“American Idiot” (2004, Reprise), Green Day



Por Sidney Falcão

O power trio americano Green Day estourou mundialmente em 1994 com o seu pop punk através do seu terceiro álbum de estúdio Dookie, um fenômeno em vendas que chegou à casa dos 20 milhões de cópias e várias canções nas paradas de rádio em todo o planeta. Os dois álbuns seguintes, Insomniac (1995) e Nimrod (1997), embora não tivessem alcançado o mesmo número de vendas de Dookie, tiveram um desempenho comercial muito bom, vendendo respectivamente 9 milhões e 6 milhões de cópias em todo o mundo.

Mesmo assim, havia quem achasse que o Green Day ainda se escorava no sucesso de Dookie, o que é uma justificativa injusta. Seria fácil repetir a “fórmula” de Dookie, e estaria resolvido o problema. Porém, além do seu punk rock radiofônico, o Green Day se notabilizou por ser uma banda que gosta de ousar, de tentar fazer algo diferente, independente se vai dar certo ou não. No sexto álbum de estúdio, Warning, o Green Day abriu o seu leque musical, experimentou outras sonoridades como a folk music, ao fazer bastante uso de violões. O resultado foi bom, mas a resposta do público não foi tão satisfatória, a não ser pelos fãs mais próximos. Warning teve uma vendagem inicial modestíssima, muito aquém para os padrões de vendas que o Green Day havia chegado com os três discos anteriores.

Entre julho e outubro de 2002, o Green Day gravou no Studio 880, em Oakland, na Califórnia, um material com cerca de 20 canções para um novo álbum que tinha como título provisório Cigarettes and Valentines, tendo Rob Cavallo no comentado da produção. Cavallo já havia trabalhado o Green Day nos álbuns Dookie, Insomniac, Nimrod e Warning.

Contudo, as fitas masters dessas gravações foram simplesmente roubadas. Ao invés de regravar as canções, o Green Day decidiu começar tudo de novo, a partir do zero. Mas há quem afirme que no fundo, a história não seria bem essa, mas sim de que o repertório do material supostamente roubado era muito fraco, e que a banda resolveu compor novas canções.

Com seu terceiro álbum, Dookie (1994), o Green Day foi catapultado para o estrelato.

Verdade ou não, o fato é que o guitarrista e vocalista Billie Joe Armstrong estava decidido a compor novas canções. À medida que Armstrong ia compondo as novas canções e ia trocando ideias com os seus companheiros de banda, o baixista Mike Dirnt e o baterista Tré Cool, eles percebiam que algumas canções mais pareciam capítulos de uma história, de um romance ou de um filme. Foi a partir disso que tiveram a ideia de fazer do novo álbum uma ópera rock. O trio contou com o apoio do produtor Rob Cavallo que incentivou os três a criarem um “álbum conceitual”, ou seja, um álbum em que todas as canções seriam partes de uma mesma história, de um mesmo tema.

A inspiração para o tema do novo disco era a realidade sócio-política dos Estados Unidos naquela primeira metade dos anos 2000. O país ainda vivia o trauma do ataque terrorista que destruiu o World Trade Center, em Nova York, em 2001, e que matou milhares de pessoas. Como se isso só não bastasse, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, enfiou o país em mais um conflito bélico, ao invadir o Iraque em 2003, dando início à chamada Guerra do Iraque. O medo, a desilusão, a desesperança da sociedade americana e o governo de George W. Bush serviram de elementos para que o Green Day desenvolvesse a sua ópera punk rock.

Para dar forma à sua ópera punk rock e ao seu álbum conceitual, os integrantes do Green Day buscaram inspiração em trabalhos consagrados dentro dessa linha como os álbuns Tommy (1969) e Quadrophenia (1973), do The Who, e The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars (1972), de David Bowie, além de terem ouvido alguns musicais da Broadway como West Side Story, The Rock Horror Show, Grease e Jesus Christ Super Star. O trio ainda teria buscado inspiração também em artistas contemporâneos como Eminem, Kanye West e Linkin Park.

As gravações do novo álbum ocorreram no Studio 880, em Oakland, na Califórnia (onde o green Day havia gravado as canções de Cigarettes and Valentines ), e no Ocean War Recording, em Hollywood, na Califórnia.

Lançado em 20 de setembro de 2004, American Idiot, o sétimo álbum do Green Day, já dava no título uma ideia do seu conteúdo. O tema do álbum é a história de Jesus of Suburbia (Jesus do Subúrbio), um jovem adolescente americano, um anti-herói que detesta a cidade em que vive, e demonstra um inconformismo com aquela realidade. A história ainda conta com outros dois personagens, o punk St. Jimmy, que é na verdade o alter ego de Jesus of Surburbia, uma identidade que ele havia adotado para se rebelar contra aquela dura realidade que ele via, e Whatsername, uma garota punk por quem St. Jimmy se apaixonará e terá depois uma grande desilusão.

