“Expresso 2222” (Philips, 1972), Gilberto Gil



Por Sidney Falcão

Após pouco mais de dois anos de exílio na Inglaterra, Gilberto Gil e sua esposa Sandra Gadelha retornaram ao Brasil em janeiro de 1972, e com um novo membro na família: Pedro Gil (1970-1990), o filho do casal nascido em Londres. O exílio forçado ocorreu depois que Gil e Caetano Veloso, seu parceiro na liderança do movimento tropicalista, foram presos em dezembro de 1968 pela ditadura militar brasileira (1964-1985), acusados de subversão. Em meados de 1969, os dois artistas e suas respectivas esposas tiveram que deixar o Brasil e partiram para o exílio em Londres.

Embora tivesse que deixar a sua pátria em circunstâncias autoritárias, do ponto de vista artístico, a experiência de Gil no exílio foi rica. O cantor baiano teve contato com a efervescente cena musical britânica da época. Teve contato direto com o rock inglês, com o jazz, a psicodelia, os festivais de música e toda produção de vanguarda musical que ocorria naquele momento na Inglaterra. Antenado, Gil incorporou todas essas referências à sua música. Durante o período que passou em Londres, Gil chegou a gravar em 1971 um álbum todo inglês, batizado com o seu nome, um trabalho essencialmente todo fundamentado na folk music.

Expresso 2222 foi o primeiro álbum de Gil lançado após o exílio. Quinto álbum de estúdio de Gilberto Gil, Expresso 2222 foi gravado em abril de 1972 no estúdio Eldorado, em São Paulo, um moderno estúdio de gravação que contava na época com uma mesa de 16 canais, uma novidade na época no Brasil em termos de gravação fonográfica. A produção ficou a cargo de Roberto Menescal, que era também na época, diretor artístico da gravadora Philips. Christopher Barton e Marcus Vinicius foram os engenheiros de som. A banda de apoio que acompanhou Gilberto Gil nas gravações era bem “econômica”, básica. Era composta pelos músicos Antônio Perna (piano), Bruce Henry (baixo), Lanny Gordin (guitarra) e Tutty Moreno (bateria e percussão). Gil cantou e tocou violão.

O álbum foi lançado em julho de 1972 com capa criada pelo designer gráfico Ednézio Ribeiro Primo (1945-1976), e que traz na frente da capa a fotografia do filho de Gil, Pedro Gil. A edição original da capa contia dobraduras que permitiam a capa ganhar formato redondo, tornando-a um objeto de arte, o que encareceu o custo da concepção da capa.  As dobraduras traziam imagens dos integrantes da banda que acompanharam Gil nas gravações do álbum.

Expresso 2222 é composto de nove faixas, entre canções autorais de Gil até então inéditas, e regravações de canções consagradas de outros artistas, porém com releituras de Gil bem pessoais. O álbum é pautado na conexão da musicalidade brasileira com as tendências contemporâneas da música internacional da época. Gil e sua banda, conseguiram promover um diálogo perfeito entre a crueza da música de raiz nordestina com a modernidade da música pop estrangeira. O baião, o xaxado, o samba-rock e bossa nova se encontram com o rock inglês e a psicodelia em Expresso 2222.

Gilberto Gil, o filho Pedro Gil e a sua então esposa, Sandra Gadelha,
no desembarque no aeroporto do Rio de Janeiro, na volta do exílio
em Londres, janeiro de 1972. 

A abertura de Expresso 2222 não se dá com Gilberto Gil, mas com a Banda de Pífanos de Caruaru, um dos símbolos da cultura popular nordestina. A banda abre o disco tocando “Pipoca Moderno”, música instrumental de autoria de Sebastião Biano (1919-2022), integrante do grupo pernambucano. Três anos depois, em 1975, “Pipoca Moderna” ganhou letra através de Caetano Veloso, que a gravou naquele ano para o seu álbum Joia.

Se aquele “Aquele Abraço” foi, em 1969, a canção de despedida de Gil, que partia rumo ao exílio em Londres, “Back In Bahia” representou a canção da celebração da volta do baiano ao Brasil. Em “Back In Bahia”, um rock’n’roll eletrizante, Gil expressa toda a saudade que sentia da sua pátria e da sua gente durante o exílio em Londres. A letra foi escrita por Gil quando já estava de volta ao Brasil, na casa de Dona Canô (1907-2012), mãe de Caetano Veloso, em Santo Amaro da Purificação, na Bahia.

“Canto da Ema”, de João do Valle (1934-1996), e sucesso na voz de Jackson do Pandeiro (1919-1982) em 1956, aparece em Expresso 2222 numa versão que é um misto de baião com rock, só que à base de baixo, guitarra, bateria e piano. A letra versa sobre uma crendice popular de que o canto da ema traz azar.

Gil prossegue revisitando Jackson do Pandeiro numa releitura de “Chiclete com Banana”. Composta por Gordurinha (1922-1969) e Almira Castilho (1924-2011), a música fez sucesso com Jackson em 1959, e trata sobre a preocupação em preservar a pureza do samba, livre de qualquer influência de música estrangeira: “Eu só boto bebop no meu samba/ Quando Tio Sam tocar um Tamborim/ Quando ele pegar no pandeiro e na zabumba/ Quando ele aprender que o samba não é rumba/ Aí eu vou misturar Miami com Copacabana/ Chiclete eu misturo com banana”. A versão de Gil começa com num ritmo de violão de bossa-nova, mas que ao longo da canção, ganha ares de samba-rock, aproximando o violão de Gil ao violão suingado de Jorge Ben.

