10 discos essenciais: Erasmo Carlos



Por Sidney Falcão

Amigo de fé, irmão, camarada de Roberto Carlos, Erasmo Carlos nasceu em 5 de junho de 1941, no Rio de Janeiro. Seu nome de batismo é Erasmo Esteves, cresceu no bairro da Tijuca, onde na adolescência, nos anos 1950, teve os primeiros contatos com o rock’n’roll junto com outros amigos de sua mesma idade como Roberto Carlos, Tim Maia e Jorge Ben, amigos esses que anos mais tarde, assim como ele, se tornaram mais tarde grandes estrelas da música brasileira.

A carreira musical de Erasmo começa em 1957, quando formou a banda The Snakes com Arlênio Lívio, Edson Trindade e José Roberto, três dissidentes de uma outra banda juvenil, The Sputniks, que haviam acabado após um desentendimento entre dois outros membros do grupo, Roberto Carlos e Tim Maia. Os Snakes chegaram a lançar em 1961 um compacto (single) e um álbum, mas pouco tempo depois, o grupo se dissolveu. Através de Carlos Imperial, Erasmo entrou na banda Renato & Seus Blue Caps para ser vocalista. O grupo acompanhou Roberto Carlos em 1963 na gravação de “Splish Splash”, de Bobby Darin, cuja versão em português foi escrita pelo próprio Erasmo. A música na voz de Roberto se tornou um grande sucesso, e a partir de então, Roberto e Erasmo iniciaram a mais bem sucedida parceria da música brasileira. Nessa mesma época, Erasmo também se dedicava a escrever versões em português de sucessos do rock internacional.

Em 1964, Erasmo Carlos deixa o Renato & Seus Caps para iniciar carreira solo. Lança em 1965, pela gravadora RGE, o seu primeiro álbum solo, A Pescaria. Em setembro do mesmo ano, estreia na TV Record, em São Paulo, o programa Jovem Guarda. Comandado por Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa, o programa exibido nas tardes de domingo apresentando bandas e jovens cantores de rock, se torna um fenômeno popular televisivo. Conquista milhões de jovens em todo o Brasil e dita o gosto musical da juventude brasileira. O programa deu grande visibilidade a Erasmo, que no programa, recebeu o apelido de “Tremendão”.

Com o fim do programa Jovem Guarda, Erasmo redireciona a sua carreira ao tentar se desvencilhar do ídolo juvenil e tenta buscar um tipo de música mais madura. E essa busca se concretiza em 1971, quando é contratado pela gravadora Philips, onde ele vai conectar a sua vocação roqueira com a MPB. Naquele ano, lança pela Philips, o elogiado Carlos,Erasmo. A partir de 1972, os discos de Erasmo passaram a ser lançados pelo selo Polydor, subsidiária da PolyGram, grupo fonográfico criado naquele ano após fusão dos selos fonográficos da Philips com os da Siemens. Com Carlos, Erasmo, o cantor inicia a melhor fase de álbuns de canções inéditas de sua carreira que vai até o álbum Pelas Esquinas de Ipanema (1978).

Em 1980, lança Mulher (Sexo Frágil), o álbum mais vendido da carreira de Erasmo Carlos, e que traz sucessos como “Mulher”, “Pega na Mentira” e “Minha Superstar”. Durante toda a década de 1980, o cantor lança anualmente discos com apelo comercial, mas sem a qualidade artística dos seus álbuns da década de 1970. Nos anos 1990, a carreira de Erasmo sofre um declínio, o cantor lança em toda aquela década apenas dois álbuns, Homem de Rua (1992) e É Preciso Saber Viver (1996).

Mas nos anos 2000, a carreira de Erasmo começa a recuperar o prestígio. Em 2001, seu álbum Pra Falar de Amor emplaca a canção “Alguém na Multidão”, dueto do cantor com Marisa Monte. Vinte e sete anos depois de Erasmo Convida (1980), Erasmo Carlos lança em 2007 o Erasmo Convida II que traz novos e ilustres convidados como Chico Buarque, Lulu Santos, Zeca Pagodinho, Adriana Calcanhoto, Skank, Los Hermanos, Djavan entre outros. Em 2009, lança pelo selo Coqueiro Verde, o álbum Rock’n’Roll, produzido por Liminha, que apresenta Erasmo retomando a sua vocação roqueira. No ano seguinte, Erasmo Carlos lança a sua autobiografia, Minha Fama de Mau, pela Editora Objetiva.

