“Velô” (Philips, 1984), Caetano Veloso
Por Sidney Falcão
Após os shows que promoveram o álbum Uns (1983), a pareceria de pouco mais de seis anos entre Caetano Veloso e A Outra Banda da Terra chegava ao fim. O baterista Vinícius Cantuária já vinha desenvolvendo a sua carreira como cantor em paralelo à de músico na banda, e manifestava o desejo de se dedicar exclusivamente aos seus projetos individuais. Arnaldo Brandão, o baixista d’A Outra Banda da Terra, também mostrara o desejo a banda. Integrante desde o início do grupo, Vinícius Cantuária acreditava que após tanto tempo, era necessário extinguir a banda, o que seria melhor inclusive para Caetano para respirar novos ares sonoros. Embora já muito habituado com A Outra Banda da Terra, Caetano também chegou à conclusão que a sua parceria com a banda havia se esgotado.
Em 1984, após o término de A Outra Banda da Terra, Caetano Veloso começou a planejar a formação de uma nova banda e a concepção de seu próximo álbum. O artista de Santo Amaro da Purificação reuniu um grupo de jovens talentos para integrar sua nova equipe musical: Ricardo Cristaldi nos teclados, Zé Luís no saxofone e flauta, Toni Costa na guitarra, Tavinho Fialho no baixo, Armando Marçal na percussão e Marcelo Costa na bateria. A nova formação recebeu o nome simplesmente de Banda Nova.
Para seu próximo álbum, Caetano Veloso decidiu inovar na abordagem. Em vez de seguir o tradicional esquema de gravar um disco e em seguida embarcar em uma turnê, optou por fazer o oposto: primeiro sair em turnê com as novas canções e depois registrar o álbum. Essa estratégia visava testar o repertório inédito diante do público e, ao mesmo tempo, familiarizar completamente a nova banda com as músicas.
Nos meses de maio e junho de 1984, Caetano Veloso, acompanhado pela Banda Nova, fez vibrar os palcos do Palace, em São Paulo, e do Canecão, no Rio de Janeiro, com o espetáculo batizado de Velô. Metade do repertório apresentado ao público consistia em canções inéditas, marcando uma fase de renovação na trajetória do artista.
Após absorver completamente o novo repertório durante a temporada de shows em maio e junho, Caetano Veloso e a Banda Nova mergulharam em estúdio para gravar o novo disco em outubro de 1984. A produção do álbum foi liderada pelo próprio Caetano, com o tecladista Ricardo Cristaldi, da Banda Nova, atuando como co-produtor.
Após assimilarem por completo o novo repertório durante os shows de maio e junho, Caetano Veloso e a Banda Nova entraram em estúdio para gravar seu novo disco em outubro de 1984. O próprio Caetano liderou a produção do álbum, contando com a colaboração do tecladista Ricardo Cristaldi, da Banda Nova, na co-produção.
Banda Nova, da esquerda para a direita: Marcelo Costa, Ricardo Cristaldi, Marçalzinho, Caetano, Tavinho Fialho, Zé Luis e Toni Costa. |
Intitulado Velô, o mesmo nome dos shows realizados no meio do ano, o décimo álbum de estúdio de Caetano chegou às prateleiras das lojas em meados de novembro de 1984. A turnê promocional do álbum teve início no final de novembro, percorrendo as regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Décimo álbum de estúdio de Caetano Veloso, Velô marcou não apenas uma nova fase em sua carreira, mas também a estreia fonográfica da Banda Nova. O disco reflete um Caetano sintonizado com o pulsante momento do rock brasileiro da época, impulsionado por uma nova geração de bandas e artistas como Blitz, Lulu Santos, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Lobão & Os Ronaldos, entre outros.
