Capital Inicial (Polygram, 1986), Capital Inicial


Por Sidney Falcão 

O início dos anos 1980 marcou uma revolução no rock brasileiro com a ascensão de uma nova geração de bandas e artistas do gênero, que trouxe uma nova identidade para a música jovem brasileira. Em meio ao fim da ditadura e à reabertura política, bandas como Blitz, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e Legião Urbana emergiram com uma sonoridade moderna e letras que falavam diretamente à juventude da época.

 A explosão do daquela nova geração roqueira deve muito à fusão de referências internacionais – do punk ao new wave – com a realidade brasileira. As bandas passaram a abordar temas urbanos, questões existenciais e críticas sociais, estabelecendo uma conexão única com o público. O surgimento de programas de TV e rádios voltados ao rock ajudou a consolidar o gênero, enquanto as gravadoras enxergaram o potencial comercial do novo som. 

A nova geração do rock brasileiro nos anos 1980 não estava restrita ao Rio de Janeiro e a São Paulo, mas também se desenvolvia em outros centros urbanos do país, como Porto Alegre, Belo Horizonte e Salvador, ainda que com intensidades diferentes. Nem mesmo a capital do país, Brasília, ficou de fora — muito pelo contrário, tornou-se um dos principais polos do rock nacional. O som das bandas da capital federal naquele momento era marcado pela influência do punk e pela forte crítica social em suas letras. 

O isolamento geográfico da cidade e o fato de ser a capital política do país criaram um ambiente propício para a contestação. Filhos de diplomatas, servidores públicos e militares, os jovens brasilienses encontravam na música uma forma de expressar sua insatisfação com a repressão da ditadura e com a monotonia da cidade planejada. Inspirados pelo punk britânico e americano, esses grupos adotaram um som direto, agressivo e com letras que refletiam a realidade política do Brasil. 

Daquela efervescência roqueira na capital federal, surgiram bandas que ajudaram a moldar o cenário roqueiro brasiliense, como o Aborto Elétrico e a Blitx 64, e que, além de influenciar outras bandas locais de menor expressão, dariam origem a grupos que ganhariam projeção nacional, como Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial. A Legião Urbana traduzia as angústias existenciais da juventude, a Plebe Rude trazia um discurso politizado, enquanto o Capital Inicial equilibrava a rebeldia e o apelo pop. Brasília, que a princípio parecia improvável como cenário para um movimento musical, tornou-se o epicentro de uma revolução sonora que redefiniu o rock brasileiro. 

Aborto Elétrico com Renato Russo e os irmãos Fê e Flavio Lemos
no começo dos anos 1980. 

Com o fim do Aborto Elétrico em 1982, os irmãos Fê Lemos (bateria) e Flávio Lemos (baixo) juntaram-se a Loro Jones (guitarra), ex-Blitx 64, e chamaram uma amiga chamada Heloísa para assumir os vocais, formando assim o Capital Inicial. Enquanto isso, Renato Russo (1960-1996) seguiu um curto período se apresentando sozinho, mas ainda em 1982 formou a Legião Urbana com Eduardo Paraná, Marcelo Bonfá e Paulo Paulista. 

Em 1983, Heloísa deixou o Capital Inicial por pressão dos pais. O posto de vocalista foi assumido por Dinho Ouro Preto, um fã do Aborto Elétrico, que teve uma rápida passagem pela banda Dado & O Reino Animal, assim como Loro Jones, antes de integrar o Capital Inicial. A Dado & O Reino Animal incluía dois membros que entrariam para a Legião Urbana: Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. 

Depois de um período tocando no circuito alternativo de Brasília ao lado da Plebe Rude e da Legião Urbana, o Capital Inicial deixou a capital federal em meados dos anos 1980 e migrou para o Sudeste do Brasil, principal mercado musical do país, em busca de oportunidades. A Legião Urbana, a Plebe Rude e algumas outras bandas de Brasília menos conhecidas tomaram a mesma atitude. Em pouco tempo, Rio de Janeiro e São Paulo testemunharam uma “invasão brasiliense”. O Capital Inicial fez apresentações no Circo Voador, no Rio de Janeiro, e no SESC Pompéia, em São Paulo. 

Em meio a tantos shows no eixo Sul-Sudeste do Brasil, em 1984, o Capital Inicial participou da coletânea Os Intocáveis, um disco lançado pela gravadora CBS reunindo novas bandas. No final daquele ano, a banda brasiliense assinou contrato com a CBS e lançou seu primeiro compacto, trazendo duas músicas: “Descendo o Rio Nilo” e “Leve Desespero”. Além do compacto, havia a promessa do lançamento do primeiro álbum da banda. 

Porém, um desentendimento entre o Capital Inicial e a CBS acabou anulando a possibilidade do lançamento do álbum. Os integrantes se recusaram a se apresentar nos programas de TV de Hebe Camargo (1929-2012) e Flávio Cavalcanti (1923-1986), o que gerou um clima tenso entre os dois lados. A banda preferiu deixar a gravadora.