Em 2014, Erasmo é agraciado com o prêmio Grammy Latino de “Melhor Álbum de Rock Brasileiro”, pelo álbum Gigante Gentil. No ano seguinte, é lançado o DVD Meus Lados B, trazendo apenas músicas pouco conhecidas de Erasmo. Na premiação do Grammy Latino em 2018, em Las Vegas, Estados Unidos, Erasmo recebe o Prêmio Excelência Musical, oferecido pela Academia Latina de Gravação, um justo reconhecimento pelo conjunto de sua obra. Em 2019, Erasmo Carlos lança Quem Foi Que Disse Que Eu Não faço Samba..., um EP com sambas, sambalanços e samba rocks compostos por ele ao longo de sua carreira.

Abaixo, confira dez discos que ajudam a compreender a carreira de Erasmo Carlos.


A Pescaria (RGE, 1965). Primeiro álbum da carreira solo de Erasmo Carlos, A Pescaria, foi lançado cerca de três meses antes da estreia do programa Jovem Guarda, na TV Record. Com um repertório baseado em rock’n’roll, surf rock e baladas românticas, A Pescaria emplacou alguns dos maiores clássicos da Jovem Guarda como movimento musical, como a faixa “Festa de Arromba” (um rock sobre uma festa reunindo os grandes astros da música jovem brasileira da época), “Terror Dos Namorados” e “Fama De Mau”.




Você Me Acende (RGE, 1966). Em seu segundo álbum, Você Me Acende, Erasmo já havia alcançado a fama de astro da Jovem Guarda. Já conhecido pelo apelido de “Tremendão”, Erasmo havia assumido a persona de “bad boy”, e isso fica evidente na capa. Você Me Acende dá continuidade ao rock juvenil e descontraído do álbum anterior, A Pescaria. Mas o álbum traz um Erasmo em sua primeira inovação em “O Carango”, antecipando o canto cheio de malandragem que se tornaria a marca registrada de Wilson Simonal (1938-2000). Porém, a baladinha “Gatinha Manhosa” foi talvez a faixa mais famosa do álbum. Você Me Acende traz outros bons e divertidos momentos nos rocks “Alô Benzinho”, “Você Me Acende” (versão de “You Turn Me”, de Ian Whitcomb), “Peço A Palavra” e “É Duro Ser Estátua”.


Erasmo Carlos E Os Tremendões (RGE, 1966). Último álbum de Erasmo Carlos pela RGE, Erasmo Carlos E Os Tremendões traz indícios dos caminhos que o cantor tomaria para a sua carreira pós-Jovem Guarda. Há flertes com a MPB (“Teletema” e “Saudosismo”) e o samba rock (“Coqueiro Verde”). Erasmo até se aventura num clássico de Ary Barroso (1903-1964), nada menos que “Aquarela do Brasil”. Gravada para a trilha sonora do filme Roberto Carlos E O Diamante Cor de Rosa (1970) e incluída no álbum Erasmo Carlos E Os Tremendões, a balada romântica “Vou Ficar Nu Pra Chamar Sua Atenção” tem uma letra que mistura inocência e malícia, e uma sonoridade que remete ao Erasmo dos tempos da Jovem Guarda.   



Carlos, Erasmo (Philips, 1971). Este álbum marca a estreia de Erasmo Carlos na gravadora Philips, na época composta por elenco de grandes estrelas da MPB, dentre as quais Caetano Veloso, Chico Buarque, Elis Regina e Gilberto Gil. O disco estreitou a aproximação do rock praticado por Erasmo com a MPB. Além de canções da dupla Roberto e Erasmo, o álbum traz canções de compositores da MPB como Caetano Veloso, Taiguara, Jorge Ben e dos irmãos Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle. No repertório, há um leque de estilos que passa pela MPB, samba rock, soul e claro, o rock. Os destaques ficam para “De Noite Na Cama”, “É Preciso Dar Um Jeito Meu Amigo” e “Agora Ninguém Chora Mais”. A curiosidade fica por conta de “Maria Joana”, composta por Roberto e Erasmo, e que traz uma letra que parece ser uma sutilíssima alusão à maconha.


Sonhos e Memória (1941-1972) (Polydor, 1972). Disco de teor autobiográfico e nostálgico, que já começa pelo próprio título, traz o ano de nascimento e o ano de lançamento do álbum. “Largo da 2ª Feira” é uma canção saudosista em que Erasmo relembra a infância e adolescência no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.  Em “Bom Dia, Rock’n’Roll”, Erasmo presta um tributo aos pioneiros do rock que ele aprendeu a admirar quando era adolescente, nos anos 1950. “Mané João” é um samba minimalista com inserções de piano rock’n’roll, que traz nos seus versos uma história trágica que remete a “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil. Erasmo faz uma releitura de “É Proibido Fumar”, que ganha aqui neste disco, uma versão mais pesada e agressiva do que a original gravada por Roberto Carlos em 1965. 


