10 discos essenciais: Tropicalismo


Por Sidney Falcão

Entre 1967 e 1969, o Tropicalismo promoveu uma das maiores e mais importantes transformações na cultura brasileira no século XX. O movimento atuou nas mais diversas formas de expressão artísitica como a literatura, artes-plásticas e cinema. Mas foi na música que o Tropicalismo se mostrou mais atuante e revolucionário, a tal ponto de se tornar referência para gerações futuras da música brasileira.

O nome do movimento foi inspirado no título de uma obra do artista plástico carioca, Hélio Oiticica, chamada “Tropicália”, de 1967. Tendo à frente Caetano Veloso e Gilberto Gil, o Tropicalismo contou com a participação de Gal Costa, Mutantes, Tom Zé, Nara Leão, Rogério Duprat (uma espécie de “George Martin tropicalista”), dos poetas Torquato Neto e José Carlos Capinam.  

Musicalmente, o movimento propunha a integração entre as nossas tradições musicais populares com as vanguardas da música internacional. As referências para essa mistura incluíam o rock psicodélico dos Beatles, a música brega, samba, baião, bolero, música erudita e até música sacra. Os artistas faziam uso dos mais diversos instrumentos, sendo a guitarra elétrica, o principal instrumento, o que fez o movimento ser mal visto pela ala mais radical da MPB que defendia uma música brasileira pura, livre de influências estrangeiras. Visualmente, os artistas usavam cabelos compridos, roupas coloridas e extravagantes, justamente para chocar o público conservador. Era uma maneira de reagir, de se contrapor ao momento político que o Brasil vivia, sob domínio de uma ditadura militar que havia se instalado no poder em 1964.

Os posicionamentos anárquicos e combativos dos membros do Tropicalismo começaram a incomodar os mais poderosos, que viam neles um bando de subversivos perigosos. Caetano Veloso e Gilberto Gil, foram presos em dezembro de 1968. Em meados de 1969, partiram para o exílio de três anos na Inglaterra, desarticulando e pondo fim ao movimento tropicalista.

Apesar do curto tempo de duração, o Tropicalismo deixou um grande legado para cultura brasileira. Sua influência ecoou em tudo que se produziu na música brasileira nas décadas seguintes. É possível perceber influência do Tropicalismo desde os Novos Baianos, Secos & Molhados e Raul Seixas, até movimentos como a axé music e o manguebeat. Todos eles, de alguma forma ou de outra, beberam na inesgotável fonte tropicalista.

Confira dez álbuns essenciais para se compreender o Tropicalismo.


Tropicália Ou Panis Et Circencis (Philips, 1968), vários artistas. Disco-manifesto que reuniu os principais personagens do movimento tropicalista como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes, Nara Leão e Tom Zé. O álbum contou com a produção arrojada de Manoel Barenbein e os arranjos do maestro Rogério Duprat. Tropicália Ou Panis Et Circencis  é um resumo da proposta musical do movimento tropicalista, ao misturar baião, samba, bolero, música brega com poesia concreta, rock psicodélico, música erudita, mais toda a espécie de experimentalismos: efeitos de ruídos como tiros, sirenes, aletaração de rotação da música. Algumas canções trazem mensagens cifradas contra a realidade político-social do Brasil na época, mergulhado num regime ditatorial. Por ser um álbum que promoveu rupturas e apontou caminhos para o futuro da música brasileira, Tropicália Ou Panis Et Circencis é considerado o “Sgt. Pepper’s Lonely hearts Club Band brasileiro”.


Caetano Veloso (Philips, 1968), Caetano Veloso. Após o calmo e bossa-novístico Domingo, 1967, gravado em dueto com Gal Costa, Caetano Veloso lançava o seu primeiro e autointitulado álbum solo. Com capa psicodélica ilustrada pelo artista gráfico baiano, Rogério Duarte, o álbum traz canções que se tornaram legendárias: “Tropicália” e o seu “mosaico” de referências de ícones da cultura brasileira (Carmem Miranda, Jovem Guarda, “Garota de Ipanema”, “Iracema”), “Soy Loco Por Ti America” (uma ode a Che Guevara) e a canção que revelou Caetano Veloso, “Alegra, Alegria”, uma mistura da tradição da marcha rancho com a vanguarda do rock psicodélico. Os versos carregam símbolos da cultura de massa como Coca-Cola, Brigitte Bardot, televisão, revistas e o telefone.


Gilberto Gil (Philips, 1968), Gilberto Gil. Segundo e homônimo álbum de estúdio de Gilberto Gil, este álbum é também chamado de Frevo Rasgado, por causa da música de mesmo nome presente nele. O álbum traz uma mescla de referências da cultura popular com as da música pop internacional da época. Gilberto Gil conta com os Mutantes nos vocais de apoio na maioria das faixas. A festiva “Domingou” tem influência dos Beatles, enquanto que “Pé Na Roseira”, apresenta a ciranda pernambucana ao grande público nacional, prevendo com três décadas de antecedência, o manguebeat. Mas a principal faixa do álbum é “Domingo No Parque”, canção que Gil defendeu com os Mutantes no III Festival de Música Popular Brasileira, em 1967.


Os Mutantes (Polydor, 1968), Mutantes. A produção arrojada de Manoel Barenbein e os arranjos do maestro Rogério Duprat, somados ao talento e rebeldia dos Mutantes, ajudaram a produzir um dos álbuns mais importantes do rock brasileiro. Em seu primeiro e homônimo álbum, os Mutantes combinam a psicodelia dos Beatles com a veia poética de Caetano e Gil ("Panis Et Circenses"), com o samba de Jorge Ben (“A Minha Menina”) e com o candomblé concretista de Gilberto Gil (“Batmacumba”).




