"Tropicália Ou Panis Et Circencis" (Philips, 1968), vários artistas
Em 1968, o mundo passava por uma grande turbulência. A Guerra do Vietnã continuava ceifando vidas e gerando comoção e protestos em todo o planeta. Na França, os protestos também tomavam conta daquele país em busca de mais liberdade, o mesmo acontecendo em Praga, capital da então Tchecoslováquia. Nos Estados Unidos, o assassinato do líder pacifista Martin Luther King, aos 39 anos, chocou o mundo inteiro. O movimento hippie ganhava força, quebrava paradigmas e revolucionava costumes, impulsionado pelo musical Hair e por astros do rock como Beatles, Rolling Stones , Jimi Hendrix e Janis Joplin. O filme 2001 - Uma Odisseia No Espaço, encantava o público com uma visão futurista da Terra.
Naquele
mesmo ano de 1969, um Brasil mergulhado numa ditadura militar desde 1964 - quando
os militares haviam derrubado o presidente João Goulart (1918-1976) - via as
suas ruas tomadas por protestos, tiros e bombas. A "Passeata dos 100
Mil" invadiu as ruas do Rio de Janeiro protestando contra a ditadura e o
assassinato do estudante Edson Luís, morto por policiais militares num
restaurante. Todo o repúdio ao regime ditatorial que havia se instalado no país
encontrava apoio nas artes, que se tornaram um veículo importantíssimo de
manifestação e denúncia, assim como em alguns veículos de imprensa. Se por uma
lado, a revolta crescia, por outro a repressão crescia proporcionalmente, e
cada vez mais agressiva.
Nesse caldeirão transformador que foi o ano de 1968, os grandes protagonistas foram os jovens. Eles estavam em todas as frentes, promovendo a mudança, seja nas ruas, nos palcos, nas telas de cinema ou na música. E é nesse cenário que o álbum Tropicália Ou Panis Et Circencis veio ao mundo. O álbum coletivo foi uma ideia que teria partido de Caetano Veloso, e que acabou se tornando um disco-manifesto tropicalista.
"Passeata dos 100 Mil", manifestação que mobilizou cem mil pessoas nas ruas do centro do Rio de Janeiro, em 1968, num protesto contra a ditadura militar no Brasil. |
Nesse caldeirão transformador que foi o ano de 1968, os grandes protagonistas foram os jovens. Eles estavam em todas as frentes, promovendo a mudança, seja nas ruas, nos palcos, nas telas de cinema ou na música. E é nesse cenário que o álbum Tropicália Ou Panis Et Circencis veio ao mundo. O álbum coletivo foi uma ideia que teria partido de Caetano Veloso, e que acabou se tornando um disco-manifesto tropicalista.
Com produção
de Manoel Barenbein e arranjos do maestro Rogério Duprat, Tropicália Ou Panis Et Circencis foi
uma espécie de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band tropicalista",
dado o experimentalismo e ousadia empregados no disco. Além de Caetano, o álbum
contou com a participação de Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes e
Tom Zé.
A capa de Tropicália
Ou Panis Et Circencis faz uma certa referência ao célebre disco dos
Beatles, mas ao mesmo tempo, lembra as antigas fotos de famílias brasileiras da
primeira metade do século XX, porém dentro de um olhar mais contemporâneo. Na
capa aparecem Gilberto Gil sentado ao chão segurando a foto do poeta baiano
José Carlos Capinam, coautor de um das canções do disco; o maestro Rogério
Duprat segura um penico como se fosse uma xícara de chá; Caetano exibe uma foto
de Nara Leão, que participou do álbum gravando uma das faixas; Gal e o poeta
Torquato Neto sentados juntos como se fossem um comportado casal de namorados;
ao fundo, mais acima, os Mutantes e Tom Zé, este segurando uma valise como se
tivesse acabado de chegar de viagem.
A foto da
capa foi feita na casa do fotógrafo Olivier Perroy, em São Paulo, enquanto que
a arte gráfica nas cores da bandeira brasileira, ficaram a cargo do artista
plástico Rubens Gerchman (1942-2008). Gerchman fez a combinação da foto com as
faixas coloridas tendo como inspiração a sua própria série de obras intituladas
"Caixas de Morar".
Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e uma obra de Rubens Gerchman da série "caixa de Armar": inspirações para Tropicália Ou Panis Et Circencis. |
O título do
álbum nada mais é do que a junção do nome de duas músicas tropicalistas:
"Tropicália", presente no primeiro álbum solo de Caetano, mas que
ficou de fora do disco coletivo, e "Panis Et Circenses", gravada
pelos Mutantes especialmente para o disco-manifesto e que em latim significa
"Pão e Circo". A capa traz ainda outra curiosidade: a palavra "circencis",
tanto na capa, quanto na contrapa - na lista das faixas - está com a grafia
errada. O certo seria "circenses". Nos relançamentos posteriores em
CD, houve a correção, porém apenas no título da canção na lista de faixas na
contra capa. Mantiveram a grafia errada presente na capa, provavelmente para
preservar a arte original e histórica.
O álbum
coletivo começa em tom litúrgico através do som de um órgão de igreja: é a
senha para a primeira faixa, "Miserere Nobis", com Gilberto Gil
acompanhado dos Mutantes. Assim como algumas das outras faixas do álbum, "Miserere
Nobis" possui mensagens cifradas que são críticas dirigidas à ditadura
militar. O refrão em latim "Miserere-re
nobis / Ora, ora pro nobis" que quer dizer "Tende piedade de nós / Orai, orai por nós", aparenta ser
uma espécie de súplica a Deus pelo momento sombrio e sem esperanças em que o
Brasil se encontrava. Os versos finais, onde Gil canta de madeira soletrada,
escondem outra mensagem cifrada, como se fosse um código: "Bê, rê, a - Bra / Zê, i, lê - zil / Fê, u -
fu / Zê, i, lê - zil / Cê, a - ca / Nê, agá, a, o, til - ão". Ao
decifrar esses versos o resultado é surpreendente: Brazil, fuzil, canhão.
Sons de
tiros de canhão emendam o final de "Miserere Nobis" com o início da
faixa seguinte, "Coração Materno", uma regravação de uma antigo
sucesso de Vicente Celestino (1894-1968), de 1951. O cantor alcançou grande
popularidade com seu vozeirão operístico entre os anos 1930 e 1950, cantando
canções carregadas de dramaticidade. Entrou em decadência nos anos 1960 com o
surgimento da bossa-nova e da Jovem Guarda. Sua música e sua maneira de cantar
passaram a ser considerados cafona pelos mais jovens na época. A regravação de
Caetano Veloso para o disco, foi um resgate do cantor, ainda que a canção fosse
considerada de péssimo gosto pela crítica. "Coração Materno" conta a
história de um camponês que arranca o coração da própria mãe para oferecer à
mulher que amava como prova de amor. Os arranjos orquestrados do maestro
Rogério Duprat e a voz empostada de Caetano, reforçam o teor melodramático da
canção.
A faixa seguinte é a psicodélica "Panis Et Circensis", composta por Caetano Veloso e Giberto Gil, tendo os Mutantes como intérpretes. A música é uma crítica à sociedade conservadora e conformista. Num trecho, versos parecem fazer uma alusão à maconha: "Mandei plantar / Folhas de sonho no jardim do solar". "Panis Et Circensis" é cheia de efeitos, recortes e colagens sonoras na sua gravação. No meio da faixa, a música diminui a rotação bruscamente como se o aparelho de som estivesse com defeito, mas foi puro truque de gravação. A sociedade conservadora está representada de maneira debochada no trecho onde se ouve ruído de copos, talheres e pessoas jantando ao som da valsa "Danúbio Azul", de Johan Strauss (1825-1899), na reta final da música.
O Tropicalismo resgatou o prestígio de Vicente Celestino. |
A faixa seguinte é a psicodélica "Panis Et Circensis", composta por Caetano Veloso e Giberto Gil, tendo os Mutantes como intérpretes. A música é uma crítica à sociedade conservadora e conformista. Num trecho, versos parecem fazer uma alusão à maconha: "Mandei plantar / Folhas de sonho no jardim do solar". "Panis Et Circensis" é cheia de efeitos, recortes e colagens sonoras na sua gravação. No meio da faixa, a música diminui a rotação bruscamente como se o aparelho de som estivesse com defeito, mas foi puro truque de gravação. A sociedade conservadora está representada de maneira debochada no trecho onde se ouve ruído de copos, talheres e pessoas jantando ao som da valsa "Danúbio Azul", de Johan Strauss (1825-1899), na reta final da música.
