10 discos essenciais: Soft rock


Por Sidney Falcão

No começo dos anos 1970, John Lennon (1940-1980) proferiu uma frase que retratou muito bem aquele início de década: “o sonho acabou”. Os Beatles haviam acabado, Janis Joplin (1943-1970), Jim Hendrix (1942-1970) e Jim Morrison (1943-1971) haviam morrido, e com eles se foram todo o sonho e a utopia hippie juntamente com o fim dos anos 1960. Era hora de desarmar as barracas, raspar a barba, cortas os cabelos, e encarar a dureza da realidade trazida com a nova década que chegava. Àquelas alturas, quem vivenciou a juventude nos loucos anos 1960, havia chegado ou estava para chegar à faixa dos trinta anos, estava procurando emprego, dando um novo rumo na vida, estava casando e formando família. 

Com essas transformações na vida pessoal daquelas pessoas, até o gosto musical sofreu alguma alteração. Quem passou a juventude ouvindo rock na década anterior e chegou à maturidade naquele início de anos 1970, queria, no entanto, distância do peso e da agressividade do hard rock que estava em ascensão. Buscava algo mais suave, mais sossegado, mas que tivesse a identidade roqueira. Nesse aspecto, uma nova vertente do rock atendia as necessidades daquele público jovem adulto: o soft rock. 

Caracterizado pela sonoridade suave, leve, de melodia agradável e harmonias exuberantes, o soft rock trazia canções muito bem produzidas, bem “polidas”, sob medida para agradar e entreter o ouvinte. As letras geralmente são introspectivas, otimistas, românticas, de linguagem simples, desprovidas de rebeldia e engajamento político. 

O termo “soft rock” começou a ser aplicado ainda no final nos anos 1960 para classificar artistas e bandas de rock que tinham uma inclinação para o pop e o folk, em contraponto ao peso e agressividade sonora de bandas como The Who e The Kinks, ou mais voltadas para o blues rock como Cream, The Jim Hendrix Experience e Iron Butterfly. 

Os Carpenters, dupla formada pelos irmãos Richard e Karen Carpenter (1950-1983), foram os primeiros grandes ídolos de soft rock naquele início de anos 1970. A dupla dominou as paradas de rádio na primeira metade dos anos 1970 e seus discos venderam milhões de cópias em todo o mundo. A década de 1970 foi o ápice do soft rock, que viu vários artistas do estilo despontarem para o sucesso como a banda Bread, Gilbert O’Sullivan, Carly Simon, Al Stewart, Seal & Croft entre outros. Caroly King se torna um fenômeno fonográfico com Tapestry (1971), que se torna o álbum mais vendido em todos os tempos até então. 

Em 1977, o Fleetwood Mac se consagra com o álbum Rumours que bate recordes de vendas e consolida o processo de reorientação musical da banda, que começou no blues nos anos 1960 e durante os anos 1970 se direcionou para o soft rock. No mesmo ano, as rádios FM dos Estados Unidos mudaram a sua programação musical para o soft rock e AOR, e isso irá definir o padrão das rádios FM dos próximos anos. 

Com a chegada dos anos 1980, apesar da ascensão da new wave e da MTV nos Estados Unidos, o soft rock seguiu vivo através de artistas como Christopher Cross, Sheena Easton, Gino Vanelli, Toto entre outros. Ainda nos anos 1980, foi criado um termo mais abrangente para o soft rock, o “adult contemporany” (“adulto contemporâneo”), um “rótulo” adotado por alguns programadores de rádio para enfiar num mesmo “balaio” artistas de pop rock, soft rock ou música pop com uma temática musical mais madura. Nos anos 2000, criaram um termo novo para se referir ao soft rock, o yatch rock. 

O soft rock sobreviveu nas últimas décadas sofrendo influências de novas referências, inclusive do rock alternativo. Artistas das gerações mais recentes como James Blunt, Jack Johnson, Ed Sheeran, John Mayer e Harry Styles empregaram em seus trabalhos referências do soft rock, ajudando o estilo a se manter vivo. 

Abaixo, confira 10 discos essenciais para entender o soft rock. 

