“Gal” (Philips, 1969), Gal Costa


Gal Costa ainda desfrutava do sucesso comercial do seu primeiro e autointitulado primeiro álbum solo, lançado em 1969, quando no segundo semestre do mesmo ano, lançou o segundo álbum, Gal, considerado o mais experimental e psicodélico da carreira da cantora baiana. A arte psicodélica da capa, um trabalho do artista plástico baiano Dircinho, já dá pistas do conteúdo sonoro do álbum. Se o primeiro álbum solo, mostrava uma Gal Costa bem mais extrovertida do que a da sua estreia em disco, o álbum Domingo (1967), gravado em dueto com Caetano Veloso e mais voltado à bossa-nova, Gal traz a cantora baiana numa versão mais explosiva e radical do que dos dois álbuns anteriores.

Sob total influência de Janis Joplin, Gal Costa canta de uma maneira mais raivosa e ameaçadora. O radicalismo musical e visual pelos quais passava a cantora, eram um reflexo do momento turbulento e sombrio em que o Brasil estava mergulhado, conduzido por uma ditadura militar que através do AI-5 (Ato Institucional Nº5), promulgado no final de 1968, que limitou ainda mais a liberdade de pensamento no país e perseguiu todos aqueles que o regime julgava uma ameaça, dentre eles, Caetano Veloso e Gilberto. Ambos foram presos e meses depois obrigados a partir para um exílio na Inglaterra, fazendo com que o movimento tropicalista que tanto incomodava o regime, perdesse suas duas principais figuras de liderança. Sem Caetano e sem Gil, Gal Costa se tornara uma porta-voz do pouco do que restou do Tropicalismo. 


Gal Costa em versão psicodélica e rebelde.

Produzido por Manoel Barenbein, e com arranjos e direção musical de Rogério Duprat, o álbum começa com uma Gal Costa um tanto quanto tranquila, mas que no decorrer das faixas, vai pondo para fora uma fera contida dentro de si, ao mesmo tempo que as músicas vão se tornando mais ruidosas e experimentais, com destaque para os solos de guitarra de Lanny Gordin, uma espécie de “Jimi Hendrix tropicalista”.

Composta por Caetano Veloso, “Cinema Olympia” é quem abre o álbum Gal. A música faz referência a um antigo cinema que havia na Baixa dos Sapateiros, em Salvador, frequentado pelas camadas mais populares da população soteropolitana da época. Conforme a letra da música, o cinema era famoso pelas matinês que exibiam filmes antigos de faroeste como os de Tom Mix e Buck Jones, pelo público que promovia bagunça durante as sessões, pelo ambiente sujo e pelas cadeiras cheias de pulgas.


Fachada atual do antigo Cinema Oympia, na Baixa dos Sapateiros, em Salvador.
No passado, o cinema inspirou Caetano Veloso a compor 'Cinema Olympia".

A faixa seguinte é “Tuareg”, de Jorge Ben, uma canção com arranjos bem elaborados, fazem o ouvinte viajar até o deserto do Saara, no norte da África. Os tuaregues são um povo nômade que vive naquela região desértica africana. No entanto, a letra mostra uma mensagem cifrada, e parece dizer mais sobre a realidade política brasileira do que a daquele povo do norte da África. O tuaregue retratado na música seria provavelmente o guerrilheiro urbano que participava da guerrilha urbana contra a ditadura militar, em confrontos que ocorriam nas grandes cidades brasileiras no final dos anos 1960: “Pois ele é guerreiro / Ele é bandoleiro / Ele é justiceiro / Ele é mandingueiro / Ele é um Tuareg”.

A partir da terceira faixa, “Cultura E Civilização”, de Gilberto Gil, o tom vocal de Gal Costa torna-se mais agressivo e rasgado. Em “País Tropical”, de Jorge Ben, Gal Costa conta com a participação discreta de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Não se sabe ao certo como se deram as participações de Caetano e Gil, já que na época de gravação do disco, ambos estavam em prisão domiciliar em Salvador.


Caetano Veloso e Gilberto Gil: antes de partirem para o exílio em Londres,
gravaram participação juntos na faixa "País Tropical" com a amiga  Gal Costa.