Outrora musa
da bossa-nova, Nara Leão (1942-1989) participa do álbum coletivo tropicalista
cantando "Lindoneia", um bolero propositadamente cafona composto por
Caetano Veloso inspirado no quadro A Bela
Lindoneia ou A Gioconda do Subúrbio, do artista plástico pop Rubens
Gerchman, o mesmo que fez o design gráfico da capa do disco. A letra versa
sobre uma jovem suburbana cheia de sonhos que desaparece misteriosamente, algo
que nos tempos da repressão ditatorial dos militares era comum no Brasil.
Gilberto
Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Mutantes e Tom Zé cantam juntos em "Parque
Industrial", música de Tom Zé que faz uma leitura debochada e irônica do
processo industrial e urbano pelos quais o Brasil passava naquele momento.
O
Tropicalismo está representado de maneira sintética em "Geleia
Geral", na voz de Gil. A canção faz um retrato de um país cultural e
etnicamente misturado, e ao mesmo tempo contraditório, onde miséria e riqueza, o
tradicional (bumba-meu-boi, escola de samba, banana, santo barroco baiano,
carne-seca) e o moderno (TV, avião a jato, Formiplac, Jornal do Brasil, LP,
iê-iê-iê) convivem juntos.
A Bela Lindoneia, de Ruibens Gerchman, obra que inspirou a canção "Lindoneia". |
"Geleia
Geral" ainda traz em seus versos, citações sutis de músicas, poemas ou
frases de outros autores, a começar pelo título da música que foi uma expressão
criada pelo poeta Décio Pignatari (1927-2012). Outras citações: "A alegria é a prova dos nove", frase de Oswald de
Andrade (1890-1954) no seu "Manifesto Antropofágico", de 1928; o
poema "Canção do Exílio, de Gonçalves Dias ("Minha terra é onde o sol é mais limpo"); "Carolina",
canção de Chico Buarque ("E outra
moça também Carolina / Da janela examina a folia"); Hino à Bandeira do
Brasil ("Salve o lindo pendão dos
teus olhos"). A música termina com Gil cantando em cima do naipe de
metais executando acordes "emprestados" de "Disparada", de
Geraldo Vandré, apesar deste ter sido na época um forte oposicionista dos
ideais tropicalistas.
A bela
bossa-pop "Baby" foi composta por Caetano Veloso para sua irmã, Maria
Bethânia, gravar para o álbum tropicalista. Porém, Bethânia recusou-se a
gravá-la porque não queria ser vinculada ao movimento. Coube a Gal Costa gravar
"Baby", e de uma forma divinamente bela. "Baby" carrega um
ar de sofisticação e modernidade nos seus arranjos, que cruzam elementos de
bossa-nova e música pop. A canção termina num dueto entre Gal e Caetano Veloso:
ela cantando o refrão da canção e Caetano fazendo o contraponto cantando em
inglês o refrão de "Diana", música imortalizada por Paul Anka.
"Baby" acabou sendo incluída no primeiro álbum solo de Gal Costa,
lançado no começo de 1969.
"Três
Caravelas" (Las Carabelas)", de Augusto Algueró Jr. e G. Moreu,
ganhou uma versão em português através de João de Barro, e foi gravada pela
primeira vez no Brasil em 1957 por Emilinha Borba em ritmo de baião. Para o
álbum tropicalista, Caetano e Gil gravaram num delicioso e alegre ritmo de cha,
cha, cha. Caetano e Gil se revezam cantando trechos em português e em espanhol
sobre chegada de Cristóvão Colombo ao continente americano em 1492.
