“Roupa Nova” (Polygram, 1982), Roupa Nova


Por Sidney Falcão

O Roupa Nova é uma das bandas mais longevas da história da música brasileira. A banda carioca é reconhecida pela qualidade técnica dos seus integrantes, seja nas harmonizações vocais ou na habilidade com os instrumentos que tocam. Não à toa, o Roupa Nova sempre foi bastante requisitado como banda de estúdio para gravação de discos dos mais diversos artistas, dentre os quais Rita Lee, Gal Costa, Erasmo Carlos, Guilherme Arantes, Nara Leão, Roberto Carlos, Nana Caymmi, Milton Nascimento, entre tantos outros. A lista é enorme.

A experiência, a versatilidade e o domínio técnico do Roupa Nova são heranças dos tempos anteriores à fama, ainda quando o grupo se chamava Os Famks e atuava como banda de baile no subúrbio do Rio de Janeiro nos anos 1970, tocando desde sucessos nacionais aos internacionais. Isso acabou dando uma grande bagagem musical aos seus integrantes.

Além de tocar em bailes, Os Famks chegaram a lançar dois álbuns, mas sem grande repercussão. Contudo, a banda lançou vários álbuns sob o pseudônimo Os Motokas, gravando apenas versões dos grandes sucessos nacionais e internacionais da época em formatos de medley. Era uma estratégia “caça-níquel” das gravadoras para vender discos. Esses discos dos Motokas ficaram marcados por trazerem mulheres de biquíni nas capas, em poses sensuais ao lado de motocicletas. Algumas dessas capas ficaram célebres como a que mostrava a atriz Miriam Rios (ainda em início de carreira) e a modelo e atriz Rose di Primo.

Contudo, se por um lado esses discos vendiam covers muito e os bailes no subúrbio garantiam o sustento dos membros da banda, havia uma certa frustração artística. A banda tinha um potencial musical incrível, mas que era desperdiçado. A banda estava fadada apenas a animar os bailes do subúrbio carioca e a gravar discos de covers de sucessos dos outros.

Os Famks, em 1978, antes de se tornarem Roupa Nova.

Mas a situação começou a mudar para aquele sexteto a partir de 1979, quando a banda recebeu uma encomenda para gravar uma chamada musical de fim de ano para a Cidade FM, uma emissora de rádio do Rio de Janeiro. As gravações ocorreram nos estúdios da EMI-Odeon, no Rio, e que chamaram a atenção do produtor Mariozinho Rocha. Impressionado, o produtor ofereceu um contrato para a banda, mas achou o horroroso o nome Os Famks. Sugeriu que mudassem para um nome mais comercial.

E foi o próprio Mariozinho Rocha quem sugeriu como novo nome, Roupa Nova, inspirado no título de canção de mesmo nome de Milton Nascimento e Fernando Brant que estava prestes a ser lançada pela EMI-Odeon. Os integrantes chegaram a resistir à mudança, mas os argumentos do produtor eram muito bem fundamentados, e eles acabaram aceitando.

Com aquele novo nome, Mariozinho tinha uma proposta musical para oferecer à banda, que consistia em dar uma nova “roupagem”, uma nova leitura às canções de Milton e dos compositores mineiros do movimento Clube da Esquina, dando a elas uma orientação mais pop nos arranjos, mas sem perder a essência MPB.

Em 1980, já sob o nome Roupa Nova, banda participou do Festival MPB Shell, promovido pela TV Globo, defendendo a canção “No Colo D’el Rey”. Mas a banda carioca não foi muito longe. No entanto, o festival serviu para dar exposição para o sexteto carioca e seu novo nome.

Mal a banda havia mudado de nome e assinado contrato com a EMI-Odeon por incentivo de Mariozinho Rocha, que pouco depois, o produtor que apadrinhou o sexteto estava deixando aquela gravadora. Mariozinho havia recebido uma proposta para trabalhar na PolyGram. O Roupa Nova decidiu romper o recém-assinado contrato com a EMI-Odeon e decide ir junto com Rocha para PolyGram, que contrata a banda.