1990 - Projeto Salva Terra (Polydor, 1974). Após o ano de 1973 sem lançar álbum, apenas se concentrando em compactos, Erasmo Carlos retorna ao formato álbum com 1990 - Projeto Salva Terra, um trabalho em que o ex-ídolo da Jovem Guarda prossegue a sua experiência com a MPB e o samba rock, mas sem abrir mão do rock. Neste disco, Erasmo volta a regravar um antigo sucesso gravado por Roberto Carlos, “Negro Gato”, que aparece aqui numa versão mais pesada. O country rock “A Lenda de Bob Nelson” é uma homenagem de Erasmo ao seu ídolo de infância, Bob Nelson, cantor brasileiro que fez sucesso nos anos 1940 cantando canções em português inspiradas em filmes de faroeste. A faixa “1990 – Projeto Salva Terra” traça um futuro apocalíptico para o planeta Terra. O futurismo é tema também de “Haroldo, O Robô Doméstico”, um rock divertido sobre um robô humanizado, atrapalhado e apaixonado, que teve um final trágico. “Cachaça Mecânica” é claramente inspirada em “Construção”, de Chico Buarque. Mas sem sombra de dúvidas, a principal faixa do álbum é “Sou Uma Criança, Não Entendo Nada”, que se tornou um grande sucesso radiofônico.


Banda dos Contentes (Polydor, 1976). Neste álbum, nota-se uma menor influência da MPB em relação aos álbuns anteriores, e um maior protagonismo do rock. “Filho Único” foi a faixa de maio sucesso do álbum, graças à sua inclusão na trilha sonora da novela Locomotivas, da TV Globo, em 1977. A bela “Queremos Saber”, de Gilberto Gil, traz indagações sobre os avanços tecnológicos. “Terra de Montezuma”, de Ruy Maurity, é uma canção com ritmo musical andino sobre a cultura asteca antes da chegada dos colonizadores espanhóis nas Américas. Banda dos Contentes trouxe aquela que seria a primeira versão de “Paralelas”, gravada antes mesmo de seu autor, Belchior, e ainda com a letra original, que foi modificada posteriormente na versão gravada por Belchior e Vanusa. O álbum termina em clima de filme de faroeste com a boa “Billy Dinamite” que conta a história de amor de um cowboy e da índia Pão de Mel.


Erasmo Convida (Polydor, 1980). A ideia de gravar um álbum recheado de convidados fazendo dueto com Erasmo Carlos em regravações dos seus grandes sucessos, surgiu durante um almoço entre o diretor artístico Guti, o produtor Jairo Pires e o próprio Erasmo. Porém, a ideia de gravar um disco com convidados ilustres parecia ser uma tarefa difícil. Contudo, Erasmo encarou o desafio, listou o repertório, e em pouco tempo, conseguiu reunir um elenco estelar de convidados. Dentre os duetos, merecem destaque o dueto de Erasmo com o eterno amigo Roberto Carlos (“Sentado À Beira do Caminho”), com Rita Lee (“Minha Fama de Mau”), com Tim Maia (“Além do Horizonte”) e com Caetano Veloso (“Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”).



Mulher (Sexo Frágil) (Polydor, 1981). Desde a chegada de Erasmo Carlos à Philips, Mulher (Sexo Frágil) foi o maior sucesso comercial de Erasmo Carlos. Na época de seu lançamento, o álbum causou polêmica por causa da capa que mostra Erasmo supostamente amamentado pela sua então esposa, Narinha. A faixa de maior sucesso radiofônico foi “Mulher”, composta por Erasmo e Narinha. Outras faixas que também se tornaram sucesso foram “Minha Superstar” (balada que Erasmo dedicou a Narinha) e a bem humorada “Pega Na Mentira”, em que Erasmo conta as mais absurdas mentiras, e inaugura a fase em que o cantor passou a incluir a cada disco uma canção com apelo cômico.


Rock’n’Roll (Coqueiro Verde, 2009). Nos anos 2000, Erasmo Carlos promoveu o renascimento da sua carreira, e este álbum, Rock’n’Roll, ajudou a resgatar a imagem roqueira do ex-astro da Jovem Guarda. É um disco com um repertório com canções de arranjos simples, rock’n’roll básico, sem firulas. “Cover” é um rock’n’roll divertido em que Erasmo brinca ao dizer que gosta de ser cover de si mesmo. “Jogo Sujo” parece tratar a vida como um jogo, onde sempre temos que apostar. A balada “Chuva Ácida” é uma canção sobre um relacionamento que chegou ao fim: “Canções de amor servem pra chorar as mágoas e esconder a dor”. O rock balada “A Guitarra É Uma Mulher” traz uma guitarra deliciosamente chorosa tocada brilhantemente pelo guitarrista Billy Brandão. Destoando de todo o álbum, “Celebridades” é uma faixa em que Erasmo faz uma rara inserção no ska.


Referências:

Minha fama de mau - Erasmo Carlos, Editora Objetiva, 2010

erasmocarlos.com.br


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