10 discos essenciais: Jovem Guarda


A Jovem Guarda foi um dos maiores fenômenos de massa da história da música popular brasileira em todos os tempos. Tudo começou quando em meados dos anos 1960, foram proibidas as transmissões ao vivo das partidas de futebol pela TV nas tardes de domingo. Para “tapar o buraco” deixado com o fim das transmissões dos jogos, uma agência de publicidade, a Magaldi, Maia & Prosperi, propôs à TV Record de São Paulo a criação de um programa musical direcionado ao público jovem.

A emissora topou a ideia, e a assim estreava em agosto de 1965 o programa Jovem Guarda, sob o comando de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderlea, três jovens estrelas do rock brasileiro que estavam em ascensão. O programa era frequentado por alguns dos maiores astros da música jovem brasileira da época como Jerry Adriani, Renato & Seus Blue Caps, Wanderley Cardoso, Os Incríveis, Martinha, Trio Esperança, Eduardo Araújo, Leno & Lílian, The Fevers e mais outras dezenas de jovens artistas.

O programa Jovem Guarda fez um enorme sucesso. Conquistou o público jovem de norte a sul do Brasil, e alavancou a carreira de dezenas de bandas e cantores, cujas canções estavam entre as mais executadas nas rádios brasileiras. Musicalmente, as referências da Jovem Guarda eram Beatles (safra 1964/1965), o pop norte-americano e inglês da época, e o rock’n’roll dos anos 1950. Aliás, a fórmula musical dos astros da Jovem Guarda parecia infalível: canções ingênuas e de fácil assimilação, versos simples e pueris, e nada de temas contestadores ou politizados. O foco era música pop para consumo rápido e para entreter. Boa parte do repertório, ainda que houvesse canções autorais, era formado por versões em português de músicas de bandas e cantores internacionais de música pop e rock.

A Jovem Guarda influenciou o comportamento da juventude brasileira em meados dos anos 1960, tanto no modo de vestir como na maneira de falar, criando gírias que caíram na boca do povo como “é uma brasa, mora?”, “papo firme”, “barra limpa” ou “legal”, dentre outras tantas expressões. E é claro, a Jovem Guarda era também uma máquina de fazer dinheiro: o mercado foi inundado por produtos com a marca Jovem Guarda ou que tivessem a ver com seus ídolos, desde roupas, calçados e brinquedos até toda espécie de quinquilharia que fosse capaz de fazer a alegria e satisfação dos fãs e engordar a conta bancária dos empresários e artistas.  

Roberto Carlos, Wanderlea e Erasmo Carlos: os apresentadores do programa Jovem Guarda.

De programa televisivo, a Jovem Guarda tomou grandes proporções e ganhou status de movimento musical, que se por um lado havia conquistado milhões de admiradores, por outro ganhou vários desafetos. A ala mais radical da MPB, muito influenciada pela política de esquerda, acusava a Jovem Guarda de “alienada” e “americanizada” por praticar um tipo de música despolitizada num país mergulhado numa ditadura militar.

Como todo modismo, a Jovem Guarda entrou em desgaste por volta de 1968, quando o programa apresentado por Roberto, Erasmo e Wanderléa foi perdendo audiência, e chegou ao fim naquele mesmo ano. O mundo passava por transformações, os interesses dos jovens já eram outros. A música pop internacional havia se tornado mais questionadora, mais transgressora com o advento da contracultura e do psicodelismo, e não havia mais espaço para uma ingenuidade musical como a da Jovem Guarda. No Brasil, as atenções do público se voltavam para os festivais de música promovidos pela TV Record, a mesma emissora que transmitia o programa Jovem Guarda.

O fim da Jovem Guarda fez seus principais ídolos tomarem rumos diferentes nas suas carreiras. Roberto Carlos passou a investir num seguimento mais romântico, onde viria a ser bem sucedido e se consagrar como o cantor mais popular do Brasil e o maior vendedor de discos da música brasileira em todos os tempos. Erasmo manteve-se no rock, mas abriu um leque de possibilidades, flertando com a soul music e a MPB, no começo dos anos 1970. Wanderléa “patinou” entre o pop, a música brega e algumas experiências com a MPB. A grande maioria das estrelas que brilharam na Jovem Guarda, tendeu para um tipo de música popularesca, beirando a breguice como Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Renato & Seus Blue Caps, Vanusa, entre outros. Alguns poucos pegaram caminho da música sertaneja como Sérgio Reis e Nalva Aguiar, e se deram bem.

