“O Passo do Lui” (EMI-Odeon, 1984), Os Paralamas do Sucesso



Por Sidney Falcão

Foi através do rock “Vital E Sua Moto” que os Paralamas do Sucesso se tornaram conhecidos do grande público em 1983, quando o rock brasileiro começava a vivenciar um novo momento por meio de uma nova geração de cantores e bandas que surgia. O trio carioca fazia parte daquela nova geração.

No entanto, apesar da visibilidade alcançada com “Vital E Sua Moto”, havia uma insatisfação no trio carioca formado por Herbert Viana (vocais e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria). Ainda que “Vital E Sua Moto” tenha tocado nas rádios de norte a sul do Brasil, o álbum do qual a música fazia parte, Cinema Mudo, o primeiro da banda, vendeu pífias 5 mil cópias. Mas não era só isso, a banda se mostrava insatisfeita também com qualidade da produção de Cinema Mudo. O trio não teve autonomia na produção do álbum, e acabou gravando da forma como a gravadora EMI-Odeon queria.

O produtor Marcelo Sussekind, que na época era também guitarrista da banda Herva Doce, conduziu a produção de Cinema Mudo sob as regras impostas pelo diretor artístico da gravadora, Miguel Plopschi, que desconhecia completamente as novidades da vanguarda do rock internacional, bem como as influências sonoras dos Paralamas do Sucesso como as bandas inglesas de two tone Madness, The Beat e The Specials. Talvez conhecesse no máximo o The Police, que estava estourada, e era a principal referência dos Paralamas do Sucesso. O fato é que as grandes gravadoras no Brasil estavam completamente fora de sintonia com essas novas referências roqueiras. A visão delas estava mais voltada ao mainstream, o que fosse mais comercial.

Inexperientes na gravação de discos, os Paralamas acabaram tendo que seguir a “cartilha” imposta pela companhia. O resultado foi um álbum de som “pasteurizado” e que pouco correspondia à energia vibrante do que era a banda no palco. Depois da experiência pouco satisfatória, Herbert, Bi e Barone garantiram que no segundo álbum, a coisa seria diferente e que a sonoridade refletiria o espírito real do trio.

Madness, The Beat e The Specials: referências musicais para os Paralamas do Sucesso.

Para as gravações do segundo álbum dos Paralamas, foi escalado novamente Marcelo Sussekind, o mesmo do primeiro trabalho. Herbert, Bi e Barone decidem trabalhar mais próximos ao produtor para garantir que o novo trabalho sairia do jeito que queriam. Com o técnico de gravação, Franklin Garrido, o trio expôs de forma detalhada como queria a sonoridade do álbum: um som simples, cru, minimalista, econômico, sem os excessos que predominaram no primeiro álbum. Desta vez, a bateria e o baixo tiveram uma atenção especial. Para gravar a bateria, por exemplo, o produtor e o técnico de gravação chegaram a interferir na acústica do estúdio, e espalharam microfones no ambiente: puseram microfone na bateria, chão e até mesmo no teto. Tudo para captar todo o potencial da bateria poderosa de João Barone cuja maior influência era Stewart Copeland, baterista do The Police.

O esforço e a insistência dos Paralamas do Sucesso em acompanhar de perto todo os pormenores da produção do segundo álbum surtiu o efeito esperado. A qualidade de produção de O Passo do Lui é de longe muito superior à de Cinema Mudo. O som cru, minimalista, econômico e eficiente que a banda tanto buscava está presente nas dez faixas de O Passo do Lui. Chama a atenção a bateria de João Barone que em O Passo do Lui aparece com bastante destaque e nitidez. Toda a estratégia do emprego de microfone em lugares estratégicos para melhor capitação do som da bateria no estúdio surtiu efeito mais do que o desejado. O mesmo acontece com o baixo de Bi Ribeiro.

Musicalmente, O Passo do Lui mostra o trio mais do que nunca envolvido nas influências sonoras anglo-jamaicanas. É perceptível ao longo do álbum referências não só do The Police (principal influência da banda carioca) como também de Madness, The Beat e The Specials, bandas que ganharam projeção através do Two Tone, movimento musical inglês que no começo dos anos 1980, revelou bandas multirraciais que misturavam ska, reggae, punk e new wave.  E é justamente essa mistura que dá forma à estrutura musical de O Passo do Lui, um álbum divertido, alegre e jovem.

