"Cinema Mudo" (EMI-Odeon, 1983), Os Paralamas do Sucesso


Por Sidney Falcão 

A amizade de Herbert Vianna e Bi Ribeiro nasceu quando os dois eram crianças em Brasília. Embora tenha nascido em João Pessoa, na Paraíba, Herbert mudou-se para Brasília com sua família quando ele tinha dois anos de idade, em 1963, por causa da carreira militar de seu pai, que era piloto da Força Aérea Brasileira. Filho de diplomata, Bi Ribeiro nasceu no Rio de Janeiro, e no começou dos anos 1970, ele e sua família mudaram-se para Brasília, onde seu pai assumiu o cargo de chefe de cerimonial da presidência da República. 

O contato de Herbert com a música aconteceu ainda na infância, quando aprendeu a tocar violão, enquanto que Bi apenas ouvia discos. Na adolescência, além de andar de skate pelas superquadras de Brasília, Herbert e Bi ouviam discos de seus ídolos do rock, sobretudo os dos anos 1960, como Jimi Hendrix, Cream, Santana e Free. Ainda nessa época, Herbert e Bi conheceram aqueles que mais tarde se tornariam seus colegas de profissão e ídolos do rock como eles, os então adolescentes Renato Russo e Dado Villa-Lobos (futuros membros da Legião Urbana) e Dinho Ouro-Preto (futuro Capital Inicial). 

Em 1977, o pai de Herbert foi transferido para o Rio de Janeiro, e toda a família Vianna deixa a capital federal. No ano seguinte, foi a vez de Bi Ribeiro e sua família se mudarem de Brasília para o Rio de Janeiro. E assim, Herbert e Bi retormaram a amizade. 

Após uma viagem a Paris, Bi retornou ao Brasil com um contrabaixo elétrico. Foi a partir de então que Bi começou os primeiros ensaios com Herbert, que já tocava guitarra. Munidos de seus instrumentos e de um amplificador precário, os dois jovens ensaiavam na casa de Dona Ondina, avó de Bi, em Copacabana, no Rio, sem baterista.

Bi Ribeiro e Herbert Vianna nos primeiro ensaios no final
dos anos 1970, no Rio de Janeiro.

Os ensaios da dupla diminuem em 1979, depois que Herbert ingressou na UFRJ (Universidade Federal do Rio Janeiro) para cursar Arquitetura e Bi na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) para cursar Zootecnia. Ainda assim, Herbert e Bi prosseguiram na medida do possível com os ensaios e passaram contar com a participação de mais um integrante, Vital Dias (1959-2015), um colega dos tempos de cursinho pré-vestibular que ficou na percussão improvisada. Contudo, os ensaios foram diminuindo cada vez mais até que pararem, porque Herbert e Bi não tinham tempo disponível para ensaiar devido à vida corrida de estudantes universitários.

Dois anos depois, em 1981, Herbert, Bi e Vital se reencontraram. Bi comentou com os dois que os amigos em Brasília haviam montado bandas punks e estavam agitando o cenário roqueiro daquela cidade. Os três sentiram-se motivados para retomar os ensaios, e desta vez, com a novidade de Vital ter adquirido uma bateria. 

Ainda em 1981, Bi inscreveu o trio num festival da UFRRJ com três músicas, "Patrulha Noturna", "Viral E Sua Moto" e "Encruzilhada Agrícola-Industrial", mas não foram selecionadas. Mesmo assim, Bi convenceu os organizadores do festival para que a sua banda tocasse na noite de encerramento do evento. Porém, no dia da apresentação marcada, por algum motivo, Vital não apareceu. Em seu lugar, tocou um estudante de curso de Licenciatura em Ciências Biológicas de UFRRJ, João Barone, que também tocava bateria e estava presente no local para assistir à final do festival. Bi e Herbert já haviam conhecido Barone antes através de amigos em comum. O show foi um sucesso e Bi e Herbert ficaram bastante impressionados com a habilidade de Barone.

Quase um ano depois, em setembro de 1982, Vital deixa os Paralamas e é substituído por João Barone, que naquele momento era baterista de uma banda que tocava covers dos Beatles. Por algum tempo, Herbert e Bi já nutriam o interesse em ter Barone na banda. Assim como Herbert e Bi, Barone gostava de reggae e era um admirador da banda The Police. Seu estilo de tocar bateria era muito influenciado pelo baterista Stewart Copeland, baterista do Police. 

