“Cê” (Universal Music, 2006), Caetano Veloso
Por Sidney Falcão
Cê representou uma ruptura significativa
na discografia do cantor e compositor baiano Caetano Veloso. Desde a década de
1990 até o lançamento de Cê, o repertório dos discos de Caetano
era baseado na MPB, nos ritmos latinos e afro-baianos como axé music e o samba-reggae.
Em abril de 2004, Caetano lançou A Foreign Sound,
um álbum em que ele regravou clássicos do cancioneiro americano, todos cantados
em inglês.
Depois de A
Foreign Sound, Caetano planejava gravar um álbum apenas de samba com
canções inéditas compostas por ele. Mas a ideia do disco de samba se perdeu
após conversas bastante estimulantes entre Caetano Veloso e o guitarrista Pedro
Sá sobre rock, sobre tudo a respeito de discos de bandas alternativas do gênero
que eles estavam ouvindo na época, como Pixies, Pavement, Artic Monkey e Arcade
Fire. Pedro Sá já trabalhava com Caetano desde o disco Noites do Norte,
lançado pelo cantor em 2000. A ideia de gravar um disco com uma levada rock foi
ganhando corpo e seriedade, e em pouco tempo, já contava com uma banda de apoio
para as gravações, o power trio batizado como Banda Cê formada por Pedro Sá
(guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo) e Marcelo Callado (bateria). Uma banda
enxuta, apenas o básico necessário para acompanhar Caetano Veloso nessa nova e
ousada empreitada em sua carreira.
Caetano Veloso e a Banda Cê, ao fundo, da esquerda para a direita: Marcelo Callado, Ricardo Dias Gomes e Pedro Sá. |
Produzido por Pedro Sá e Moreno Veloso (filho de Caetano Veloso) – os dois amigos de infância, inclusive - Cê é um trabalho em que Caetano deixou de lado os arranjos elaborados do maestro e arranjador Jaques Morelenbaum dos seus discos anteriores, e direcionou-se para uma sonoridade mais crua, simples, minimalista, inspirada no indie rock. O resultado é um frescor e jovialidade na musicalidade de Caetano Veloso.
Na época da
concepção de Cê, o relacionamento de 19 anos de Caetano Veloso e
Paula Lavigne havia chegado ao fim. Algumas faixas do álbum refletem esse
momento difícil na vida do cantor, expondo através de versos as suas dores e
ressentimentos, de maneira clara, direta e até mesmo agressiva em alguns
momentos.
O fim do
relacionamento conjugal do cantor aparece já na primeira faixa do álbum,
“Outro”, que traz nos versos um desabafo do artista, onde reconhece os seus
erros, mas que dará a volta por cima, e que quando passar por ela, ela não irá
reconhecê-lo. Oposta ao ritmo frenético de “Outro”, “Minhas Lágrimas” é lenta,
arrastada e melancólica.
Paula Lavigne e Caetano Veloso: fim de relacionamento inspirou algumas faixas do álbum Cê. |
“Rocks” é uma faixa essencialmente rock’n’roll, faz jus ao título que possui e é mais uma das faixas em que Caetano se inspirou na sua separação com Paula Lavigne. No refrão, Caetano manda um recado direto, sem rodeios: “Você foi mó rata comigo”. A base instrumental é forte, agressiva e corresponde à crueza da letra.
Em seguida,
os ânimos se acalmam com “Deusa Urbana”, uma balada carregada de erotismo nos
versos, nos quais Caetano demonstra uma completa devoção erótica ao corpo
feminino. “Waly Salomão” é uma canção em que Caetano Veloso presta homenagem ao
poeta baiano tropicalista que dá nome à música, falecido em 2003: “Meu
grande amigo / desconfiado e estridente / eu sempre tive comigo / que eras na
verdade / delicado e inocente”.