Tapestry (Ode,1971), Carole King. Durante toda a década de 1960, Carole King e o seu então marido, Gerry Goffin (1939-2014), trabalharam juntos compondo canções para os mais diversos artistas e que alcançaram grande sucesso. Após o fim do seu casamento com Goffin, por volta de 1968, Carole decidiu encarar o desafio dela mesma gravar as suas próprias canções. Para isso, contou com o apoio do amigo James Taylor. Em 1970, Carole lançou o seu primeiro álbum solo, Writer, que teve uma repercussão bem modesta. Mas foi com o trabalho seguinte, o elogiadíssimo Tapestry, que Carole King ganhou grande projeção. Em Tapestry, ela regravou duas canções da época em que compunha com Gerry Goffin, mas originalmente gravadas por outras artistas como “(You Make Me Feel Like) A Natural Woman” (por Aretha Franklin) e “Will You Love Me Tomorrow” (por The Shirelles). Mas o álbum trouxe canções inéditas até aquele momento como “It’s Too Late”(canção sobre o fim do casamento de Carole com Goffin) e “You’ve Got A Friend”, que curiosamente foi gravada por James Taylor para o seu álbum Mud Slide Slim and the Blue Horizon, lançado no mesmo período em que Carole gravava a sua versão. Tapestry vendeu mais de 30 milhões de cópias em todo o mundo e foi responsável por influenciar uma nova geração de cantoras-compositoras durante a década de 1970.  

A Song For You
(A&M, 1972), Carpenters.
Os irmãos Richard e Karen Carpenter (1950-1983) desfrutavam de uma imensa popularidade na primeira metade dos anos 1970. Nos Estados Unidos, a imagem pueril e saudável da dupla somada às canções melódicas e inofensivas ajudavam a impulsionar as vendas de seus discos. A Song For You veio na sequência do bem sucedido Carpenters (1971) e suas mais de 4 milhões de cópias vendidas no mercado americano. Quarto álbum de estúdio da dupla, 
A Song For You rendeu seis singles: “Bless The Beasts And Children”, “Hurting Each Other”, “It's Going To Take Some Time”, “Goodbye To Love”,”Top Of The World” e “I Won't Last A Day Without You”. Não chegou à marca de vendas do álbum anterior, mas chegou perto, 3 milhões de cópias vendidas e um 4° lugar na da Billboard 200, nos Estados Unidos. 

Red Rose Speedway
(Apple Records, 1973), Paul McCartney & Wings.
Em meados de 1971, Paul montou a banda Wings, e em dezembro, saiu o primeiro álbum do grupo, Wild Life, que não chegou a causar grande repercussão. Mas a situação começou a mudar com o álbum Red Rose Speedway, segundo álbum de estúdio de Paul com os Wings. O álbum foi responsável por definir o padrão pop rock que os Wings adotariam nos álbuns seguintes. A balada romântica “My Love” é a principal faixa do disco, e um dos maiores sucessos da carreira de Paul McCartney.  



Can’t Buy A Thrill (ABC Records, 1972), Steely Dan. Comandado à mão de ferro pela dupla Walter Becker (1950-2017) e Donald Fagen, o Steely Dan já mostra neste seu primeiro trabalho uma preocupação acentuada com os arranjos e a qualidade de gravação. A influência do jazz é presente, mas não tão explícita como nos discos posteriores. Por outro lado, é notável como a banda conseguiu conciliar sofisticação com o apelo radiofônico neste álbum de estreia. As letras, escritas por Donald Fagen e Walter Becker, abordam temas como amores perdidos, vícios e observações sociais. Três dos maiores hits do Steely Dan estão neste álbum, "Do It Again", "Reelin' In The Years" e "Dirty Work".


Year Of The Cat (1976), Al Stewart. Embora tenha começado a sua carreira artística em 1966, aos 21 anos, somente dez anos e sete álbuns depois que Al Stewart alcançou o sucesso comercial mundialmente. O responsável por isso foi o álbum Year Of The Cat, lançado em 1976. A faixa-título fez um estrondoso sucesso nas paradas de rádio. Neste álbum, Stewart prossegue com a sua característica como compositor que é abordar temas envolvendo personagens da História, como em “Lord Grenville”, uma canção sobre o corsário inglês Richard Grenville (1542-1591). Além de “Year Of The Cat”, as faixas “On The Border”, “Broadway Hotel” e “ One Stage Before” também ganharam as rádios em todo o mundo. 


Guilherme Arantes (Som Livre, 1976), Guilherme Arantes. O primeiro e autointulado álbum de Guilherme Arantes. E foi uma estreia com pé direito. O álbum traz o primeiro grande sucesso da carreira de Guilherme, “Meu Mundo E Nada Mais”, uma balada que ele havia composto ainda na adolescência e que fez parte da trilha sonora da primeira versão da novela Anjo Mau, da TV Globo, em 1976. Além de “Meu Mundo E Nada Mais”, o álbum ainda contem outras faixas que viraram hits como “Cuide-se Bem”, “A Cidade E A Neblina” e “Descer A Serra”. Neste seu primeiro álbum, Guilherme fez uma perfeita combinação da sua vocação para música pop com o virtuosismo do rock progressivo. Sorte do público que ganhou um grande astro pop, e azar da sua antiga banda, a Moto Perpétuo: preferiu perder um hitmaker e continuar seguindo os cânones do rock progressivo a aceitar a sua sugestão de praticar uma musicalidade mais acessível e aparecer em programas populares da TV. O tempo mostrou quem tinha razão.    