Apesar da vida curta, porém intensa, a Jovem Guarda deixou o seu legado ao consolidar o rock no Brasil. Abriu caminho para outras tendências que tinham alguma veia roqueira, como o Tropicalismo, que adotou a guitarra elétrica e o órgão Hammond, instrumentos tão presentes no rock e na música pop. A Jovem Guarda exerceu influência no que se produziu de música popular no Brasil ao longo das décadas seguintes, como no novo momento de popularidade do rock brasileiro alcançado nos anos 1980, e que pode ser percebido nos álbuns de new wave do Kid Abelha, Léo Jaime, João Penca & Seus Miquinhos Amestrados, dentre outros ídolos.  


A Pescaria (CBS, 1965), Erasmo Carlos. Primeiro álbum da carreira de Erasmo Carlos, A Pescaria, foi lançado cerca de três meses antes da estreia do programa Jovem Guarda, na TV Record. Com um repertório baseado em rock’n’roll, surf rock e baladas românticas, A Pescaria emplacou alguns dos maiores clássicos da Jovem Guarda como movimento musical, a faixa “Festa De Arromba” (um rock sobre uma festa reunindo os grandes astros da música jovem brasileira da época), “Terror Dos Namorados” e “Fama De Mau”.




The Golden Boys (Odeon, 1965), Golden Boys. O grupo vocal carioca Golden Boys surgiu bem antes da Jovem Guarda, em 1958, inspirado nos conjuntos vocais negros norte-americanos de doo-wop como The Platters e The Moonglows. Contudo, o seu repertório musical incluía também rock’n’roll e baladas pop. Na época da Jovem Guarda, nos anos 1960, o grupo Golden boys já demonstrava que era um conjunto vocal versátil, que não se limitava apenas ao som pop juvenil daquele movimento. Em seu álbum The Golden Boys, o quarteto mostra todo o seu ecletismo musical: surf rock (“Dançando Surf”), balada romântica (“Não Vivo Sem Você”), doo-wop estilo anos 1950 (“Alguém Querendo Alguém”) e até bossa-nova cheia de balanço (“E...Na Onda do Balanço” e “Toque Balanço”), onde fazem harmonizações vocais que em nada devem a conjuntos vocais de bossa-nova como Os Cariocas.


Jovem Guarda (CBS, 1965), Roberto Carlos. Em agosto de 1965, o programa Jovem Guarda estreava na TV Record, de São Paulo, apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa. Três meses depois, Roberto lançava o seu quinto álbum batizado com o mesmo nome do programa apresentado por ele e seus amigos na TV. Jovem Guarda, o álbum, foi responsável por impulsionar não só programa de TV como também a própria carreira de Roberto Carlos transformando-o num astro do rock e “Rei da Jovem Guarda”. A faixa “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno” chocou os católicos conservadores da época, mas fez um sucesso estrondoso no rádio, e se tornou um clássico do rock brasileiro. “Escreva Uma Carta Meu Amor”, “Mexericos Da Candinha” e “Lobo Mau” (versão em português para “The Wanders”, de Dion & The Belmonts) também fizeram sucesso.


Leno & Lílian (CBS, 1966), Leno & Lílian. A dupla Leno & Lílian era uma espécie de “Sandy & Júnior da Jovem Guarda”. A diferença é que Leno & Lílian não era uma dupla de irmãos, ao contrário de Sandy & Júnior. Leno & Lílian alcançou a fama ainda muito jovem, praticamente adolescente durante a Jovem Guarda, através de canções pop “açucaradas” e românticas. A dupla estourou com o compacto “Pobre Menina”, que fez um enorme sucesso. Em 1966, a dupla lançou o primeiro e homônimo álbum que além de incluir “Pobre Menina”, trouxe outras canções que se tornaram grandes sucessos da carreira de Leno & Lílian como “Devolva-me”, “Veja Se Me Esquece” e “Eu Não Sabia Que Você Existia”.


Você Me Acende (RGE, 1966), Erasmo Carlos. Em seu segundo álbum, Você Me Acende, Erasmo já havia alcançado a fama de astro da Jovem guarda. Já conhecido pelo apelido de “Tremendão”, Erasmo havia assumido a persona de “bad boy”, e isso fica evidente na capa. Você Me Acende dá continuidade ao rock juvenil e descontraído do álbum anterior, A Pescaria. Mas o álbum traz um Erasmo em sua primeira inovação em “O Carango”, antecipando o canto cheio de malandragem que se tornaria a marca registrada de Wilson Simonal. Porém, a baladinha “Gatinha Manhosa” foi talvez a faixa mais famosa do álbum. O álbum traz outros bons e divertidos momentos nos rocks “Alô Benzinho”, “Você Me Acende” (versão de “You Turn Me”, de Ian Whitcomb), “Peço A Palavra” e “É Duro Ser Estátua”.