“Não Me
Arrependo” é a melhor faixa do disco, e é também mais uma das canções do disco
que tocam na separação conjugal de Caetano e Paula. Aqui, o tom confessional do
cantor é mais ameno. Caetano faz uma espécie de análise do relacionamento que
vivenciou com a ex-mulher e, apesar de tudo, para ele a história que viveram
juntos permanecerá: “Não, nada irá neste mundo / Apagar o desenho que temos
aqui / Nem o maior dos seus erros / Meus erros, remorsos / O farão sumir...”.
Seduzido
pela beleza da modelo Ilde Silva, Caetano Veloso compôs “Musa Híbrida”. O título
faz referência à miscigenação racial da modelo baiana, retratada na letra da
canção: “A minha voz tão fosca / brilha por teus lábios bundos / a malha do
teu pelo / dongo, congo, gê, tupi, batavo, luso, hebreu e mouro / se espalha
pelo mundo / vamos refazer o mundo / teu buço louro / meu canto mestiçoso”. Após o fim do seu relacionamento com Paula Lavigne, Caetano teve um breve romance com Ilde Silva.
Musa inspiradora: a modelo baiana Ilde Silva foi a inspiração para Caetano Veloso compor "Musa Híbrida". |
“Odeio”
também reflete o fim da relação conjugal de Caetano e traz um refrão direto,
claro e cheio de raiva: “Odeio você, odeio você”. A irônica “Homem” trata sobre
a masculinidade, onde Caetano diz que das mulheres, inveja apenas a “longevidade
e os orgasmos múltiplos”. Em “Porquê?”, Caetano canta estranhamente versos
repetitivos com sotaque português. “Um Sonho” é mais uma canção presente no
álbum inspirada em mulher, e teria sido dedicada por Caetano à atriz e modelo
Luana Pivani.
O álbum
termina com “O Herói”, uma música que é mais declamada do que cantada. A letra
é sobre um militante negro que se opõem à falsa “harmonia racial” brasileira,
mas que depois se descobre um “homem cordial” e instaurador da “democracia
racial”.
Lançado em
setembro de 2006, Cê (expressão que é uma corruptela de “você”), surpreendeu
o público e a crítica. Após um álbum como A Foreign Sound,
ninguém imaginaria que Caetano lançaria um trabalho com uma proposta
radicalmente diferente, completamente inspirado no indie rock, muito embora
experiência do cantor baiano com o rock não fosse uma novidade. Desde o
primeiro álbum solo, em 1968, passando pelo álbum Transa (1972) e
Velô (1984), Caetano experimentou elementos do rock nas suas
canções. Mas em Cê, Caetano já era um artista com 64 anos de
idade, mas bebia em referências do rock contemporâneo e estava acompanhado de
jovens músicos na faixa dos trinta e poucos anos. Essa virada musical de
Caetano revigorou o seu trabalho e o aproximou ainda mais das novas gerações.
O lançamento
do disco foi sucedido por uma turnê em que Caetano foi acompanhado pela Banda
Cê, a mesma que gravou com ele o álbum Cê. Em setembro de 2007,
foi lançado o CD e DVD Multishow ao Vivo: Cê, gravado ao vivo num
show na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro. Ainda em 2007, Caetano foi
premiado com o Grammy Latino na categoria “Melhor Álbum de Compositor” e a
canção “Não Me Arrependo” ganhou na categoria “Melhor Canção Brasileira”.
Cê foi o início de uma trilogia que
inclui os álbuns Zii e Zie (2009) e Abraçaço (2012),
quando encerrou-se a parceria de Caetano Veloso e a Banda Cê.
Faixas
Todas as
canções foram compostas por Caetano Veloso.
- “Outro”
- “Minhas Lágrimas”
- “Rocks”
- “Deusa Urbana”
- “Waly Salomão”
- “Não Me Arrependo”
- “Musa Híbrida”
- “Odeio”
- “Homem”
- “Porquê?”
- “Um Sonho”
- “O Herói”
Banda Cê: Pedro
Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo) e Marcelo Callado (bateria).
“Outro”
“Minhas Lágrimas”
“Rocks”
“Deusa Urbana”
“Waly Salomão”
“Não Me Arrependo”
“Musa Híbrida”
“Odeio”
“Homem”
“Porquê?”
Comentários
Postar um comentário