Gal Costa (Philips, 1969), Gal Costa. A cantora deste álbum em nada lembra a cantora tímida do álbum Domingo, lançado em parceria com o amigo Caetano Veloso, em 1967. Neste seu primeiro e autointitulado álbum solo, Gal Costa é uma outra artista, transfigurada numa versão tropicalista de Janis Joplin. O álbum mostra uma Gal mais diversificada, indo do romantismo pop psicodélico (“Não Identificado”) ao soul (“Se Você Pensa”), passando pelo rock (“Divino Maravilhoso”) e pela bossa-pop (“Baby”). Gal radicalizaria mais ainda na transgressão tropicalista no álbum seguinte, o lisérgico Gal, lançado no mesmo ano de 1969. 


Caetano Veloso (Philips, 1969), Caetano Veloso. Também conhecido como “álbum branco”, o segundo álbum de Caetano Veloso foi gravado quando ele estava em prisão domiciliar em Salvador com Gilberto Gil pelo regime ditatorial militar. Todas as faixas foram gravadas com Caetano acompanhado por Gil ao violão. As fitas foram enviadas para São Paulo, onde os outros instrumentos foram inseridos nas gravações. Quando o álbum foi lançado, Caetano já estava exilado em Londres. Assim como o álbum anterior, o “álbum branco” de Caetano é marcado pelo ecletismo: vai do frevo elétrico de “Atrás Do Trio Elétrico” ao experimentalismo anticomercial de “Acrílico”, do folclore baiano de “Marinheiro Só” ao pop lisérgico tropicalista de “Não Identificado”, e da melancolia de “Irene” à latinidade de “Cambalache”.


Tom Zé (Rozenblit, 1968), Tom Zé.  Também conhecido como Grande Liquidação, este álbum de estreia de Tom Zé é considerado por alguns críticos musicais como o mais tropicalista dos álbuns do Tropicalismo, embora não tenha conseguido o mesmo prestígio dos álbuns tropicalistas de Caetano Veloso, de Gal Costa, de Gilbeto Gil e dos Mutantes. Todas as faixas foram compostas por Tom Zé, e os temas abordados se baseiam em notícias de jornal, na publicidade, no consumismo e no cotidiano das grandes metrópoles. A principal música do álbum é “São São Paulo”, canção com a qual Tom Zé conquistou o 1º lugar no IV Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1968.


Gal (Philips, 1969), Gal Costa. Gal é o álbum mais transgressor que Gal Costa já gravou em toda a sua carreira. A capa é completamente psicodélica e dá ao ouvinte as pistas do conteúdo do álbum. Gal Costa está com os dois pés fincados na psicodelia. Em algumas faixas, a cantora baiana canta totalmente influenciada por Janis Joplin, carregada de muita fúria e rebeldia. Sem o apelo comercial do álbum anterior e bem mais experimental, Gal tem como hit apenas "Meu Nome É Gal", composto por Roberto e Erasmo Carlos especialmente para Gal Costa. As guitarras derramadas de distorção e cheias de efeitos dos pedais wah-wah do genial guitarrista Lanny Gordin, dão um toque "hendrixiano" ao disco, e em alguns momentos, duela com a voz aguda e enraivecida de Gal.


Mutantes (Polydor, 1969), Mutantes. O experimentalismo e a irreverência do primeiro álbum estão presentes neste segundo álbum dos Mutantes, que contam novamente com a produção de Manuel Barenbein e arranjos de Rogério Duprat. Os destaques do álbum ficam para psicodelismo caipira de “2001”, o pop de “Algo Mais”, a regravação de “Banho De Lua”, “Qualquer Bobagem” (regravada nos anos 1990 pelo Pato Fu) e “Caminhante Noturno” (7º lugar no III Festival Internacional da Canção, da TV Globo, em 1968).




Jorge Ben (Philips, 1969), Jorge Ben. Jorge Ben (hoje Jorge Ben Jor) sempre trilhou a sua carreira sem se envolver diretamente a nenhum movimento musical como a Bossa-nova, Jovem Guarda e Tropicalismo. No entanto, tinha laços de amizade com os integrantes de todos esses movimentos. Jorge conseguiu agregar à sua música o que de melhor cada um desses movimentos poderia lhe oferecer. O estilo miscigenado de Jorge em fazer música, que agregava ao samba referências de rock, jazz e soul, o aproximou dos tropicalistas. Neste álbum, Jorge mostra-se bastante afinado com a atmosfera musical tropicalista, e traz uma impecável sequência de canções que já haviam sido gravadas por outros artistas, mas que com seu autor, o próprio Jorge, ganharam uma outra cara, o que fez do um álbum uma espécie de coletânea de sucessos. Destaques para o Trio Mocotó acompanhando Jorge, e para as faixas “Charles Anjo 45”, “Que Pena”, “País Tropical”, “Take It Easy My Brother Charlie” e para o samba psicodélico cheio de ginga “Barbarella”.

Referências:
A Divina Comédia dos Mutantes – Carlos Calado, 1995, Editora 34
Tropicália: A História de uma Revolução Musical – Carlos Calado, 1997, Editora 34
Coleção História do Rock Brasileiro – Volume 1 – novembro/2004 – Edição 53
Wikipedia

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