Depois daquele show, a vontade de Bi e Herbert em ter Barone na banda era grande. Mas havia um entrave: Bi e Herbert se viam constragidos em ter que dispensar o amigo Vital do posto de baterista da banda. A inevitável saída de Vital da banda acontece em setembro de 1982, e finalmente Barone assume o posto de baterista da banda. 

A primeira apresentação oficial da banda como Paralamas do Sucesso e já com Barone como baterista ocorreu na Sala de Estudos da UFRRJ, em 21 de outubro de 1982. 

Vital Dias, primeiro baterista dos Paralamas do Sucesso, em foto
provavelmente dos anos 2010.

No mês seguinte, os Paralamas do Sucesso se apresentaram no Bar Western, no Rio de Janeiro. Com a cachê gravaram um fita demo com quatro músicas, "Vital E Sua Moto", "Patrulha Noturna", "Encruzilhada Agrícola-Industrial" e "Solidariedade Não". Através do irmão de Herbert, Hermano Vianna, a fita chegou ao radialista Maurício Valladares, que tinha um programa de rock na Fluminense FM, do Rio Janeiro. A emissora tinha uma programação voltada para o rock e era o principal canal radiofônico disseminador das novas bandas cariocas de rock surgiam. 

Não demorou muito, e a versão demo de "Vital E Sua Moto" conquistou o público e se tornara umas da músicas mais tocadas na programção da Fluminense FM. Logo surgiu o convite para os Paralamas serem a atração de abertura dos shows de Lulu Santos no Circo Voador, no Rio. 

O sucesso de "Vital E Sua Moto" na Fluminense FM e os Paralamas no palco do Circo Voador chamaram a atenção da EMI-Odeon, com quem o trio assinou contrato em março de 1983. Naquele mesmo mês, os Paralamas do Sucesso entraram em estúdio para gravar o primeiro compacto (single) com as canções "Vital E Sua Moto" e "Patrulha Noturna", sob a produção de Marcelo Sussekind, que além de produtor, era guitarrista da banda Herva Doce.

Os Paramas do Sucesso posando para foto na ocasião da assinatura do
seu primeiro contrato com a EMI.

Durante o processo de gravação de seu álbum estreia, os Paralamas do Sucesso sofreram forte pressão da produção e da direção artística da gravadora EMI-Odeon. Por serem muito jovens e inexperientes, Herbert, Bi e Barone tiveram que se submeter ao formato imposto pelo diretor artístico da gravadora na época, Miguel Plopschi, que também era saxofonista da banda Fevers. Enquanto os Paralamas vinham numa linguagem musical totalmente nova, inspirada na vanguarda roqueira daquele começo dos anos 1980, baseada em referências da new wave, do punk e do movimento 2 tone, Plopschi tentava enquadrar o estilo da banda dentro de um padrão "engessado", sem liberdade criativa. O produtor Marcelo Sussekind não podia fazer muita coisa, até porque era subordinado a Plopschi. 

Para se ter uma ideia, Plopschi impôs alterações na música "Vital E Sua Moto", que foi gravada diferente da versão da fita demo e que fez grande sucesso na programação da Fluminense FM. Para a versão de "Vital E Sua Moto" gravada na EMI, foi de Plopschi a ideia de colocar os versos "Vital passou a se sentir total / Com seu sonho de metal", que na versão da fita demo não existiam. Além disso, Plopschi impôs os versos no final da música que também não exisitiam na versão da fita demo: "Os Paralamas do Sucesso vão tocar na capital / Vital e sua moro, mas que união feliz". O coro nesses versos é feito pelo grupo Golden Boys, que assim como os Fevers, banda da qual Plopschi era integrante, fez parte da Jovem Guarda. 

Como alguns produtores de discos nos anos 1980 eram músicos oriundos de bandas da Jovem Guarda nos anos 1960, é muito provavel que eles enxergaram naquela nova geração de bandas de rock brasileiro, sobretudo as bandas new wave, uma espécie de "neo Jovem Guarda". O problema é que eles, além estarem completamente desconectados com as novidades do rock mundial da época, não se mostravam dispostos a entender aquelas novas tendências do rock que estavam influenciando aquelas novas bandas. Se valiam do fato de exercerem um posto importante nas gravadoras, de entendidos do que o mercado queria e da inexperiência daquelas novas bandas. 

Em junho de 1983, era lançado o primeiro compacto dos Paralamas do Sucesso, que trazia no lado A "Vital E Sua Moto" e no lado B "Patrulha Noturna". Assim como aconteceu com a sua versão demo na rádio Fluminense FM, no Rio de Janeiro, a versão em compacto de "Vital E Sua Moto", lançada pela EMI-Odeon, fez um grande sucesso nas rádios de todo o Brasil, figurando entre as músicas mais executadas nas paradas radiofônicas. O compacto rapidamente vendeu mais de dez mil cópias. 