Um Embalo Com Renato & Seus Blue Caps (CBS, 1966), Renato & Seus Blue Caps. Liderada pelo vocalista e guitarrista Renato Barros, a banda Renato & Seus Blue Caps foi uma das mais importantes bandas da Jovem Guarda. Notabilizou-se por fazer versões em português de sucessos dos Beatles, muitas delas lançadas no mercado antes das versões originais chegarem ao Brasil. No entanto, gravava também canções autorais. Um Embalo Com Renato & Seus Blue Caps, quinto álbum da banda carioca e um dos mais vendidos da sua discografia, traz alguns dos seus maiores hits como “Meu Bem Não Me Quer”, “A Primeira Lágrima” e “Não Te Esquecerei”, versão em português de “California Dreamin’”, do Mamas And the Papas. Além de gravar seus próprios discos, a banda Renato & Seus Blue Caps serviu de banda de apoio nas gravações de discos de vários cantores da Jovem Guarda.


Para Os Que Amam Os Beatles, Os Rolling Stones E...Os Incríveis (RCA, 1967), Os Incríveis. A banda paulista Os Incríveis surgiu em 1965 das cinzas de uma outra banda, a The Clevers, especialista em rock instrumental. Da antiga banda, Os Incríveis herdaram o talento para a música instrumental. Porém, na sua nova configuração, dedicou-se a gravar também músicas cantadas e que fazem parte da maioria dos grandes sucessos da banda. O maior deles é “Era Um Garoto Que Como Eu, Amava Os Beatles E Os Rolling Stones”, uma versão em português de um rock italiano de Gianni Morandi, e que está presente em Para Os Que Amam Os Beatles, Os Rolling Stones E...Os Incríveis, quarto disco dos Incríveis. Mas além das músicas com vocais, há espaço no álbum para faixas instrumentais como “Minha Oração”, “Czardas” e a antológica “O Milionário”. Destaque para o baterista Netinho e o saxofonista Manito.


Roberto Carlos Em Ritmo de Aventura (CBS, 1967), Roberto Carlos. Considerado o melhor álbum de Roberto Carlos durante a sua fase na Jovem Guarda, Roberto Carlos Em Ritmo de Aventura é trilha sonora do filme homônimo dirigido por Roberto Farias e estrelado pelo próprio Roberto Carlos. O álbum traz um desfile de canções que se tornaram antológicas na carreira de Roberto bem como na história do rock brasileiro, destacando os rocks “Eu Sou Terrível”, “Quando”, “Por Isso Corro Demais” e baladas românticas “Só Vou Gostar De Quem Gosta De Mim” e “Como É Grande O Meu Amor Por Você”. Para a gravação desse disco, Roberto Carlos contou não só com a sua própria banda de apoio, a RC-7, mas também com a Renato & Seus Blue Caps e com o tecladista Lafayette, o mais requisitado pelos cantores da Jovem Guarda e que ficou famoso pelo seu estilo inconfundível em tocar o órgão Hammond.


Wanderléa (CBS, 1967), Wanderléa. Conhecida pelo apelido carinhoso de “Ternurinha”, Wanderléa ganhou de presente do amigo e colega de programa de TV, Erasmo Carlos, a canção “Prova De Fogo”. A música, um rock nervoso e agitado, foi gravado por Wanderléa para o seu quinto e autointitulado álbum, lançado em 1967, e se tornou um dos maiores sucessos da carreira da cantora. O restante do álbum é composto por versões em português de rocks e canções pop estrangeiras, além de canções em português. “Hoóscopo”, “Te Amo” e “Gostaria de Saber” são outras faixas que também viraram hits.



A Onda Do Boogaloo (Odeon, 1968), Eduardo Araújo. O público e a crítica estranharam o álbum A Onda Do Boogaloo na época de seu lançamento, quando a Jovem Guarda chegava ao fim. O álbum marcou uma nova orientação musical na carreira de Eduardo Araújo, quando o artista aproximou-se da soul music e do R&B. Das doze faixas, nove são versões em português do repertório da soul music norte-americana como “Vamos Recomeçar” (“Come Back Baby”, de Ray Charles), “Tenho Que Ter Todo Seu Amor” (“Got To Have A Hundred”, de Wilson Pickett) e “Baby, Baby sim, Baby” (“Since You’ve Been Gone”, Aretha Franklin). O álbum foi produzido por Tim Maia, que havia recém retornado ao Brasil após cinco anos nos Estados Unidos. Uma outra curiosidade em A Onda Do Boogaloo: o álbum traz a primeira gravação de “Você”, canção que ficou eternizada na voz de Tim Maia, seu autor, e que só seria gravada por ele em 1971.

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