10 discos essenciais: Pós-disco
Por Sidney Falcão
Pós-disco é
um termo criado pela imprensa musical americana em meados da década de 1980 para
classificar um determinado período da música pop, entre 1979, quando a disco
music entra em decadência, e 1985, quando ocorre a ascensão da house music. Há
um consenso entre os jornalistas do meio musical de que, por uma série de
fatores, o ano de 1979 significou o declínio da disco music, após cerca de
quatro anos de apogeu no cenário da música pop mundial.
Dentre os
fatores para o declínio da disco music está a saturação do próprio estilo: como
todo modismo, existe o esgotamento, e com a disco music não foi diferente. Outros
estilos musicais como a new wave e o reggae, ganhavam projeção e atraíam uma
parcela considerável do público jovem cansado da disco music.
Houve também
uma série de ataques contra a disco music por parte dos mais conservadores, sendo
a mais conhecida e vergonhosa o Disco Demolition Night (Noite da
Demolição da Discoteca), evento organizado pelo radialista e ativista antidisco
Steve Dahl, que ocorreu no dia 12 de julho de 1979 no estádio de beisebol
Comiskey Park, em Chicago, nos Estados Unidos. Na noite daquele dia, um público
estimado em mais de 50 mil pessoas assistiu no intervalo entre a primeira e
segunda partidas, explosões de várias caixas com milhares de LPs de disco
music. O evento chocou uma parcela da opinião pública americana que viu naquele
episódio um ato racista, homofóbico e xenofóbico, já que a disco music tinha na
sua origem os negros, os homossexuais e latinos, no início dos anos 1970,
quando ainda era um estilo musical de gueto.
Embora
criticado, o evento organizado por Steve Dahl causou um estrago na imagem da
disco music. Parte do público passou a rejeitar o gênero musical que até pouco
tempo, gozava de grande prestígio. Emissoras de rádio que antes dedicavam sua
programação à disco, passaram a se dedicar a outros gêneros musicais como o
rock. Algumas gravadoras dedicadas à disco, como a Casablanca Records, TK
Records e RSO, faliram. Ante ao ambiente hostil, artistas da disco music como
Sylvester (1947-1988) e Donna Summer (1948-2012), tiveram que reorientar o seu
repertório, flertando com outros estilos musicais.
O pós-disco
possui características muito próprias e que ajudam a entender o perfil da
música pop negra que se desmembrou da disco music. A incorporação de
referências de outros estilos como o rock, pop, new wave e synthpop, foi uma
dessas características. Houve a adoção dos modernos instrumentos eletrônicos: artistas
do funk, do soul, do R&B e do que restou da disco music, passaram a fazer
uso dos sintetizadores digitais, baterias eletrônicas e sequenciadores,
instrumentos que eram novidade no começo dos anos 1980. Os naipes de cordas e
de metais, tão comuns na disco music, são substituídos pelos sintetizadores,
que simulam o som desses naipes.
Durante o
seu auge, nos anos 1970, a disco music era o gênero musical predominante nas
boates e casas noturnas. Com o seu declínio, o seu espaço foi ocupado por outros
estilos começaram a invadir as pistas das discotecas e boates como a
ítalo-disco, o hi-NGR, o dance-pop e o eletrofunk. Durante a era pós-disco, a
new wave alcançou o mainstream e o rap dava os seus primeiros passos.
A era
pós-disco se encerra com a ascensão da house music em meados dos anos 1980,
embora tenha surgido no final dos anos 1970, das cinzas da disco music através
de DJs de Chicago, nos Estados Unidos.
Abaixo,
confira dez álbuns da era pós-disco que ajuda, a entender esse período.
Bad Girls (Casablanca Records, 1979), Donna Summer. Embora Bad Girls seja um álbum clássico da disco music, ele representou ao mesmo tempo o começo do fim do apogeu do gênero que embalou as pistas de dança em todo o mundo nos anos 1970. O álbum duplo mostra uma disco music de Summer diversificada, flertando com o rock ("Hot Stuff ") e com o pop eletrônico (“Our Love” e “Lucky”). Mas há espaço para a disco music tradicional ("Journey To The Center Of Your Heart" e "Walk Away"). Com mais de 1 milhão de cópias vendidas, Bad Girls já dava indícios do que seria o pós-disco.