O escritor Oswald de Andrade, assim como a Semana de Arte Moderna de 1922, da qual participou, exerceram forte influência sobre o Tropicalismo. |
Na faixa
seguinte, "Enquanto Seu Lobo Não Vem", o clima fica sombrio com Caetano
Veloso acompanhado de Gal Costa e Rita Lee fazendo os vocais de fundo. O que
nos versos aparentemente parece se referir a um simples passeio pela cidade, na
verdade é uma convocação velada para povo ir para as ruas: "Vamos passear na floresta escondida, meu amor / Vamos passear na
avenida / Vamos passear nas veredas, no alto meu amor / Há uma cordilheira sob
o asfalto". A canção é mais uma demonstração de oposição do movimento tropicalista
à ditadura militar presente no álbum Tropicália
Ou Panis Et Circencis. "Enquanto Seu Lobo Não Vem" é ainda
sutilmente provocativa nos arranjos ao incluir um trecho do hino comunista
"A Internacional" e do Hino à Bandeira do Brasil. Ao final, a
provocação fica mais explícita a respeito do estado de tensão do Brasil naquele
momento: "(Os clarins da banda
militar…) / Debaixo das bombas, das bandeiras / (Os clarins da banda militar…)
/ Debaixo das botas / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo das rosas, dos
jardins / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo da lama / (Os clarins da
banda militar…) / Debaixo da cama". A cada verso cantado por Caetano,
era sucedido pelo coro de Gal e Rita cantando repetidamente "Os clarins da banda militar"
que é mais uma citação presente na música: é um verso "emprestado" de
uma antiga canção de Dorival Caymmi, "Dora".
"Mamãe
Coragem" é talvez a faixa mais sensível e tocante do álbum. Com letra de
Torquato Neto (1944-1972) musicada por Caetano Veloso, "Mamãe
Coragem" faz referências ao filho que corta o "laço umbilical"
com a mãe e ganha o mundo, vai viver a sua vida, as suas experiências. A letra
da canção seria autobiográfica, referindo-se ao próprio Torquato que deixou a família
na sua cidade natal, Teresina, no Piauí, para estudar em Salvador na
adolescência. "Mamãe Coragem" traz citações literárias a começar pelo
título, inspirado na peça Mãe Coragem e
Seus Filhos, de 1939 escrita por Bertold Brecht (1898-1956), e a de dois
livros: Elzira, A Morta Virgem, de
Pedro Ribeiro Vianna, e O Grande
Industrial, de Jorge Ohnet: "Pegue
uns panos pra lavar / Leia um romance / Leia 'Elzira morta virgem' / 'O grande
industrial".
Elzira, A Morta Virgem e O Grande Industrial: citações literárias em "Mamãe Coragem". |
Gilberto Gil
e Mutantes retornam juntos em "Batmacumba", uma música que é mais um
exemplo de síntese do Tropicalismo. A letra é uma poesia concreta que tem
apenas um verso ("Bat Macumba ê ê,
Bat Macumba obá") que se repete, mas que num dado momento, a cada
repetição, perde uma sílaba até se resumir à sílaba "ba". A partir
daí faz o caminho contrário, ganhando de volta cada sílaba perdida até
restaura-se por completo. Composta por Gilberto Gil, a letra faz uma articulação
entre as referências afro-brasileiras (macumba, baobá, uma árvore de origem
africana) com referências estrangeiras ("bat", morcego em inglês), e
Batman (super-herói das histórias em quadrinhos, uma linguagem da cultura de
massa), e tudo construído dentro da estética da poesia concreta, na qual a
letra da canção ganha a forma da letra "K".
O álbum
chega ao final com o "Hino Ao Senhor do Bonfim", que conta com a
participação de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Os Mutantes. A música
termina com gritos, sirenes e tiros de canhão, em mais uma alusão ao clima
tenso das ruas brasileiras tomadas por manifestantes que enfrentavam as forças
repressivas da ditadura militar. Essa versão do "Hino Ao Senhor do
Bonfim" feita pelos tropicalistas, se tornou a mais famosa e mais
executada na Bahia, seja nos festejos da Lavagem da Igreja do Bonfim, em
Salvador, ou nas rádios daquela cidade.
A gravadora
Philips lançou Tropicália Ou Panis Et Circencis no final de julho de 1968. O
álbum foi bem recebido por boa parte da imprensa, inclusive pelos críticos que
tinham restrições ao Tropicalismo, mas que acabaram se rendendo à qualidade e à
criatividade da produção do álbum, em especial, aos arranjos do maestro Rogério
Duprat. Em agosto de 1968, a gravadora Philips promoveu duas festas de
lançamento para a promoção do Tropicália Ou Panis Et Circencis,
uma na boate Dancing Avenida, no Rio de Janeiro, no dia 07, e outra no Avenida
Danças, em São Paulo, no dia 12 do mesmo mês. Em ambas as festas promocionais -
bastante concorridas contando com vários convidados - os artistas que gravaram
o disco se apresentaram.