Das onze faixas do álbum, dez eram inéditas até o momento de seu lançamento, destacando-se apenas uma regravação: "Nine Out of Ten", originalmente presente no álbum Transa (1972). Essa mistura de frescor criativo com uma pitada de nostalgia evidencia a habilidade de Caetano em se reinventar e se manter relevante em meio às transformações do cenário musical brasileiro.
Abrindo o álbum, temos "Podres Poderes", uma faixa que, segundo Caetano, "lança um olhar crítico sobre nossa incapacidade e teimosia em manter essa incompetência como uma barreira contra a responsabilidade". Caetano não economiza palavras ao tecer críticas ao Catolicismo e às ditaduras que assolavam a América Latina naquela época. No entanto, o baiano também celebra a diversidade do povo, que, apesar dos "podres poderes" que oprimem, encontra no carnaval uma forma de expressão e resistência frente ao autoritarismo.
Em "Pulsar", Caetano revive o experimentalismo tropicalista ao trazer à tona uma poesia concreta de Augusto de Campos, agora transformada em música pelo talento singular do cantor e compositor baiano. E em "Nine Out Of Ten", uma pérola presente no álbum Transa, Caetano traz uma versão reggae surpreendente, que curiosamente oscila entre o ritmo marcante do reggae e a cadência do samba, criando um híbrido musical único e envolvente.
A sensível “O Homem Velho”, é uma homenagem de Caetano ao seu pai, José Telles Veloso, que havia falecido em dezembro de 1983. Em entrevista para a jornalista Maria Fortuna, do jornal O Globo, em 2011, Caetano disse que a canção era uma maneira dele pensar a velhice naquele momento, quando era um homem que tinha muito medo de morrer, mas que esse medo diminuiu à medida que foi envelhecendo.
Caetano e seu pai José Telles Veloso nos anos 1970, a quem dedicou a canção "O Homem Velho". |
Embora tenha sido composta por Caetano, a música "Comeu" teve sua primeira gravação realizada por Erasmo Carlos. No entanto, foi a versão da banda new wave paulista Magazine que ganhou maior destaque, quando foi tema de abertura da novela A Gata Comeu, produzida e exibida pela TV Globo em 1985.
O lado 1 do álbum chega ao fim com "Vivendo em Paz", uma faixa que evoca os tempos em que Caetano se dedicava a gravar frevos para o Carnaval. No entanto, é interessante notar que essa música se mostra um tanto quanto deslocada do conceito geral do disco.
Se o lado 1 do álbum já começa em grande estilo com "Podres Poderes", o lado 2 não fica para trás, abrindo com a obra-prima "O Quereres". A letra desta canção é um mergulho profundo nas questões existenciais e afetivas, tudo isso envolto em versos de sensibilidade poética única.
Em "Grafitti", Caetano nos presenteia com uma fusão envolvente de MPB e pop rock, celebrando o amor moderno e apaixonado, livre das amarras impostas pela sociedade. Já em "Sorvete", somos transportados para uma relação amorosa tumultuada e mal resolvida, onde o eu lírico expressa sua decepção, frustração e o sentimento de ser desprezado pela mulher com quem ainda nutria a esperança de reatar uma relação.
"Shy Moon" é um rock balada com letra em inglês composta por Caetano Veloso, mas que ele não tinha intenção de gravar. Porém, tudo mudou quando Vinícius Cantuária ouviu o cantor baiano cantarolando a música e ficou encantado, assim como os demais músicos da banda de apoio. Durante um show em São Paulo, parte da série de apresentações que originaram o álbum, Caetano surpreendeu o público ao entoar "Shy Moon" ao vivo. E quem estava entre os espectadores, completamente cativado pela canção, era ninguém menos que Ritchie, o britânico que se tornou uma estrela do rock no Brasil.
Após uma visita de Ritchie a Caetano, onde ele expressou seu apreço pela música, o artista baiano o convidou para uma colaboração. O resultado desse encontro foi a gravação de "Shy Moon", uma parceria inusitada que deixou uma marca singular na cena pop musical brasileira.