Straight From The Heart (Elektra, 1982), Patrice Rushen. Ela começou a carreira artística como cantora e pianista de jazz em meados dos anos 1970, chegando a gravar três álbuns dentro desse gênero. Mas quando foi contratada pela gravadora Elektra, em 1978, Patrice Rushen deixou o jazz e migrou para o R&B, o que motivou uma série de críticas muito duras pelos fãs jazzistas contra a cantora, chegando a acusá-la de “vendida”. Por outro lado, Rushen ganhou uma maior projeção e encontrou um novo público que teve a oportunidade conhecer a sua voz suave e angelical. Seu sétimo álbum de estúdio, Straight From The Heart, é com certeza seu trabalho mais importante da sua discografia. O álbum é primorosamente bem produzido e os arranjos muito bem cuidados. A faixa “Forget Me Nots” é a mais famosa, não apenas pela gravação de Rushen, mas também por ter a sua base sampleada e usada em “Men In Black”, megahit de Will Smith em 1997. O álbum traz outras faixas que merecem destaque como “Remind Me”, “Number One”, “I Was Tired Of Being Alone” e “Breakout”.
Get Loose (RCA, 1982), Evelyn King. Foi em 1977, aos 17 anos de idade, que a então nomeada Evelyn “Chamapgne” King ganhou fama mundial com o hit “Shame”, um clássico da disco music. A garota cresceu e passou a assinar seu nome apenas Evelyn King, e claro, gravou coisas maravilhosas como Get Loose, o quinto álbum de estúdio dela. Considerado o melhor álbum de King, Get Loose é composto de oito faixas de R&B com pinceladas pop irresistíveis, e que não deixam ninguém parado na pista de dança, como “Love Come Down” (a faixa mais conhecida do álbum), “Back To Love”, “I Can't Stand It” e a faixa-título, que traz King cantando alguns versos com um rap.
1999 (Warner, 1982), Prince. Quinto álbum de estúdio de Prince, 1999 é o primeiro que o cantor grava com a banda Revolution. Neste álbum duplo, Prince explora ainda mais os recursos dos sintetizadores e baterias eletrônicas, aliados aos instrumentos convencionais como o baixo, guitarra e bateria. O som de 1999 estabeleceria o padrão musical de Prince para os próximos discos. Destaques do álbum são para a apocalíptica faixa-título, o rockabilly com sintetizador “Delirious”, o eletrofunk “DMSR” e o aceno de Prince para a new wave em “Automatic”.
All I Need (Megastone Records, 1982), Sylvester. A virada dos anos 1970 para os anos 1980 não foi nada fácil para Sylvester. O momento era um tanto hostil para quem fazia disco music, e Sylvester tentava superar-se, chegando a gravar álbuns voltados para a soul music e o gospel, mas que foram um fracasso de público e de crítica. All I Need foi uma tentativa para Sylvester recuperar o brilhantismo dos tempos de “You Make Me Feel (Might Real)”e “Dance (Disco Heat)”, seus dois grandes hits de 1978. Musicalmente, All I Need é todo apoiado na sonoridade eletrônica, trazendo traços de synthpop e até new wave, que aliados à força do hi-NRG, formam uma base instrumental poderosa e dançante para acomodar a voz marcante de Sylvester. O grande momento do álbum é a faixa “Do Ya Wanna Funk”, uma eletrodisco produzida por Patrick Cowley (1950-1982), grande amigo de Sylvester e que morreu de AIDS meses depois após produzir a faixa.
