixas

Lado 1

1. “Lust For Gold” (B.Bergman-B.Ancinon)
2. “Hell” (B.Bergman-C.Righi)
3. “The Last Train” (B.Bergman-B.Ancinon)
4. “White Fish” (B.Bergman-B.Ancinon)

Lado 2

1. “Crazy Destruction” (D.Fairstein-B.Ancinon)
2. “Your World Is Fine” (D.Fairstein-B.Ancinon)
3. “Eleanor Rigby” (Lennon-McCartney)

"Lust For Gold"

“Hell” 

“The Last Train” 

“White Fish” 

“Crazy Destruction” 

“Your World Is Fine” 

“Eleanor Rigby”