Com produção de Mariozinho Rocha, o Roupa Nova lança o seu primeiro e autointitulado álbum em 1981. A banda apresenta em seu primeiro álbum uma mescla musical bem variada que vai do pop rock a musicalidade de Milton Nascimento, passando por referências de rock progressivo e até mesmo de disco music. Embora bem executado, o álbum é um tanto quanto irregular, mostra o Roupa Nova ainda tateando, procurando a sua identidade musical. No geral, o som da banda tende para um soft rock bem dosado, robusto, acessível, ideal para tocar nas rádios FM. Faixas como “Canção de Verão”, “Sapato Velho”, “Bem Simples” e “Roupa Nova”, se tornaram os primeiros sucessos da carreira da banda carioca.

Capa do primeiro e homônimo álbum do Roupa Nova, lançado em 1981.

Lançado em 1982, o segundo álbum, assim como o primeiro, leva o nome da banda, e mais uma vez, contou com Mariozinho Rocha na produção. Se no álbum de estreia, das dez faixas, sete eram de autoria de outros compositores, e apenas três eram parceria de membros do Roupa Nova com outros compositores de fora da banda, no segundo trabalho, se vê um aumento da participação dos integrantes do grupo na autoria das canções. Das 12 faixas do segundo álbum, sete são de outros compositores e cinco são parceria entre os membros do Roupa Nova com compositores parceiros de fora da banda. 

Além do aumento da participação dos membros do Roupa Nova nas composições, o segundo álbum traz a banda melhor focada no que se refere à busca de uma identidade musical. Enquanto o primeiro álbum apresenta momentos em que as faixas parecem destoar musicalmente umas das outras (talvez um reflexo do passado de banda de baile em que os integrantes tocavam vários estilos), no segundo trabalho, a banda conseguiu manter uma perfeita unidade entre as faixas, uma relação mais harmônica, variando entre o soft rock, o pop rock, o rock progressivo e a MPB.

Neste seu segundo e autointitulado álbum, o Roupa Nova trouxe nove canções até então inéditas, e três regravações como “Sábado”, “Lumiar” e “Tributo ao Sorriso”, gravadas originalmente por Som Imaginário, Beto Guedes e O Terço, respectivamente. Embora no Roupa Nova todos os integrantes cantem, os vocais principais se revezam entre Paulinho e o baterista Serginho Herval.

O álbum começa com a curiosa “Virada de Lado”, que tem uma letra com um teor homoerótico e um empolgante riff de guitarra de hard rock na sua introdução. Em “Sábado”, música gravada originalmente pelo Som Imaginário em 1970, o Roupa Nova criou um arranjo musical imponente, aliando o preciosismo do rock progressivo com o pop radiofônico.

Na sequência, o pop rock “Demônio do Meio Dia”, destacam-se os vocais de “chamada e resposta” e a percussão que pontua boa parte da faixa. A delicada e sensível “Estado de Graça” é uma espécie de ode ao ofício do cantar: “Como é bom cantar / Eu quero apenas / Ver meu povo feliz / Pra que eu possa ser também”.

Nos anos 1970, o compositor Ronaldo Bastos visitou a localidade de Lumiar, distrito do município de Nova Friburgo, interior do estado do Rio de Janeiro, e teria se encantado com a beleza bucólica do lugar. A partir daí nasceu a canção “Lumiar”, uma parceria de Ronaldo com o cantor Beto Guedes. A música foi logo gravada pelo próprio Beto Guedes em 1977 para o álbum A Página do Relâmpago Elétrico. O Roupa Nova regravou e praticamente fez uma versão definitiva para a canção, com um apelo mais radiofônico. A versão da banda alterna o ritmo lento de balada e a levada acelerada do rock, além de possuir arranjos de teclados do rock progressivo e uma ótima harmonização vocal.

“O Homem Louco” fecha o lado 1 da versão LP do álbum, e foi composta por Renato Ladeira, na época vocalista da banda Herva Doce. É uma linda balada folk executada com violões, percussão e teclados. O destaque nesta faixa fica as harmonizações vocais dos membros da banda, que cantam juntos toda a música.

Detalhe da contracapa do segundo e homônimo do Roupa Nova, lançado em 1982. 

“Voo Livre” é quem abre o lado 2 do álbum. Com Paulinho e Serginho se revezando nos vocais principais, “Voo Livre” trata sobre a emoção de vivenciar a liberdade. “Tributo ao Sorriso”, cuja versão original foi gravada pela banda O Terço nos anos 1970,” virou uma canção imponente nas mãos do Roupa Nova, ao criar um arranjo grandioso, quase épico, flertando com o rock progressivo.