A capa de American Idiot é de autoria do artista gráfico Chris Bilheimer, o mesmo que fez as capas de Nimrod e da compilação International Superhits! (2001). Mostra uma mão segurando uma granada em forma de coração sangrando, uma ideia que teria partido dos versos de uma das canções presentes em American Idiot, “She’s A Rebel”, onde um dos versos diz “And she's holding on my heart like a hand grenade” (“E ela está segurando meu coração como uma granada de mão”). A capa estava bem de acordo com o clima bélico que os Estados Unidos estavam vivenciando na época com o governo de George W. Bush, envolvidos até o pescoço com a Guerra do Iraque.

O designer gráfico Chris Bilheimer (foto), foi o responsável pela arte
da capa de American Idiot.

O álbum começa com a fúria e a velocidade do punk rock “American Idiot”, faixa que dá nome ao disco. A música traça uma crítica aos Estados Unidos da era George W. Bush: “Don't wanna be an american idiot. / Don't want a nation under the new media / And can you hear the sound of hysteria? / The subliminal mind fuck America” (“Não quero ser um americano idiota / Não quero uma nação sob a nova mídia / E você consegue ouvir o som da histeria? / A mensagem subliminar é foda-se a América”).

“Jesus Of Suburbia” é a faixa seguinte, uma música “quilométrica”, com pouco mais de nove minutos de duração, algo incomum para o punk rock. A música é dividida em cinco partes, onde há mudanças de rítmicas, algumas bruscas entre uma parte e outra. É uma faixa que apresenta o protagonista desta ópera punk rock ao ouvinte, dividida em cinco partes.

I – “Jesus Of Suburbia”, é apresentado o personagem protagonista desta ópera rock que é o álbum, chamado Jesus of Suburbia (Jesus do Subúrbio), um jovem descontente e inconformado com a realidade do lugar onde vive.

II – “City of The Damned” trata sobre a cidade onde vive Jesus of Suburbia, um lugar hostil e com aparência pós-apocalíptica. A maneira como Jesus of Suburbia enxerga a realidade onde vive á abordada na parte III – “I Don’t Care”.

IV – “Dearly Beloved” é sobre a solidão e a insegurança emocional do personagem protagonista.

V - “Tales of Another Broken Home” descreve Jesus of Suburbia fugindo de casa para depois assumir uma nova identidade.

Depois da longa “Jesus of Suburbia”, vem a animada e divertida “Holiday”, um punk rock que remete o Green Day dos tempos de Dookie. Descreve a vida agitada do personagem, regada a muita festa e diversão. Ao mesmo tempo, “Holiday” faz uma provocação indireta ao conservadorismo da sociedade americana e ao então presidente dos Estados Unidos George W. Bush, que é identificado na letra como “the presidente Gasman”(algo como “presidente gasolina”, numa tradução simplória).

O criticado governo do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush (foto)
foi uma das inspirações para o Green Day elaborar o álbum American Idiot
.

A faixa seguinte é “Boulevard of Broken Dreams”, uma balada que mescla melodia e peso agressivo. É uma das principais músicas de American Idiot e um dos maiores sucessos da carreira do Green Day. “Boulevard of Broken Dreams” possui versos melancólicos que falam da solidão de Jesus of Suburbia, que tem apenas como companhia a sua própria sombra. Na vida real, Billie Joe Armstrong escreveu a canção inspirado numa fase de sua vida, quando morou sozinho em Nova York.

Com coro forte cantando a plenos pulmões um refrão marcante, “Are We The Waiting” é uma balada de tom épico onde o nosso anti-herói começa a se fazer questionamentos. A próxima música, “St. Jimmy”, é um punk rock veloz e raivoso, cuja letra traz Jesus of Suburbia assumindo uma nova identidade, a de St. Jimmy, um punk rebelde, violento e sem pudores: “My name is Jimmy and you better not wear it out / Suicide commando that your momma talked about / King of the forty thieves / And I'm here to represent / The needle in the vein of the establishmen”. (“Meu nome é Jimmy e não fale esse nome em vão / Sou a má companhia sobre a qual a sua mãe falou / Rei dos quarenta ladrões / E estou aqui pra representar / A agulha na veia do sistema”).

Em “Give Me Novacaine”, uma segunda personagem é apresentada, ainda que seu nome não seja revelado. Os versos da canção retratam alguém que busca uma fuga da realidade, da dor física e psicológica através de uma droga que teria sido recomendada por St. Jimmy. Mas é no punk rock “She’s A Rebel” que a tal segunda personagem dessa ópera punk rock é revelada, chamada Whatsername, uma garota punk, transgressora, “símbolo da resistência”. 