Capa do compacto de "Vital e Sua Moto", lançado em junho de 1983.

Intitulado Cinema Mudo, o álbum de estreia dos Paralamas do Sucesso foi lançado em setembro de 1983. O trabalho gráfico da capa de Cinema Mudo ficou a cargo do designer gráfico Ricardo Leite, que também foi responsável pelas ilustrações que representam, cada uma, um tipo de expressão: Flerte, Piedade, Concentração, Determinação, Hilariedade e Horror. 

As fotografias foram feitas por Maurício Valladares, o radialista da Rádio Fluminense e que havia tocado pela primeira vez os Paralamas do Sucesso. Além de radialista, Valladares também é jornalista e fotógrafo. Como o título do disco tinha a ver com cinema, a locação para a sessão de fotos foi a cabine de projeção do Cine Íris, no centro do Rio de Janeiro. 

Cinema Mudo traz um repertório formado por dez faixas, boa parte delas compostas ainda na fase amadora do trio, como "Vital E Sua Moto", "Patrulha Noturna" e "Encruzilhada". Apesar das imposições da direção artística da gravadora que podaram a força criativa da banda, Cinema Mudo trouxe um frescor sonoro à época para o rock brasileiro. É perceptível, para não dizer explícita, a forte influência do The Police no som da banda. Mas o uso dessa influência foi muito bem aplicada no disco, já que os integrantes, embora fossem muito jovens, tocaram muito bem seus instrumentos. 

Se por um lado, Herbert Vianna mostra limitações como vocalista, por outro, compensa essas limitações como um guitarrista habilidoso e um letrista talentoso. A "cozinha" (baixo e bateria) já revela neste primeiro disco dos Paralamas, que seria uma das mais poderosas do rock brasileiro: o baixo robusto de Bi Ribeiro somado com a bateria impecável de João Barone, um discípulo competentíssimo de Stewart Copeland, baterista do The Police. 

Cinema Mudo começa com "Vital E Sua Moto", já lançada meses antes do álbum em compacto. A música é uma homenagem a Vital Dias, o primeiro baterista dos Paralamas, cuja letra revela a paixão do homenageao por sua motocicleta. Primeiro grande sucesso dos Paralamas, "Vital E Sua Moto" foi o "cartão de visitas" do trio carioca, onde a influência do The Police no som da banda é muito grande.

"Foi O Mordomo" traz uma história inspirada em filmes de suspense e mistério. Assim como boa parte das faixas do disco, "Foi O Mordomo" alterna levadas de rock e reggae. 

A faixa-título é um ska, cuja letra, segundo Herbert, foi inspirada no "diálogo sem palavras das pessoas que se gostam". O refrão traz um coro cantando "wooly bully", uma referência à canção pop homônima que foi um grande sucesso gravado em 1965 por Sam The Sham & Pharaohs, um grupo pop musical americano que teve uma fama efêmera.

Os Paralamas do Sucesso em foto de divulgação em 1983, da esquerda
para a direita: João Barone, Herbert Vianna e Bi Ribeiro.

Um som de sirene de carro e polícia dá início a "Patrulha Noturna", um rock veloz e contagiante que em determinado momento, desacelara para o ritmo cadenciado do reggae em que Herbert faz um belo solo de guitarra, para logo em seguida retomar a velocidade tal qual a lambreta do eu lírico. 

"Shopstake" é a única faixa instrumental do álbum. É uma homenagem a um bar de mesmo nome que existia na UFRRJ, onde os Paralamas fizeram algumas apresentações no início da carreira. 

Os Paralamas do Sucesso sempre demonstraram gratidão a Dona Ondina, avó de Bi Ribeiro, que emprestou a sua casa para servir local de ensaio nos primeiros anos de existência da banda. E neste primeiro álbum de estúdio dos Paralamas, o trio presta uma homenagem a ela com o rock'n'roll "Vovó Ondina É Gente Fina". 

"O Que Eu Não Disse" é um pop rock que traz a participação especial de Lulu Santos fazendo solos de guitarra slide. A canção de teor romântico na letra foi composta por Herbert, Barone e Renato Russo (1960-1996), este último, um "ilustre desconhecido". 