Thriller (CBS, 1982), Michael Jackson. Quatro anos após o sucesso do álbum Off The Wall, Michael Jackson (1958-2009) e o produtor Quincy Jones repetem a parceria que deu no trabalho seguinte, Thriller, um álbum pós-disco por excelência. Thriller possui um repertório atraente e acessível, que reúne uma dose equilibrada de pop, funk, R&B, rock e baladas. A faixa-título tem a sua base rítmica herdada da disco music e uma linha de baixo inspirada em “Give It To Me Baby”, hit de Rick James de 1981. “Beat It” desafia Michael para o rock, e o astro sai-se muito bem, com apoio do guitar hero Eddie Van Halen. “Billie Jean” é marcada pela elegância e sedução da sua base instrumental, enquanto que “Wanna Be Startin’ Somethin’” é um rolo compressor em forma de funk, com uma linha de baixo robusta e uma bateria programada de ritmo avassalador. Tecnologicamente, Thriller segue a tendência da época com o emprego de sintetizadores e programações eletrônicas, mas preserva a sonoridade “orgânica” que o aproxima de Off The Wall, mas distancia-se do “som de plástico” e muito “mecânico” de Bad (1987).
No Parking On The Dance Floor (Solar Records, 1983), Midnight Star. Os dois primeiros álbuns da Midnight Star seguiam uma linha musical muito inspirada no Earth, Wind & Fire. Mas a partir do terceiro álbum, Victory (1982), a banda americana passou a fazer uso de sintetizadores e bateria programada, e abraçou o eletrofunk. Em No Parking On The Dance Floor, um trabalho que é uma evolução do álbum anterior, a Midnight Star parece uma mistura do romantismo e elegância da Atlantic Starr com o funk futurista amalucado do Parliament-Funkadelic. Mas essa fusão estranha de referências é positiva, e rendeu momentos interessantes no álbum como os eletrofunks com vocais robóticos “Electricity” e “Freak-A-Zoid”, e as baladas comportadas “Feels So Good” e “Slow Jam”. A resposta do público foi a melhor possível: o álbum vendeu dois milhões de cópias nos Estados Unidos, e rendeu um disco duplo de platina para Midnight Star.
Madonna (Sire Records, 1983), Madonna. Neste seu primeiro álbum, Madonna já mostrava que o seu foco no universo pop musical eram as músicas dançantes, uma herança dos tempos que frequentava as boates de Nova York no auge da disco music no final dos anos 1970. A personalidade provocativa e o apelo sexual, duas das principais características de Madonna e que norteariam a carreira da cantora, estão presentes em faixas como “Everybody”, “Holyday” e “Physical Attraction”.
Break Out (Planet Records, 1983), The Pointer Sisters. As Pointer Sisters começaram a carreira em 1970, mas só alcançaram o sucesso comercial na década de 1980 como um trio, formado por June, Ruth e Anitta. Foi a partir do álbum Special Things (1980) que as Pointer Sisters passaram a adotar o uso dos sintetizadores, e que ficou mais intenso em Break Out, álbum mais vendido da discografia das Pointer Sisters. Break Out traz dois dos maiores sucessos da carreira do trio como “Automatic” e “I’m So Excited”. Mas o disco traz outros bons momentos como “Neutro Dance” e “Baby Come and Get It”, onde há uma citação a “(I Can't Get No) Satisfaction", dos Rolling Stones.
I Feel For You (Warner Records, 1984), Chaka Khan. Este é o quinto álbum solo de Chaka Khan, e o primeiro dela após a dissolução da Rufus, banda da qual ela fazia parte em carreira paralela com a de cantora solo. Se até no seu quarto e autointitulado álbum solo Chaka Khan seguia o estilo de R&B tradicional, em I Feel For You a cantora deu uma guinada radical para algo mais eletrônico, seguindo os passos de Prince. O álbum tem eletrofunks como “This Is My Night” e a faixa-título, onde Khan flerta com o rap. Porém, o álbum tem espaço para baladas românticas como “Stronger Than Before” e “Through The fire”. I Feel For You vendeu mais de 1 milhão de cópias nos Estados Unidos, dando a Chaka Khan o disco de platina. A cantora ainda faturou o Grammy de “Melhor Canção de R&B”, em 1985, pela faixa-título.
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