“Clarear” é um pop rock alegre, “solar”, festivo. Para criar o som de festa que se ouve na música, o produtor Mariozinho Rocha improvisou literalmente uma festa dentro estúdio de gravação, com bebidas, comidas e convidados, e até garçom servindo a todos. E foram os convidados que fizeram o coro e toda a algazarra que foram gravados e mixados à música que a banda já deixado gravada.

O romantismo está presente nas faixas seguintes, “Brisa da Manhã” e “Faz A Minha Cabeça”, mas não faz delas canções piegas. Encerrando o álbum, “Simplesmente”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, música que trata sobre as coisas simples da vida.

Roupa Nova, o álbum de 1982, deu prosseguimento à boa impressão deixada pelo álbum de estreia, lançado no ano anterior. As faixas “Clarear”, “Lumiar”, “Voo Livre” e “Vira de Lado” foram aos grandes sucessos do álbum.

A partir do estouro da canção “Anjo”, do terceiro e homônimo álbum da banda, lançado em 1983, o Roupa Nova foi direcionando aos poucos a sua orientação musical para o romantismo. O grupo passou a praticar uma musicalidade mais “palatável”, apelando para canções melódicas, de fácil assimilação, e excessivamente românticas. A consequência disso foi que os discos do Roupa Nova alcançaram altos índices de vendas, e as banda colecionou uma série de canções em trilhas de telenovelas. O Roupa Nova vivenciou o seu auge de popularidade entre a segunda metade dos anos 1980 e os anos 1990. Passados os tempos áureos, ainda assim, o Roupa Nova preservou a sua popularidade, e manteve o seu público continuou fiel, lotando os shows do grupo carioca, sempre muito bem produzidos.

Em 14 de dezembro de 2020, o Roupa Nova viveu o momento mais difícil de sua história: a morte do vocalista Paulinho, vitimado pela covid-19. Ele vinha se recuperando de um tratamento de transplante de medula óssea, mas contraiu a covid-19 no hospital, agravando o seu estado de saúde e levando-o à morte. Apesar do duro golpe do destino, a banda carioca segue em gente.

 

Faixas

Lado 1

"Vira de Lado"  (Ricardo Feghali – Serginho - Mariozinho Rocha), vocal principal: Paulinho        

"Sábado" (Frederyco), vocal principal: Serginho     

"Demônio do Meio-dia" (Ricardo Feghali – Serginho - Márcio Borges), vocal principal: Paulinho        

"Estado de Graça"  (Cleberson Horsth - Fernando Brant), vocal principal: Serginho           

"Lumiar" (Beto Guedes - Ronaldo Bastos), vocal principal: Serginho        

"O Homem Louco" (Renato Ladeira), vocal principal: Serginho

 

Lado 2

"Voo Livre" (Luiz Guedes - Thomas Roth), vocais principais: Paulinho e Serginho

"Tributo ao Sorriso" (Jorge Amiden - Sérgio Hinds), vocal principal: Paulinho      

"Clarear" (Octavio Burnier - Mariozinho Rocha), vocal principal: Paulinho

"Brisa da Manhã" (Serginho - Renato Ladeira), vocal principal: Nando     

"Faz a Minha Cabeça" (Feghali – Serginho - Ronaldo Bastos), vocal principal: Paulinho           

"Simplesmente" (Milton Nascimento - Fernando Brant), vocal principal: Serginho

 

Roupa Nova: Paulinho (voz e percussão), Cleberson Horsth (teclados e voz), Ricardo Feghali (teclados e voz), Kiko (guitarra e voz), Nando Oliveira (baixo e voz) e Serginho Herval (bateria e voz).

 

Referências:

Tudo de novo: dos bailes para a história da música brasileira Vanessa Oliveira, 2013, Editora Best Seller

www.roupanova.com.br


"Vira de Lado"

"Sábado"

"Demônio do Meio Dia"

"Estado de Graça"

"Lumiar"

"O Homem Louco"

"Voo Livre"

"Tributo ao Sorriso"

"Clarear"

"Brisa da Manhã"

"Faz A Minha Cabeça"

"Simplesmente"






















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