E por falar em Renato Russo, ele reaparece na faixa seguinte na faixa seguinte, "Química", música composta por ele gravada aqui pelos Paralamas do Sucesso. "Química" foi escrita por Renato Russo em 1981, quando ainda integrava a Aborto Elétrico, em Brasília, mas acabou sendo rejeitada pelos colegas de banda. Os Paralamas gostaram da letra e a gravou, com arranjos bem voltados ao punk rock e com Herbert cantando com uma voz cheia de raiva e desespero. Anos mais tarde, a Legião Urbana gravou "Química" para o disco Que País É Este 1978/1987 (1987).

O reggae "Encruzilhada", que originalmente se chamava "Encruzilhada Agricola-Industrial", traz uma letra inusitada sobre a namorada do eu lírico que teria ficado presa num elevador e, como se isso não bastasse, estava passando mal depois de ter comido uma feijoada. 

Lulu Santos em 1983, quando fez participação especial no álbum Cinema Mudo,
dos Paralamas do Sucesso, com solos de guitarra slide na faixa "O Que eu Não Disse".

Encerrando o álbum, "Volúpia", primeira música dos Paralamas a trazer um naipe de instrumentos de sopro. Os arranjos desse naipe de instrumentos de sopro ficaram a cargo do saxofonista Léo Gandelman. O título foi inspiradio num antigo colega de escola de Herbert que gostava de gritar na sala de aula a frase "Volúpia!, Volúpia!".

O álbum Cinema Mudo gerou um segundo compacto, desta vez com as músicas "Cinema Mudo" e ""Shopstake", lançado em 1984. 

Mesmo com o sucesso radiofônico de "Vital E Sua Moto", e até de outras faixas como "Foi O Mordomo" e a faixa-título, o álbum Cinema Mudo teve na época de seu lançamento uma vendagem de 5 mil cópias, um grande fracasso comercial. Apesar da marca tão baixa em vendas, o diretor de produção da EMI daquele perído, Jorge Davidson, acreditava no potencial dos Paralamas do Sucesso. Ele percebia que, embora as vendas do álbum tivessem sido baixíssimas, os shows dos Paralamas atraíam um grande público. Os Paralamas demonstraram insatisfação com reultado final da gravação do seu primeiro álbum. Para a banda, o disco não reproduzia a energia que trio empregava no palco. 

Mas para sorte dos Paralamas, ainda em 1983, após o lançamento de Cinema Mudo, Miguel Plopschi deixou a EMI-Odeon e foi trabalhar na gravadora RCA. Com a saída de Plopschi, os Paralamas vislumbraram uma maior liberdade para gravar o segundo álbum. E isso de fato aconteceu: o trio teve mais autonomia na gravação de seu segundoálbum, O Passoi do Lui, mesmo sob a produção de Marcelo Sussekind. E o resultado foi um trabalho que refletiu realmente a alma da banda e, ao mesmo tempo, foi um grande sucesso comercial, ajudando inclusive a alavancar as vendas de Cinema Mudo - que ampliou a sua marca para 90 mil cópias vendidas - e credenciou os Paralamas para serem uma das atrações da primeira edição do Rock In Rio, em janeiro de 1985.

Faixas

Todas as músicas são de autoria de Herbert Vianna, exceto as indicadas.

Lado A

  1. "Vital E Sua Moto"  
  2. "Foi O Mordomo" 
  3. "Cinema Mudo" 
  4. "Patrulha Noturna"  
  5. "Shopstake" (instrumental; Vianna, Bi Ribeiro)

Lado B

  1. "Vovó Ondina É Gente Fina"  
  2. "O Que Eu Não Disse" (Vianna, João Barone, Renato Russo)
  3. "Química" (Russo)
  4. "Encruzilhada" 
  5. "Volúpia"  


Os Paralamas do Sucesso: Herbert Vianna (guitarra e vocal), Bi Ribeiro (baixo), João Barone (bateria e percussão).

Participações especiais:

Lulu Santos: guitarra slide em "O Que Eu Não Disse"

Ruban: teclados em "Foi O Mordomo"

Leo Gandelman: arranjo de metais em "Volúpia"


Revista Bizz – edição 67, fevereiro/1991, Editora Azul, São Paulo, Brasil.

Paralamas do Sucesso: vamo batê lata – Jamari França, 2003, Editora 34, São Paulo, Brasil.

Dias de Luta – o rock e o Brasil dos anos 80 – Ricardo Alexandre Luiz, 2013, Arquipélago Editorial, Porto Alegre, Brasil.


Ouça na íntegra o álbum Cinema Mudo


"Vital e Sua Moto"
(video com letra da música)





Comentários