Fechando o lado A, “Meu Nome É Gal”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, foi composta especialmente pela dupla para Gal Costa. Roberto e Erasmo conseguiram muito bem retratar na letra da canção, o perfil jovem e libertário de Gal Costa. Durante um trecho da canção, Gal descreve quem ela era naquele momento: 

“Meu nome é Gal, tenho 24 anos
Nasci na Barra Avenida, Bahia
Todo dia eu sonho alguém pra mim
Acredito em Deus, gosto de baile, cinema
Admiro Caetano, Gil, Roberto, Erasmo,
Macalé, Paulinho da Viola, Lanny

Rogério Sganzerla, Jorge Ben, Rogério Duprat,
Waly, Dircinho, Nando,
E o pessoal da pesada
E se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar
Não precisa sobrenome
Pois é o amor que faz o homem."


Roberto Carlos (à direita) compôs com Erasmo Carlos canção
especialmente para Gal Costa gravar, "Meu Nome É Gal".

O lado B do álbum começa com o baixo pulsante e a guitarra estridente de “Com Medo, Com Pedro”, de Gilberto Gil, que traz como destaque as várias camadas de vozes de Gal Costa cheias de efeitos de eco. “The Empty Boat”, de Caetano Veloso, foi gravada pelo próprio no seu “álbum branco”, numa versão mais intimista. Única faixa em inglês do álbum Gal, versão de Gal Costa para “The Empty Boat” segue num caminho oposto: uma interpretação mais enfurecida, berrada e caótica, em que a cantora conta com a participação de Jards Macalé nos vocais. “Objeto Sim, Objeto Não”, é mais uma música de Gilberto Gil presente no álbum.

“Pulsars e Quasars”, de Capinam e Jards Macalé, encerra a lisergia musical do álbum Gal. A música é mais uma do álbum dotada de muito experimentalismo, regado a muitos ecos de vozes e distorções da guitarra psicodélica de Lanny Gordin. Num trecho da música, versos citam discretamente Caetano e Gil em uma espécie de homenagem:
“O inverso, um ser mutante universal / Meu ingresso para as touradas do mal
Dos sóis, Cá e Gil me mandem notícias logo / A sós, pulsos abertos, eu volto”.


Lanny Gordin, o mais destacado guitarrista do Tropicalismo e que
teve uma participação importante no álbum Gal.

Em novembro de 1969, Gal Costa iniciou uma temporada de shows no Teatro Oficina, no Rio de Janeiro, ao lado de Jards Macalé, do guitarrista Lanny Gordin e da banda Som Beat. Amparado no repertório dos álbuns Gal Costa e Gal, o espetáculo passou por outras cidades brasileiras. No ano seguinte, em 1970, após uma viagem à Inglaterra, onde visitou Caetano Veloso, Gilberto e suas respectivas esposas, Gal Costa retornou ao Brasil com novas canções e lançou o álbum Legal, que inclui “London London”, de Caetano Veloso, e a regravação “Eu Sou Terrível”, de Roberto e Erasmo Carlos. Legal foge completamente do radicalismo psicodélico de Gal, e foca numa sonoridade mais amena e aberta, flertando com o blues, a MPB, a folk music, o jazz, e até o frevo.

Faixas

Lado A

  1. "Cinema Olympia" (Caetano Veloso)
  2. "Tuareg"  (Jorge Ben)
  3. "Cultura e Civilização" (Gilberto Gil)
  4. "País Tropical"   (Jorge Ben)  
  5. "Meu Nome é Gal"  (Roberto Carlos - Erasmo Carlos)
           
Lado B           

  1. "Com Medo, Com Pedro" (Gilberto Gil)                  
  2. "The Empty Boat" (Caetano Veloso)            
  3. "Objeto Sim, Objeto Não" (Gilberto Gil)
  4. "Pulsars e Quasars" (Jards Macalé – Capinam)




Ouça na íntegra o álbum Gal

Comentários

  1. Legal a fachada do cinema olympia,aquela gravação da Elis Regina é uma coisa de louco!

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