“Transa”(Famous/Philips, 1972), Caetano Veloso
Antes de gravar Transa, Caetano havia conseguido uma
autorização do governo ditatorial para vir ao Brasil e assistir as comemorações
dos 40 anos de casamento dos seus pais, em janeiro de 1971. Ele veio com sua
então esposa, Dedé Gadelha e passou cerca de um mês no Brasil. Sua estadia foi
um tanto quanto tensa, sob total vigilância dos militares que trataram de vigiar
seus passos. Num acordo com os militares, Caetano teve a permissão para dar entrevistas
(com uma vista prévia das perguntas, é claro), apresentações em um ou dois
programas na TV, e exigiram que mantivesse a cabeleira e a barba intactas, tudo
isso para transparecer para o público que o governo militar não estava impedindo-o
de nada ou cerceando a sua liberdade.
Caetano em 1971, em Londres. |
Depois do prazo permitido de visita, Caetano retornou para
Londres. Apesar da visita cercada de tensão, Caetano sentia-se mais motivado,
mais inspirado para gravar o próximo álbum. Mostrava que havia superado a tristeza
do exílio. A princípio, estava escalado para a produção do novo disco o
americano Lou Reisner, que junto com produtor inglês, Ralph Mace, produziram o álbum
anterior. Porém, houve um desentendimento entre os dois, e Mace foi quem acabou
assumindo a produção do novo disco. Mace já havia trabalhado com David Bowie
tocando teclados no álbum The Man Who Sold The World (1970).
Igualmente a Caetano Veloso, Transa seria lançado no
mercado britânico pelo selo Famous Records, já que a Philips inglesa não
demonstrou interesse em lançar os discos “londrinos” de Caetano e nem de
Gilberto Gil, seu parceiro de exílio.
Para a empreitada do novo álbum, Caetano, tinha em mente
gravar com uma banda. Para isso, escreveu para o Brasil convidando o violonista
Jards Macalé (que tocaria também guitarra no novo disco) e o baixista Moacyr
Albuquerque para irem a Londres, e que lá chegando, juntarem-se a Caetano, ao
baterista Áureo de Sousa e ao outro baterista, Tutty Moreno, mas este ficaria a
cargo apenas da percussão na gravação do novo disco.
Os ensaios de Caetano com grupo aconteceram no Arts Lab, em
Londres. Todo o material foi gravado do ao vivo no Chappells Studios, em
Londres, sob a produção de Ralph Mace. A direção dos arranjos de todas as
faixas ficaram aos cuidados de Jards Macalé.
Bilíngue, com canções em português e inglês, ou mesmo os
dois idiomas numa mesma canção, Transa é marcado musicalmente pelo
minimalismo e pelo experimentalismo nos arranjos criados por Macalé. No álbum,
samba, bossa-nova, baião e o cancioneiro folclórico nordestino dialogam com o
rock’n’roll e com o nascente reggae, com o qual Caetano teve contato através
dos imigrantes jamaicanos residentes na Portobello Road, uma rua do bairro londrino
Notting Hill, o mesmo bairro em que o baiano morou durante o exílio.
“You Don't Know Me” abre o álbum e conta com a participação
especial de Gal Costa cantando um pequeno trecho de “Saudosimo”, uma outra
canção de Caetano. "Nine Out Of Ten" traz na sua introdução e no seu
final, elementos do reggae, sendo a primeira música brasileira a incorporar a
sonoridade do ritmo jamaicano. A longa “Triste Bahia” é uma colagem de um poema
do poeta barroco baiano Gregório de Mattos (1626-1696) com cantos de capoeira.
Berimbau, violão e baixo abrem a canção, enquanto que a percussão cresce ao
longo da música de maneira contagiante e hipnótica.
Áureo de Souza, Maurice Hughes (engenheiro de som), Jards Macalé, Caetano Veloso e Moacir Albuquerque em Londres, em 1971. |
O lado B de Transa começa com “It's A Long
Way", em inglês-português e que traz em seus versos citações a “Sodade,
Meu Bem, Sodade”, de Zé do Norte, “Consolação”, de Baden Powell e Vinícius de
Moraes e “A Lenda da Lagoa do Abaeté”, de Dorival Caymmi. “Mora Na Filosofia”, um samba clássico de Monsueto,
ganha através de Caetano uma releitura moderna e minimalista. Em "Neolithic
Man", a faixa menos interessante do álbum, Gal Costa reaparece cantando no
final da música versos em português. O rock’n’roll com uma pegada blues
"Nostalgia (That's What Rock'n Roll Is All About)" fecha o album com
Caetano e Gal fazendo dueto, e Ângelo Ro Rô tocando gaita, ainda muito muito
jovem e antes de começar a carreira de cantora.
Disco-objeto: dobraduras da capa que transformam a capa num triângulo tridimensional, recurso presente na versão original e na do relançamento do álbum em vinil em 2012. |
Transa chegou às lojas por volta do começo de 1972 trazendo
como novidade, além das músicas, a capa. Para embalar o álbum, Caetano convidou
o artista plástico Álvaro Guimarães que fez a capa com dobraduras que permitiam
transformar a capa num triângulo tridimensional. A ideia que no começo parecia ser
uma grande sacada comercial, criou um transtorno para Caetano, pois a capa não
trazia a ficha técnica com os músicos que participaram das gravações do álbum.
O fato revoltou Macalé que rompeu a
amizade com Caetano por mais de 30 anos.
O lançamento de Transa, marcou também o retorno em
definitivo de Caetano Veloso ao Brasil, que logo ao chegar aqui, seguiu com a
turnê promocional do álbum em algumas capitais. Antes de voltar para o Brasil,
Caetano havia feito uma apresentação de Transa, no Queen Elisabeth Hall,
em Londres.
Ao longo das décadas, o valor artístico de Transa
foi ganhando reconhecimento da crítica a ponto de figurar nas listas de álbuns
mais importantes da história da música popular brasileira. Em 2012, Transa
teve um relançamento comemorativo de 40 anos, com edições especiais em CD e LP.
O material foi remasterizado nos estúdios de Abbey Road, em Londres, pelo
engenheiro Steve Rooke. A nova versão em formato LP manteve a ideia original
das dobraduras, porém trazendo a ficha técnica completa que nas edições antigas
não tinha. Isso foi suficiente para que Macalé e Caetano fizessem as pazes.
Faixas:
- “You Don't Know Me
- "Nine Out of Ten"
- "Triste Bahia"
- "It's a Long Way"
- "Mora na Filosofia"
- "Neolithic Man"
- "Nostalgia (That's What Rock'n Roll Is All About)"
Ouça Transa na íntegra
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