Escrita por Gilberto Gil em Londres, “Ele E Eu” fecha o lado 1 do álbum Expresso 2222. Nessa canção, Gil traça comparações entre a sua personalidade com a do seu amigo Caetano Veloso. Enquanto Caetano é a inquietude e racionalidade, Gil é a calmaria e o misticismo.

O lado 2 começa com “Sai do Sereno”, mais uma música no álbum onde o forró e o rock se encontram. Gilberto Gil conheceu essa música logo que voltou do exílio, quando ouviu a versão do sanfoneiro Abdias dos Oito Baixos (1933-1991), gravada por ele em 1965. Em sua versão, Gil não fez uso da sanfona, instrumento tradicional do forró, mas injetou a eletricidade do rock sem, no entanto, tirar a essência sertaneja da música. Gal Costa faz participação especial dividindo dueto vocal com Gil.

Capa completa da versão original do álbum Expresso 2222.

A faixa seguinte é “Expresso 2222”, música que dá nome ao álbum, e foi composta por Gilberto Gil durante o exílio em Londres. É o trem que estava de partida para um ainda distante e futurista ano 2000. Segundo o Gil, a letra da canção seria uma metáfora às “viagens” com alucinógenos que ele vivenciou em Londres, chamados por ele de “expansores de consciência”. O trem e toda a descrição retratada nos versos, seriam uma alegoria às experiências com drogas pelas quais Gil passou no exílio.

“O Sonho Acabou” foi composta depois que Gil foi assistir à primeira edição do Festival de Glastonbury, em Pilton, na Inglaterra, em setembro de 1970. A canção, inspirada na frase “the dream is over”, da música “God”, de John Lennon (1940-1980), traça o fim da utopia da geração hippie dos anos 1960 e o despertar para a dura realidade da década que estava começando. Ao mesmo tempo, Gil provoca sutilmente aqueles que preferiram a submissão ao autoritarismo vigente no Brasil na época a esboçar algum tipo de reação: “quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou”.

Fechando o álbum, “Oriente”, uma canção de teor reflexivo, e que traz apenas a voz e o violão de Gilberto Gil. Além de cantar versos de profundidade filosófica, Gil emprega em seu instrumento linhas melódicas que ora remetem ao blues, ora a uma linha melódica que sugere uma musicalidade árabe. Gil faz um jogo interessante com o sentido da palavra “oriente”: tanto pode ser o substantivo “oriente” referindo-se ao sentido geográfico, como pode se tratar do verbo no sentido de orienta-se, guiar-se, de se direcionar para algum lugar ou para algo.

O lançamento de Expresso 2222 foi seguindo de uma turnê promocional do disco, que percorreu as principais capitais brasileiras durante o segundo semestre de 1972. Em dezembro daquele ano, Gilberto Gil fez uma temporada de shows no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro.

Expresso 2222 não foi apenas um álbum que marcou o retorno de Gil ao Brasil após dois anos de exílio em Londres. Foi o trabalho da grande virada na carreira do cantor baiano, um divisor de água responsável por conectar as raízes musicais do nordeste brasileiro com a vanguarda da música pop internacional daquele começo da década de 1970. Tal conexão iria influenciar todo o resto da discografia de Gil, sobretudo a famosa “trilogia Rê”, formada pelos álbuns Refavela (1975), Refazenda (1977) e Realce (1979), tão importantes na discografia de Gil quanto Expresso 2222.

Faixas

Todas as canções escritas por Gilberto Gil, exceto onde indicado. 

Lado 1

  1. "Pipoca Moderna" (com a Banda de Pífanos de Caruaru) ( Sebastião C. Biano)
  2. "Back in Bahia"                      
  3. "O Canto da Ema" (João do Vale - Aires Viana - Alventino Cavalcanti)
  4. "Chiclete com Banana" (Almira Castilho - Gordurinha)
  5. "Ele e Eu" 

Lado 2            

  1. "Sai do Sereno" (participação de Gal Costa) (Onildo Almeida)      
  2. "Expresso 2222"                    
  3. "O Sonho Acabou"                
  4. "Oriente"

 

Gilberto Gil (violão, guitarra, voz; percussão na faixa "Expresso 2222"), Lanny Gordin (guitarra; baixo nas faixas "O Canto da Ema" e "Chiclete com Banana"), Bruce Henry (baixo), Tuti Moreno (bateria, percussão na faixa "Expresso 2222"), Antônio Perna (piano; celesta na faixa "Ele e Eu").

 

Referências:

Revista Bizz – dezembro/1995 – Edição 126, Editora Azul

gilbertogil.com.br

g1.globo.com

jc.ne10.uol.com.br

wikipedia.org

 

 

 

"Pipoca Moderna"

"Back in Bahia"

"O Canto da Ema

"Chiclete com Banana"

"Ele e Eu"

"Sai do Sereno"

"Expresso 2222"

"O Sonho Acabou"

"Oriente"

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