O lançamento de Tropicália Ou Panis Et Circencis contribuiu para que o movimento tropicalista se tornasse mais atuante, combativo e polêmico durante o resto do ano de 1968. Em setembro daquele ano, Caetano Veloso participa do 3º Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo com a música "É Proibido Proibir", acompanhado dos Mutantes. Sua apresentação ao lado dos Mutantes foi caótica: vestidos com roupas de plástico, o baiano e abanda paulista enfrentaram a fúria do público que vaiava. Caetano tentava cantar, mas ao mesmo fazia um discurso violento contra a plateia e a banca de jurados. A canção acabou sendo desclassificada, mas aquela apresentação de Caetano e os Mutantes se tornou histórica.
Show de lançamento do álbum Tropicália Ou Panis Et Circencis na boate Avenida Danças, em São Paulo, em agosto de 1968. |
O lançamento de Tropicália Ou Panis Et Circencis contribuiu para que o movimento tropicalista se tornasse mais atuante, combativo e polêmico durante o resto do ano de 1968. Em setembro daquele ano, Caetano Veloso participa do 3º Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo com a música "É Proibido Proibir", acompanhado dos Mutantes. Sua apresentação ao lado dos Mutantes foi caótica: vestidos com roupas de plástico, o baiano e abanda paulista enfrentaram a fúria do público que vaiava. Caetano tentava cantar, mas ao mesmo fazia um discurso violento contra a plateia e a banca de jurados. A canção acabou sendo desclassificada, mas aquela apresentação de Caetano e os Mutantes se tornou histórica.
Um mês
depois, em outubro, Caetano se envolveu em mais uma polêmica, desta vez durante
um show na boate Sucata, no Rio de Janeiro, juntamente com Gilberto Gil e os Mutantes.
No cenário do show, teria sido exposta uma bandeira pintada pelo artista
plástico Hélio Oiticica (1937-1980), onde se via a imagem do corpo do
traficante Cara de Cavalo, morto por policiais ligados à organização Scuderie
Le Cocq, em 1964. A imagem era acompanhada da inscrição Seja Marginal, Seja Herói. O fato gerou mal estar, e o show foi
suspenso com o fechamento da casa de espetáculo naquela noite pelas autoridades.
Ainda em
outubro, estreava na TV Tupi, o programa anárquico Divino Maravilhoso, comandado por Caetano e Gil, mas que contava
com a participação dos outros artistas tropicalistas. O título do programa era
o mesmo de uma canção composta por Caetano e que foi defendida por Gal Costa em
novembro, no 3º Festival Internacional da Canção, numa apresentação eletrizante
da cantora baiana que deixou brotar o seu lado roqueiro.
Em dezembro, Caetano e Gil foram presos em São Paulo, muito por conta do ato polêmico na boate Sucata. Os líderes tropicalistas foram presos poucos dias após o presidente ditador Artur da Costa e Silva emitir o Ato Institucional Nº 5, mais conhecido como AI-5, que foi implacável a qualquer um que se opusesse ao regime ditatorial. Cassar mandatos políticos, fazer intervenções, censurar veículos de comunicação, prender e torturar qualquer um que se opusesse ao regime ditatorial, foram apenas alguns dos plenos poderes que o AI-5 assegurou ao presidente. Caetano e Gil foram algumas das primeiras figuras públicas vitimadas pelo AI-5. Os dois baianos certamente já estavam na mira dos militares, haviam se tornado um "problema", assim como outros artistas e intelectuais que faziam oposição aberta à ditadura. Após serem presos em São Paulo, Caetano e Gil foram levados para um quartel do Exército no Rio de Janeiro, onde ficaram por cerca de dois meses.
Tropicalismo na TV: programa Divino Maravilhoso, na TV Tupi, em 1968. |
Em dezembro, Caetano e Gil foram presos em São Paulo, muito por conta do ato polêmico na boate Sucata. Os líderes tropicalistas foram presos poucos dias após o presidente ditador Artur da Costa e Silva emitir o Ato Institucional Nº 5, mais conhecido como AI-5, que foi implacável a qualquer um que se opusesse ao regime ditatorial. Cassar mandatos políticos, fazer intervenções, censurar veículos de comunicação, prender e torturar qualquer um que se opusesse ao regime ditatorial, foram apenas alguns dos plenos poderes que o AI-5 assegurou ao presidente. Caetano e Gil foram algumas das primeiras figuras públicas vitimadas pelo AI-5. Os dois baianos certamente já estavam na mira dos militares, haviam se tornado um "problema", assim como outros artistas e intelectuais que faziam oposição aberta à ditadura. Após serem presos em São Paulo, Caetano e Gil foram levados para um quartel do Exército no Rio de Janeiro, onde ficaram por cerca de dois meses.
