“Tapestry” (Ode Records, 1971), Carole King
Por Sidney Falcão
Foi através
de seu segundo álbum solo, Tapestry, que a norte-americana,
Carole King, teve o seu talento como cantora e compositora reconhecido pelo
público e pela crítica. Pode parecer precoce o reconhecimento do talento de um
jovem artista vir no segundo álbum, mas em se tratando de Carole King, é
diferente. Embora estivesse em seu segundo álbum solo, King já era uma artista
experiente, tanto na vida quando na arte. Beirando os 29 anos de idade quando
lançou Tapestry no início de 1971, King vinha de um divórcio, era mãe
de duas meninas e tinha uma carreira como compositora de pouco mais de 12 anos,
compondo ao lado do seu então marido, Gerry Goffin, canções de sucesso para
dezenas de artistas, verdadeiras gemas pop.
Até chegar
ao multiplatinado e premiado Tapestry, Carole king percorreu um
caminho longo. Filha de pais judeus, Carole King nasceu em 9 de fevereiro de
1942, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Aos quatro anos de idade, aprendeu a
tocar piano com sua mãe. Na
adolescência, nos anos 1950, montou com os amigos a banda Co-sines. Em 1958,
com 16 anos, grava o seu primeiro single, “The Right Girl”, canção composta por
ela mesma.
Pouco
depois, Carole King ingressa na Queen College, onde conhece Gerry Goffin, com o
qual inicia um romance. Carole engravida de Goffin, e os dois se casam, o que
obriga o casal a abandonar a faculdade para trabalhar para sustentar a família
que os dois estavam formando com a chegada do bebê, em 1960. O casal trabalhava
de dia, e à noite, compunha canções para os mais diversos artistas gravarem.
Geralmente Goffin escrevia as letras, King fazia a melodia ao piano.
Goffin e Carole King: de casal de namorados a dupla de compositores de sucesso.
Não demorou muito e ainda em 1960, a primeira canção composta pela dupla Goffin-King a estourar foi “Will You Love Me Tomorrow”, através das Shirelles. Com essa música, as Shirelles foram o primeiro grupo musical formado por negras a chegar ao 1º lugar da parada da Billboard Hot 100, nos Estados Unidos.
Com o sucesso de “Will You Love Me Tomorrow”, o casal passou
a ser bastante requisitado por artistas para fornecer canções para gravar. A
quantidade de canções que produziam e que viravam sucesso era enorme, fazendo
com que Goffin e King deixassem os seus trabalhos diurnos para se dedicarem
exclusivamente às composições de canções. O casal fez parte do chamado grupo
Brill Building, que integrava compositores, músicos e produtores que
trabalhavam num edifício de mesmo nome, em Nova Iorque, criando canções para
bandas, cantores e trilhas sonoras. Gente como Neil Diamond, Burt Bacharach,
Bobby Darin, entre outros faziam parte desse grupo, assim como o casal
Goffin-King.
Até 1967, o casal Goffin-King compôs uma considerável coleção
de canções que se tornaram sucesso na voz dos mais diversos artistas como “Take
Good Care Of My Baby” (com Bobby Vee, em 1961), “The Loco-Motion” (com Little
Eva, em 1962), “Up On The Roof” (com The Drifters, em 1962), “Chains” (com The
Cookis, e depois The Beatles, ambas versões em 1962), “Hey Girl” (com Freddie
Scott, em 1963), “I’m Into Something” (com Heman’s Hermit, em 1964), “Bring Me
Down” (com The Animals, em 1966). Mas o
grande sucesso composto pelo casal foi “(You Make Me Feel Like) A Natural
Woman”, que estourou com Aretha Franklin, em 1967, chegando ao 8º lugar da
parada de singles da Billboard Hot 100,
nos Estados Unidos. Se tornou um dos maiores sucessos da carreira de Aretha
Franklin.
"Will You Love Me Tomorrow", gravada pelas The Shirelles (foto) em 1960,
foi a primeira canção composta pela dupla Gerry Goffin e
Carole King a se tornar um grande sucesso.