 

Capa do primeiro compacto do Capital Inicial, lançado pela CBS, em 1985, com as
músicas "Descendo O Rio Nilo" e "Leve Desespero".

Em 1986, o Capital Inicial assinou contrato com a Polygram. Já no começo do ano, entrou em estúdio para gravar seu primeiro álbum, concluído em março. O desafio era preservar sua identidade sem abrir mão da qualidade técnica exigida pelo mercado. A solução veio na forma de um som polido, mas sem perder a energia visceral herdada do punk rock. 

Musicalmente, o disco equilibrava o peso das guitarras com melodias acessíveis e letras que traduziam o cotidiano urbano. A influência do punk britânico, especialmente de Sex Pistols e The Clash, era evidente na urgência dos arranjos. Ao mesmo tempo, havia um flerte com a new wave e o reggae, emulando The Police. Esse hibridismo aproximava o Capital Inicial de contemporâneos como Legião Urbana e Paralamas do Sucesso, sem, no entanto, diluir sua identidade. 

O grande dilema era encontrar um ponto de equilíbrio entre autenticidade e viabilidade comercial. As gravadoras buscavam hits fáceis, enquanto a banda queria manter a crueza de suas composições. Mesmo assim, o álbum de estreia do Capital Inicial conseguiu dialogar com um público amplo sem se render a fórmulas prontas. Nesse desafio enfrentado pela banda, a presença de Bozo Barretti (que tocou teclados no álbum) foi fundamental para encontrar esse ponto de equilíbrio.

Formação do Capital Inicial do primeiro álbum: Dinho Ouro Preto,
Fê Lemos, Loro Jones e Flávio Lemos.

Entre críticas sociais, letras urbanas e uma energia punk filtrada pelo pop, o primeiro e autointitulado álbum do Capital Inicial captou a inquietação de uma geração de jovens de um país recém-saído de 20 anos de ditadura militar. O disco trazia canções próprias da banda, além de algumas do repertório do Aborto Elétrico, conhecidas apenas pelo público alternativo de Brasília, mas que a partir de então ganhariam projeção e se tornariam clássicos do rock brasileiro. 

O álbum começa com “Música Urbana”, o “cartão de visitas” do Capital Inicial e seu primeiro grande sucesso. Uma das canções do Aborto Elétrico presentes neste disco, tem uma melodia marcante e um lirismo melancólico que capturam a solidão juvenil. Seus versos retratam a monotonia, o desencanto urbano, a alienação e a indiferença diante do caos das grandes cidades. 

O punk rock “Veraneio Vascaína” é uma das faixas mais emblemáticas do disco, sendo mais uma herança do Aborto Elétrico. Através de versos fortes e violentos, denuncia a brutalidade policial na ditadura militar, descrevendo abusos, impunidade e o medo causado pelas forças repressivas nas periferias. 

O álbum de estreia do Capital Inicial termina em grande estilo com “Fátima”, outra canção do repertório do Aborto Elétrico. A crítica social embutida nos versos e a melodia quase hipnótica transformam a faixa em um comentário preciso sobre o contexto político do Brasil na época.

 

Faixas

Lado A.

  1. "Música Urbana" (Fê Lemos, Flávio Lemos, André Pretorius, Renato Russo)
  2. "No Cinema" (Fê Lemos, Flávio Lemos, Loro Jones)
  3. "Psicopata" (Fê Lemos, Flávio Lemos, Pedro Pimenta, Loro Jones)
  4. "Tudo Mal" (Fê Lemos, Rogério Lopes de Souza, Loro Jones)
  5. "Sob Controle" (Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto, Loro Jones)
  6. "Veraneio Vascaína" (Renato Russo, Flávio Lemos) 

Lado B.

  1. "Gritos" (Fê Lemos, Dinho Ouro Preto, Loro Jones, Guta)
  2. "Leve Desespero" (Fê Lemos, Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto, Loro Jones)
  3. "Linhas Cruzadas" (Fê Lemos, Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto, Loro Jones)
  4. "Cavalheiros" (Fê Lemos, Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto)
  5. "Fátima" (Renato Russo, Flávio Lemos)

 

Capital Inicial: Dinho Ouro Preto (voz), Loro Jones (guitarra e violão), Flávio Lemos (baixo) e Fê Lemos (bateria).

 

Referências:

Ídolos do Rock- Bizz Especial – março 1987, Editora Azul São Paulo, Brasil.

wikipedia.org 

"Música Urbana"

"No Cinema"

"Psicopata"

"Tudo Mal"

"Sob Controle"

"Veraneio Vascaína

"Gritos"

"Leve Desespero"

"Linhas Cruzadas"

"Cavalheiros"

"Fátima"

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