Por volta de
fevereiro de 1969, Caetano e Gil foram mandados para Salvador, e na capital
baiana, foram proibidos de deixar a cidade, de dar entrevistas e fazer shows, a
menos com autorização dos militares. Dentro de um apartamento onde estavam
confinados, Caetano gravou voz para o seu próximo álbum, acompanhado de um
violão tocado por Gil, sob supervisão do maestro Rogério Duprat e do produtor Manoel
Barenbein que haviam se deslocado para Salvador para colher esse material. Não
havia em Salvador na época estúdio de gravação com recursos mínimos para se
gravar material para um disco. Duprat e Barenbein pegaram as fitas e voltaram
para São Paulo, onde acrescentaram os outros instrumentos ao material gravado
em Salvador.
Manchete do Jornal do Brasil de 14 de dezembro de 1968 sobre o AI-5, decretado pelo então presidente Costa e Silva. |
Em
julho de 1969, Caetano e Gil foram liberados para fazerem dois shows no Teatro
Castro Alves, em Salvador, que chegaram a ser gravados de maneira precária, e
lançados no álbum Barra 69 - Caetano e Gil Ao Vivo na Bahia, em 1972. A duas apresentações foram na verdade uma forma
de se angariar fundos para que os dois líderes tropicalistas deixassem o Brasil
e partissem para o exílio em Londres, Inglaterra, o que de fato acabou
acontecendo. Após as duas apresentações, Caetano e Gil, acompanhados das suas
respectivas esposas, deixaram o Brasil, e partiram o exílio londrino que durou
três anos. Em agosto de 1969, já com Caetano exilado na Inglaterra, aqui no
Brasil chegava às lojas o segundo álbum do cantor, com uma capa toda branca e
trazendo apenas nela o nome do artista.
Com a
partida de Caetano Veloso e Gilberto Gil para o exílio, chegava ao fim o
movimento tropicalista. No entanto, apesar de ter chegado ao seu final, o
Tropicalismo abriu novos caminhos para a música brasileira e influenciando
gerações de artistas ao longo dos últimos 50 anos no campo da diversidade
musical. Dos Secos & Molhados e o Acabou Chorare dos Novos Baianos, a Selvagem
dos Paralamas do Sucesso e Da Lama Ao Caos do Chico Science
& Nação Zumbi e o movimento manguebeat, passando pela axé music, todos eles
sofreram algum tipo de influência do Tropicalismo, o que faz de Tropicália Ou Panis Et Circencis um álbum ainda bastante relevante.
Lado A
1. "Miserere Nóbis"
(Gilberto Gil - José Carlos Capinam) Gilberto Gil / Os Mutantes
2. "Coração Materno"
(Vicente Celestino) Caetano Veloso
3. "Panis Et Circensis"
(Gilberto Gil - Caetano Veloso) Os Mutantes
4. "Lindonéia" (Gilberto
Gil - Caetano Veloso) Nara Leão
5. "Parque Industrial" (Tom
Zé) Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa E Os Mutantes
6. "Geléia Geral" (Gilberto
Gil - Torquato Neto) Gilberto Gil
Lado B
1. "Baby" (Caetano Veloso)
Gal Costa E Caetano Veloso
2. "Três Caravelas (Las Tres
Carabelas)" (Augusto Algueró Jr. - G. Moreu - Versão: João De Barro)
Caetano Veloso e Gilberto Gil
3. "Enquanto Seu Lobo Não
Vem" (Caetano Veloso) Caetano Veloso
4. "Mamãe, Coragem"
(Caetano Veloso - Torquato Neto) Gal Costa
5. "Bat Macumba" (Gilberto
Gil - Caetano Veloso) Gilberto Gil
6. "Hino Ao Senhor Do Bonfim Da
Bahia" (João Antonio Wanderlei - Petin De Villar) Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Gal Costa e Os Mutantes
Confira na íntegra o álbum Tropicália ou
Panis Et Circencis
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