The Police: principal influência musical dos Paralamas do Sucesso.


O Passo do Lui começa com o clima lá no alto com “Óculos”. Foi a primeira música de O Passo do Lui a ser divulgada nas emissoras de rádio, antes mesmo do álbum ser lançado. A faixa começa com a bateria de João Barone num agressivo ritmo percussivo, seguido pela guitarra de Herbert Vianna. Um som que lembra o de um xilofone, foi praticamente copiado de “Hands Off She’s Mine”, sucesso do The Beat de 1980. A letra bem-humorada é sobre um rapaz que não consegue conquistar as garotas porque usa óculos.

“Meu Erro” é um rock bem ao estilo new wave. A música possui uma estrutura simples, econômica, proporcionada pela trinca baixo, guitarra e bateria. Os teclados aparecem para dar um “tempero” diferenciado, “forrando” determinados trechos da música. Apesar de ser um rock dançante, “Meu Erro” possui uma letra de tom romântico, onde um rapaz, temendo os erros do passado, resiste às insistências de uma garota em quer recomeçar o romance que tiveram. A linha de baixo de “Meu Erro” lembra um pouco à de “She’s A Man Eater”, da dupla Daryl Hall & John Oates, e de “Town Called Malice”, do trio inglês The Jam.

O romantismo prossegue na faixa seguinte, o ska “Fui Eu”. Mas neste caso, está mais para uma canção de “dor de cotovelo”, uma “sofrência”, em que um sujeito é tratado com desprezo e descaso pela namorada: “Você me olhou fez que não me viu / Foi como se eu não estivesse ali / Desligou a luz, deitou, dormiu / Nem pensou em se divertir”. “Fui Eu” foi regravada praticamente na mesma época pela banda new wave Sempre Livre, e chegou até a fazer mais sucesso do que a versão dos Paralamas. A curiosidade fica por conta da participação de Paula Preuss, namorada na época de João Barone e que faz o vocal de apoio.

“Romance Ideal” é um rock balada romântico sobre um rapaz dominado por uma garota mais jovem do que ele, e por quem é completamente apaixonado: “Ela é só uma menina / E eu pagando pelos erros que eu nem sei se eu cometi / Ela é só uma menina / E eu deixando que ela faça o que bem quiser de mim”.

João Barone, Bi Ribeiro e Herbert Vianna: os Paralamas do Sucesso numa das fotos para
o encarte do álbum O Passo do Lui.


Fechando o lado A na versão LP do álbum, a contagiante “Ska”, que faixa começa com um solo alucinante de saxofone de Léo Gandelman, e que dá o tom de todo o resto da música. A faixa possui um arranjo simples e é muito veloz para um ska. No entanto, a música deixa claro a influência do The Beat e Madness no trabalho dos Paralamas.

Abrindo o lado B, “Mensagem de Amor”, rock que apesar de ter um arranjo um tanto tenso, contrasta com a letra de teor romântico na qual, nada no mundo para Herbert Vianna, tem mais importância do que estar ao lado da garota que ele ama. O final da música fica por conta de um belo solo de guitarra de Herbert, enquanto Bi e Barone garantem o ritmo roqueiro na retaguarda. “Mensagem de Amor” foi regravada anos depois por Léo Jaime, só que numa versão mais pop e suave.

Até que ponto um romance pode ser um jogo? É disso que trata a suave “Me Liga”: “O nosso jogo não tem regras nem juiz / Você não sabe quantos planos eu já fiz / Tudo que eu tinha pra perder eu já perdi / O seu exército invadindo o meu país”. O refrão conta com mais uma participação de Paula Preuss, namorada de Barone na época, no vocal de apoio.

O reggae enxuto “Assaltaram A Gramática”, é uma parceria do rock star Lulu Santos e do poeta baiano Wally Salomão, onde a dupla se queixa do mal da língua portuguesa. Os Paralamas contam com a participação especial do próprio Lulu Santos, e de sua então esposa, a jornalista Scarlet Moon (1952-2013).

"Assaltaram A Gramática" contou com a participação especial de Lulu Santos e da
sua então esposa, a jornalista Scarlet Moon: 

“Menino E Menina” é um reggae sobre a imaturidade e pretensão de um jovem casal de namorados: “Eles se julgavam diferentes / Como todos os amantes / Imaginam ser / E faziam tantos planos / Que seus vinte e poucos anos / Eram poucos pra tanto querer”.