Apesar do sucesso da carreira profissional como compositores, a vida pessoal do casal não ia bem. Goffin e King se separaram em 1968. Após o divórcio, King mudou-se com as duas filhas, frutos do seu casamento com Goffin para Los Angeles, indo morar em Laurel Canyon, uma localidade habitada por vários astros do rock da época. Lá, Carole King fez amigos, conheceu a cena musical, e fez amizade com James Taylor e Joni Mitchell. Em Los Angeles, Carole King formou com o guitarrista Danny Kortchmar e o baixista Charles Larkey (com quem King se casaria), o trio The City, onde ela atuou como vocalista e pianista do grupo. O trio chegou a lançar um álbum, mas o trabalho não teve repercussão porque Carole tinha pavor de palco, o que impossibilitou o grupo de fazer shows para divulgar o disco. Com isso, The City acabou se dissolvendo em 1969.
Graças ao incentivo de James Taylor, Carole King se lançou em
carreira solo, lançando em 1970 o seu primeiro álbum solo, The Writer. O álbum
contou com a colaboração de James Taylor no violão e nos vocais de apoio.
Apesar da avaliação positiva por parte da crítica, The Writer teve uma
produção ruim, e suas vendas foram muito fracas.
Apesar do desempenho comercial do seu primeiro álbum ter sido
fraco, Carole King se sentia motivada para gravar o seu segundo álbum. Boa
parte das canções do novo álbum foi escrita por Carole King. No entanto, King
incluiu três canções da sua antiga parceira com Gerry Goffin: “(You Make Me
Feel Like) A Natural Woman” (gravada por Aretha Franklin), “Will You Love Me
Tomorrow” (sucesso com as Shirelles, em 1960) e a até então inédita “Smackwater
Jack”. O repertório incluiu também duas parcerias de Carole King com a poeta e
letrista Toni Stern.
A produção do novo álbum foi conduzida por Lou Adler,
proprietário do selo Ode Records, e as gravações ocorreram no estúdio B da
A&M Records, em janeiro de 1971. Carole King contou com a participação de
amigos como James Taylor, que tocou violão em algumas faixas e fez vocais de
apoio. A cantora Joni Mitchell, amiga de Taylor e de King, também participou
das gravações fazendo vocais de apoio. Os ex-parceiros de King no The City, Danny
Kortchmar e Charles Larkey, também participaram das gravações; Korchmar tocou
violão, conga, guitarra elétrica, vocais de apoio, enquanto Larkey tocou baixo.
James Taylor, Joni Mitchell e Carole King durante as sessões de gravação do álbum Tapestry. |
Lançado em 10 de fevereiro de 1971 através da Ode Records e
distribuído pela A&M Records, Tapestry é álbum leve e agradável,
que musicalmente, varia entre o pop, o rhythm’n’blues, soul e o folk. É um
álbum pop que consegue ser simples e ao mesmo tempo refinado, muito bem-acabado.
Embora tenha sido lançado numa época de grandes transformações sociais e
políticas, reflexos dos movimentos ocorridos na década anterior, Tapestry
não é um álbum de canções engajadas. Mesmo assim, o álbum contém faixas
que trazem sutilmente, versos com mensagens conscientes, reflexivas. Os temas
das canções giram entorno de amor, amizade e desilusão amorosa.
O álbum começa com o riff
de piano executado por Carole King, e que dá início à faixa “I Feel The
Earth Move”, canção que trata sobre satisfação e uma excitação sutil de uma
garota apaixonada quando está perto do seu amado: ela sente a terra se mover
sob os seus pés e o céu desmoronar”. A balada “So Far Away” é uma das faixas
mais conhecidas de Tapestry e da carreira de Carole King. A letra da canção trata
sobre a dor e a saudade de dois amantes separados pela distância: “It would be so fine to see your face at my
door / And it doesn't help to know that you're so far away” (“Seria tão bom ver seu rosto na minha porta /
E não ajuda saber que você está tão longe”).