Caetano Veloso e a Banda Nova no show Velô, no Canecão, no Rio de Janeiro, em 1984. |
Caetano, sensível à situação da amiga, decidiu estender-lhe a mão e a convidou para participar desta música, que faz referências a grandes personalidades da língua portuguesa, como Fernando Pessoa (1888-1935) em "minha pátria, minha língua", Olavo Bilac (1865-1918) em "a flor do Lácio" e outros nomes como Luís de Camões (1524-1580), Guimarães Rosa (1908-1967), Chico Buarque e Arrigo Barnabé.
A participação de Elza é simplesmente magistral, evidenciando toda a sua incrível habilidade vocal ao interpretar o refrão da canção. Além disso, "Língua" brilha pela fusão rítmica, que mescla elementos de samba, funk e o canto falado característico do rap, proporcionando uma experiência musical verdadeiramente única e envolvente.
A recepção
de Velô pela crítica foi, em sua maioria, bastante positiva.
Marcos Augusto Gonçalves, crítico musical do jornal Folha de S. Paulo,
elogiou a sonoridade da Banda Nova e classificou o álbum como
"exemplar" e "revigorante". Já Okky de Souza, da revista Veja,
destacou a incursão de Caetano no universo do rock e ressaltou o retorno do
baiano às canções com forte teor político: “Em grande parte das faixas, Caetano
parece retomar o palanque da tropicália para vociferar contra o mundo, ou para
pintar ácidos retratos da natureza humana”.
Das onze faixas, as que alcançaram maior popularidade após o lançamento do disco foram “Podres Poderes”, “O Quereres”, “Língua” e “Shy Moon”, esta última muito por conta de ter integrado a trilha sonora da novela Um Sonho A Mais, da TV Globo, exibida em 1985. O álbum vendeu mais de 100 mil cópias, o que levou Caetano Veloso a ser contemplado com um disco de ouro.
Após Velô, Caetano só voltaria a ter um novo
flerte com o rock em 2006, através do aclamado álbum Cê. Desta
vez, sua abordagem foi ainda mais radical e provocativa.
Faixas
Lado 1
1 - "Podres Poderes" (Caetano Veloso)
2 – "Pulsar" (Caetano Veloso, Augusto de Campos)
3 - "Nine Out Of Ten" (Caetano Veloso)
4 - "O Homem Velho" (Caetano Veloso)
5 - "Comeu" (Caetano Veloso)
6 - "Vivendo em Paz" (Tuzé Abreu)
Lado 2
7 - "O Quereres" (Caetano Veloso)
8 - "Grafitti" (Caetano Veloso, Antônio Cícero, Wally Salomão)
9 – "Sorvete" (Caetano Veloso)
10 - "Shy Moon" - Participação Especial: Ritchie (Caetano
Veloso)
11 - "Língua" - Participação Especial: Elza Soares - a Violeta
Gervaiseau
(Caetano Veloso)
Músicos da Banda Nova:
Tavinho Fialho: baixo
Toni Costa: guitarra
Marcelo Costa: bateria
Ricardo Cristaldi: teclados
Armando Marçal: percussão
Zé Luís Segneri: saxofone e flauta
Referências:
O Globo, sábado, 3 de novembro de 1984, Rio de Janeiro, Brasil.
Jornal do Brasil, quinta-feira, 15 de novembro de 1984, Rio de Janeiro,
Brasil.
Folha de S.Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 1984, São Paulo, Brasil.
Veja – nº 846, 21 de novembro - Editora Abril, São Paulo, Brasil.
O Globo, quinta-feira, 21 de outubro de 2021, Rio de Janeiro, Brasil.
"Podres Poderes"
"Pulsar"
"Nine Out Of Ten"
"O Homem Velho"
"Comeu"
"Vivendo em Paz"
"O Quereres"
"Grafitti"
"Sorvete"
"Língua"
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