“Letterbomb” é um pop punk à moda Green Day dos velhos tempos. Como diz o próprio título da música, os versos são como uma “carta bomba” de Whatsername, que traz uma franqueza devastadora para St. Jimmy. Dentre outras coisas, a garota punk expõe as fraquezas de St. Jimmy, diz que ninguém gosta dele e que o acompanhavam o abandonaram.

Cena do videoclipe de "American Idiot".

A balada “Wake Me Up When September Ends” é a única música que nada tem a ver com o conceito do álbum. Ela é uma canção sobre o pai de Billie Joe Armstrong, que morreu vítima de câncer, em 1982, quando o vocalista tinha dez anos de idade. O mês de setembro que aparece no título e na letra da canção, refere-se ao mês em que o pai de Armstrong faleceu.

“Homecoming” é outra faixa longa presente no álbum, com uma duração de quase dez minutos. Assim como “Jesus of Suburbia”, “Homecoming” também é dividida em cinco partes, e alterna vários andamentos rítmicos que mais parecem uma montanha russa sonora.

I - "The Death of St. Jimmy". Aqui o protagonista da ópera punk rock “mata” o seu alter ego, St. Jimmy, volta a ser o que ele era antes, e retorna para sua cidade natal.

II - "East 12th St." Traz o nosso anti-herói numa versão cidadão comum, que passa a trabalhar num escritório para ganhar a vida.

III – “Nobody Likes You” (cantada pelo baixista Mike Dirnt). O tormento e a solidão tomam conta de Jesus of Suburbia nesta terceira parte por causa das cartas de Whatsername, a garota punk por quem era apaixonado.

IV – “Rock and Roll Girlfriend”. É cantada pelo baterista Tré Cool, e versa sobre o reencontro de Jesus of Surburbia com um velho amigo dos tempos da vida punk, e que ainda continuava naquela vida marginal.

V - “We’re Coming Home Again”. O personagem protagonista larga tudo, retoma a sua identidade marginal e volta à vida punk das ruas.

Encerrando o álbum, a faixa “Whatsername”, uma música que se mostra uma resposta de St. Jimmy a Whatsername, àquelas alturas, que foi embora. É uma resposta cheia de mágoa e ressentimento no coração do jovem rebelde.

American Idiot foi muito bem recebido pelos mais diversos órgãos da imprensa musical como NME (New Music Express), New York Times, Kerrang! e Time. O público reagiu muito bem, fazendo o álbum alcançar o 3° lugar da Billboard 200, nos Estados Unidos.

O álbum trouxe o status do Green Day de volta ao maistream do rock mundial. American Idiot chegou à marca de 14 milhões de cópias vendidas, se tornando o segundo álbum mais vendido do trio punk americano, perdendo apenas para Dookie. De American Idiot foram extraídos cinco singles, “America Idiot”, “Boulevard of Broken Dreams”, “Holiday”, “Wake Me Up When September Ends” e “Jesus of Suburbia”.

Com American Idiot, o Green Day conquistou vários prêmios, dentre os quais o Grammmy em 2005 na categoria “Melhor Álbum de Rock”. No mesmo ano, conquistou outros dois prêmios como o MTV Europe Music Awards, na categoria “Melhor Álbum”, e o American Music Awards como “Álbum Favorito de Pop / Rock”. No ano seguinte, em 2006, American Idiot rendeu ao Green Day o Brit Awards de “Melhor Álbum Internacional”.

Em 2009, American Idiot virou um espetáculo musical na Broadway, que foi um grande sucesso de público e crítica, e ainda foi contemplado com dois Tony Awards, em 2010, por “Melhor Design Cênico de Musical” e “Melhor Design de Iluminação de Musical”.

Faixas

Todas as letras escritas por Billie Joe Armstrong, exceto onde indicado, todas as músicas compostas por Green Day.

1."American Idiot"       

2."Jesus of Suburbia"

    I. "Jesus of Suburbia"

    II. "City of the Damned"

    III. "I Don't Care"

    IV. "Dearly Beloved"

    V. "Tales of Another Broken Home" 

3."Holiday" 

4."Boulevard of Broken Dreams" 

5."Are We the Waiting" 

6."St. Jimmy" 

7."Give Me Novacaine" 

8."She's a Rebel" 

9."Extraordinary Girl"

10."Letterbomb" 

11."Wake Me Up When September Ends" 

12."Homecoming"

    I. "The Death of St. Jimmy"

    II. "East 12th St."

    III. "Nobody Likes You" (Mike Dirnt)

    IV. "Rock and Roll Girlfriend" (Tré Cool)

    V. "We're Coming Home Again"

13. "Whatsername" 



Ouça na íntegra o álbum American Idiot

"American Idiot" 
(videoclipe original)

"Boulevard Of Broken Dreams"
(videoclipe original)

"Wake Me Up When September Ends"
(videoclipe original)










Comentários