Outra faixa famosa do álbum é “It’s Too Late”, fruto da
parceria de Carle King e a poeta Toni Stern. É um exemplo de canção pop
perfeita, na medida certa. A letra, escrita por Stern, possui versos simples,
diretos, que tratam sobre o fim de um relacionamento, de um amor que acabou,
mas abordado sem melancolia, sem traumas. “Home Again” é uma linda balada que
versa sobre solidão, em que uma mulher que mora sozinha, sente a falta de
alguém para conversar e lhe fazer companhia. Em “Beautiful”, o eu lírico
observa a infelicidade e a frustração nos rostos das pessoas ao seu redor. O
refrão prega o otimismo e a valorização da autoestima.
Imagem da área interna da capa dupla do álbum Tapestry. |
O lado A da versão LP de Tapestry termina com “Way Over Yonder”, uma canção gospel com sabor pop em que Carole King canta sobre a busca da paz de espírito e ressalta o valor que as coisas simples da vida têm. Destaque para a participação da cantora Merry Clayton nos vocais de apoio, a mesma que colaborou com os Rolling Stones na canção “Gimme Shelter” fazendo vocais de apoio sensacionais.
Abrindo o lado B do álbum, uma canção que é considerada um
“hino à amizade”: “You’ve Got A Friend”. Carole King teria se inspirado no
amigo James Taylor para compor a canção. Seria uma resposta à canção “Fire And
Rain”, gravada por Taylor em 1970 para o álbum Sweet Baby James, em que
o cantor expressar a sua dor ao saber do suicídio de sua ex-namorada, Suzanne
Schnerr. Os versos “I've seen lonely
times when I could not find a friend” (“Tenho
passado horas solitário quando não consigo encontrar um amigo”), de “Fire
and Rain”, motivaram King a compor “You’ve Got A Friend”, em que ela se mostra
à disposição para apoiar o amigo num momento tão difícil que ele passava. O
cantor travava uma batalha para vencer a depressão e o seu vício em heroína. A
forte amizade entre Carole King e James Taylor encantou o público, e levantou
suspeitas de que eles tinham um romance.
Quando Carole King apresentou “You’ve Got A Friend” a James
Taylor, sentiu vontade de tocá-la, e acabou gravando-a para o seu álbum Mud
Slide Slim And The Blue Horizon, que curiosamente estava sendo gravado
na mesma época em que Tapestry estava sendo gravado.
Embora gravados na mesma época, por volta de janeiro de 1971, o álbum de Carole
King foi lançado em fevereiro e o de James Taylor saiu em abril. A versão de
Taylor para “You’ve Got A Friend” foi a que ficou mais famosa, ainda que a de
King tivesse alcançado uma boa execução em rádio.
Carole King e James Taylor: uma grande amizade para toda a vida. |
“Where You Lead” é outra parceria de Carole King com Toni
Stern presente em Tapestry, cuja letra é sobre uma mulher apaixonada, disposta a
seguir o seu amado aonde quer que ele vá. Se na sua versão original com as
Shirelles, “Will You Love Me Tomorrow?” (composta por Gerry Goffin e Carole
King) era um R&B pop adolescente, a versão gravada por King se tornou uma
balada lenta e com uma interpretação mais adulta.
“Smackwater Jack” possui um tema que destoa de todo o resto
do álbum. A faixa é um rhythm‘n’blue alegre e descontraído, com clima de “velho
oeste”, que conta a história de um bandido destemido que acabou capturado e
condenado à forca. Segue a faixa “Tapestry”, uma balada lenta à base de voz e
piano, e dá nome ao álbum.