Rumours (Warner, 1977), Fleetwood Mac. Enquanto a relação conjugal dos então namorados Stevie Nicks e Lindsay Buckingham chegava ao fim, e o casamento da tecladista e vocalista Christine McVie (1943-2022) e do baixista John McVie estavam indo para o ralo. No entanto, a crise conjugal dos casais serviu de combustível para o Fleetwood Mac compor canções que, embora confessionais, se tornaram grandes sucessos e fizeram de Rumours um dos discos mais vendidos de todos os tempos. “Go Your Own Way” trata do fim da relação de Buckingham com Nicks. Por outro lado, Nicks dá a sua versão com “Dreams”. Christine McVie saúda a chegada de um novo amor após o fim do seu casamento com John McVie em “You Make Loving Fun”. Já “Don’t Stop” traz uma mensagem de que, apesar dos pesares, é preciso esquecer o passado e seguir em frente olhando para o futuro.  
 

Christopher Cross (1979), Christopher Cross. O primeiro e autointulado álbum de estreia de Christopher Cross é um típico álbum de soft rock dos anos 1970. Um trabalho composto por canções melódicas e cativantes, de versos românticos e emotivos, produção muito bem cuidada e uma sonoridade polida. A faixa “Sailing” foi um grande sucesso e conquistou o Grammy de “Gravação do Ano”, em 1981. “Ride Like The Wind” é uma canção pop com um arranjo sofisticado, com direito a um solo de guitarra sensacional de Eric Johnson. Outras faixas também se tornaram sucesso radiofônico como “Never Be The Same” e “Say You’ll Be Mine”. Christopher Cross, o álbum, alcançou o 6° lugar na parada da Billboard, nos Estados Unidos. 


Roupa Nova (1982), Roupa Nova. Neste seu segundo álbum de estúdio, o Roupa Nova conseguiu criar uma unidade musical mais coesa do que no seu álbum de estreia, lançado em 1981. Aqui, há uma perfeita relação harmônica entre soft rock, pop rock, rock progressivo e MPB. As faixas “Clarear” e Voo Livre” ganharam as rádios de todo o país, assim como releituras de canções de outros artistas como “Sábado” (Som Imaginário), “Lumiar” (Beto Guedes) e “Tributo Ao Sorriso” (O Terço). Pena que após o grande sucesso da canção “Anjo”, presente no álbum seguinte, lançado em 1983, o Roupa Nova entrou num processo de "cafonização" dos discos posteriores.



Sob Rock (Columbia, 2021), John Mayer. Desde o álbum Continuum (2006), John Mayer já vinha a cada álbum se inclinando para algo mais voltado para o soft rock. Sob Rock, oitavo álbum de estúdio de Mayer, é totalmente influenciado pela musica dos anos 1980, a começar pela capa do álbum. A faixa de abertura,"Last Train Home”, possui timbres de teclados que lembram “Africa”, canção da banda Toto que fez grande sucesso em 1982. O repertório de Sob Rock é todo composto de canções melódicas, agradáveis, grooves dançantes e letras dotadas de romantismo e nostalgia. Sob Rock dividiu opiniões na imprensa. Houve quem elogiasse, mas também quem criticasse, acusando John Mayer de dirigir-se diretamente para um pop sem a menor cerimônia.  

“It’s Too Late", Carole King ” 
(BBC In Concert, ao vivo, 1971)

 “Hurting Each Other” Carpenters ” 
(videoclipe original)

  "My Love", Paul McCartney & The Wings ” 
(videoclipe original)  

"Do It Again", Steely Dan, ” 
(ao vivo, no programa "The Midnight Special", 
TV NBC, fevereiro de 1973) 

"Year Of The Cat", Al Stewart 
(ao vivo no programa "The Old Gray Whistle Test", 
na TV BBC, em 1976) 

"Don't Stop", Fleetwood Mac 
(videoclipe original)

 “Sailing”, Christopher Cross 
(videoclipe original)

"Last Train Home”, John Mayer 
(videoclipe original) 

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