O álbum termina com a faixa instrumental que dá nome ao álbum, um ótimo ska com o saxofone de Léo Gandelman num ritmo alucinado. Mais uma faixa com influência do som de bandas two tones britânicas.

Lançado em agosto de 1984, O Passo do Lui faz no seu título, referência a Lui, apelido de Luis Antônio Alves, amigo dos Paralamas do Sucesso e um talentoso dançarino de ska. É Lui quem aparece dançando na capa do álbum que conquistou a crítica e o público, não só por reunir músicas com potencial radiofônico como também pela qualidade da produção muito superior ao do álbum de estreia do trio carioca. “Óculos”, primeira faixa de divulgação do álbum, logo ganhou a programação das rádios de todo o Brasil. 

O Passo do Lui serviu de “passaporte” para os Paralamas do Sucesso serem convidados para se apresentarem na primeira edição do festival Rock in Rio, em janeiro de 1985. O power trio se apresentou em duas datas, 13 e 16 de janeiro, e em ambas as apresentações, a performance do grupo foi impecável, e entrou para a história do festival. Os Paralamas entraram no festival como uma banda de sucesso mediano, e saíram de lá como um dos gigantes daquela nova geração do rock brasileiro que despontava.

A participação positiva dos Paralamas na primeira edição do Rock in Rio impulsionou as vendas de O Passo do Lui. Das dez faixas, oito estouraram no rádio ao longo do ano de 1985. Só “Meninos E Meninas” e “O Passo do Lui” não fizeram sucesso. Em junho de 1985, O Passo do Lui garantiu aos Paralamas, o Disco de Ouro pela marca de 100 mil cópias vendidas. Foi um grande salto, já que o álbum de estreia tinha vendido apenas 5 mil cópias. Em pouco tempo, O Passo do Lui já havia ultrapassado as 250 mil cópias em vendas.

Os Paralamas do Sucesso na primeira edição do Rock in Rio, em 1985.

Graças à visibilidade que tiveram no Rock in Rio e o sucesso comercial de O Passo do Lui, os Paralamas fizeram uma grande turnê por todo o Brasil até outubro de 1985, o que permitiu a banda conhecer as mais variadas culturas do país, e toda a sua diversidade musical. Contudo, em foi em outubro de 1985 que um acidente de carro sofrido por João Barone numa estrada do interior do Rio Grande do Sul, obrigou uma pausa forçada na turnê dos Paralamas por cerca de pouco mais de trinta dias.

Enquanto Barone se recuperava do acidente, Herbert Vianna e Bi Ribeiro ensaiavam novas canções e novas referências rítmicas musicais que haviam descoberto durante a turnê pelo Brasil, como a guitarrada, do Pará e os ritmos afro-baianos de Salvador. Além dos ritmos regionais brasileiras, Herbert e Bi estavam ouvindo cada vez mais reggae jamaicano como Yellowman e Dr. Alimantado, além de ritmos africanos.

O laboratório musical que a dupla estava fazendo enquanto o Barone estava enfermo, seria a referência para o próximo álbum, encerraria um ciclo e marcaria o início de uma nova etapa na carreira dos Paralamas do Sucesso. Era a gestação do álbum Selvagem?, terceiro e consagrador álbum do trio carioca, que daria adeus à new wave, e abraçaria a musicalidade do terceiro mundo.  

Faixas

Todas as músicas são de autoria de Herbert Vianna, exceto as indicadas.

Lado A

  1. “Óculos”
  2. “Meu Erro”
  3. “Fui Eu”
  4. “Romance Ideal” (Martim Cardoso - Herbert Vianna)
  5. “Ska”
Lado B

  1. “Mensagem de Amor
  2. “Me Liga”
  3. “Assaltaram a Gramática” (Lulu Santos - Waly Salomão)
  4. “Menino e Menina”
  5. “O Passo do Lui”
Os Paralamas do Sucesso: Herbert Vianna (vocal e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria e percussão).


"Óculos"



"Meu Erro"



"Fui Eu"



"Romance Ideal"



"Ska"



"Mensagem De Amor"



"Me Liga"



"Assaltaram A Gramática"



"Menino E Menina"



"O Passo Do Lui"



"Óculos" (videoclipe original)



"Meu Erro" (videoclipe para o programa 
"Fantástico", TV Globo, 1984)



"Meu Erro" (videoclipe original, 1984)






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