O álbum chega ao fim com mais uma canção antiga da parceria
Gerry Goffin e Carole King, “(You Make Me Feel Like) A Natural Woman”,
originalmente gravada por Aretha Franklin, lançada como single no final de 1967, e incluída no álbum Lady Soul (1968). A
canção teria sido uma sugestão do coproprietário da Atlantic Records, Jerry Wexler,
que sugeriu a Goffin e King que compusessem uma canção para Aretha com o título
“Natural Woman”. Enquanto a versão original de Aretha é mais pomposa, cheio de
naipe de cordas, vocais de apoio, vários instrumentos, a versão de Carole vai
num sentido contrário: é mais intimista, e conta apenas com a voz de King e seu
piano, e discretos vocais de fundo. A letra de “(You Make Me Feel Like) A
Natural Woman” é sobre uma mulher com uma autoestima baixa, sem inspiração, mas
que ao encontrar uma grande amor, ela descobre a alegria de viver.
Aretha Franklin gravou em 1968 "(You Make Me Feel Like) A Natural Woman", de Gerry Goffin e Carole King, e regravada pela própria Carole King em 1971 para Tapestry. |
Tapestry foi bem recebido pela crítica. Na época de lançamento do álbum, o jornalista Jon Landau, da edição americana da revista Rolling Stone, afirmou em sua resenha sobre Tapestry que Carole King era uma das artistas mais criativas da música pop e que o álbum era uma “superação pessoal” da cantora.
A julgar pelo desempenho de Tapestry nas paradas, o
público aprovou o álbum. Tapestry ficou em 1º lugar na parada
da Billboard 200, nos Estados Unidos,
durante quinze semanas. No Canadá, o segundo álbum de Carole King permaneceu
por nove semanas no topo da parada de álbuns daquele país. O single de “It’s
Too Late” alcançou o 1º lugar da Billboard
100, nos Estados Unidos, onde permaneceu cinco semanas no topo.
O desempenho comercial de Tapestry foi magnífico.
Foi o álbum mais vendido nos Estados Unidos em 1971. Ao todo, no mercado
americano, Tapestry vendeu mais de 10 milhões de cópias, enquanto que em
todo o mundo, o álbum chegou à marca de 25 milhões de cópias vendidas, fazendo dele,
um dos álbuns mais vendidos em todos tempos.
Carole King no auge da carreira nos anos 1970. |
Além dos elogios da crítica e dos ótimos números em vendas, Tapestry
foi contemplado com prêmios. Na edição de 1972 da premiação do Grammy, Tapestry venceu em quatro
categorias: “Álbum do Ano”, “Melhor Performance Vocal Pop Feminino”, “Gravação
do Ano” (por “It’s Too Late”) e “Canção do Ano” (por “(You Make Me Feel Like) A
Natural Woman”.
O megassucesso de Tapestry impulsionou a carreira de
Carole King, que a cada disco se tornava uma das cantoras mais populares e
queridas da música pop norte-americana, graças às suas canções melódicas e
agradáveis, bem como ao seu jeito carismático.
Tapestry teve não apenas um papel importante na carreira de King. O
álbum mostrou que as mulheres, assim como os homens, também poderiam ser bem-sucedidas
como compositoras e intérpretes de suas próprias canções. Se no futuro, o mundo viu cantoras autoras
brilhantes da música pop como Amy Winehouse e Adele, isso só foi possível porque
no passado, houve artistas como Carole King e álbuns femininos brilhantes como Tapestry
que abriram caminho.
Faixas
Todas as músicas foram escritas por Carole King, exceto onde
indicado.
Lado A
- “I Feel the Earth Move"
- "So Far Away"
- "It's Too Late" (letra de Toni Stern)
- "Home Again"
- "Beautiful"
- "Way Over Yonder"
Lado B
- "You've Got a Friend"
- "Where You Lead" (letra de Toni Stern)
- "Will You Love Me Tomorrow?" (Gerry Goffin – Carole King)
- "Smackwater Jack" (Gerry Goffin – Carole King)
- "Tapestry"
- "(You Make Me Feel Like) A Natural Woman" (Goffin, King, Jerry Wexler)
Referências:
Revista Bizz – janeiro/1999 – Edição 162, Editora Abril caroleking.com
Comentários
Postar um comentário