Wish You Were Here (Harvest/Columbia Records, 1975), Pink Floyd
Após o estrondoso sucesso de The Dark Side of the Moon, o Pink Floyd se viu em um dilema: como seguir adiante sem se tornar refém da própria grandiosidade? O impacto financeiro e cultural do álbum anterior foi imenso, mas trouxe consigo uma pressão insustentável. Roger Waters, cada vez mais assumindo o papel de líder criativo, enxergava a banda à beira da desumanização, consumida por uma indústria que transformava arte em produto.
Wish You Were Here chegou em 1975 com um peso nos ombros: suceder The Dark Side of the Moon, um dos álbuns mais icônicos da história do rock. O Pink Floyd, agora uma banda milionária, enfrentava o paradoxo do estrelato—criativamente no auge, mas emocionalmente fragmentado. A pressão do sucesso e a ausência de Syd Barrett (1946-2006), ex-líder cuja mente se perdeu nos labirintos do LSD, permeiam cada nota do disco.
Se The Dark Side of the Moon era um estudo sobre a alienação moderna, Wish You Were Here é uma reflexão mais pessoal e melancólica. O álbum captura a desilusão da banda com a indústria musical e a saudade de um amigo que se foi, mas nunca deixou de assombrá-los. Com apenas cinco faixas, é uma obra concisa, porém densa, onde cada acorde ecoa a luta entre a genialidade e o vazio existencial. Mais que um sucessor, um manifesto sobre perda e desumanização.
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Pink Floyd, da esquerda para a direita: David Gilmour, Roger Waters, Nick Mason e Richard Wright. |
Gravar Wish You Were Here nos estúdios Abbey Road foi um processo arrastado e, em muitos momentos, desanimador. O Pink Floyd, agora uma máquina de vender discos, sentia-se exausto e distante da espontaneidade criativa que marcou seus primeiros anos. O engenheiro de som Brian Humphries relembra um clima pesado: “gravações fragmentadas, dificuldades técnicas e uma banda que parecia emocionalmente esgotada”.
O maior impacto veio de uma visita inesperada. Durante uma sessão, um homem calvo e acima do peso apareceu no estúdio. Demorou para que alguém percebesse: era Syd Barrett. O choque foi devastador. Aquele que um dia foi o coração do Pink Floyd agora parecia irreconhecível, perdido em um mundo próprio. David Gilmour e Roger Waters ficaram especialmente abalados—"Shine On You Crazy Diamond”, homenagem ao amigo, se tornava ainda mais dolorosa.
A produção, apesar dos desafios, trouxe inovações sonoras. O uso de sintetizadores, vocoders e efeitos de estúdio sofisticados conferiu ao álbum uma textura atmosférica única. O perfeccionismo da banda resultou em gravações exaustivas, mas o esforço valeu a pena: Wish You Were Here emergiu como um disco assombrado pela ausência, um tributo melancólico ao passado e um testemunho da alienação do presente.
Nick Mason (sentado reclinadamente), Roger Waters (de boina ao centro) e
David Gilmour (lendo alguma coisa), nos estúdios Abbey Road, em Londres,
durante o período de gravação de Wish You Were Here.
A sequência traz duas faixas que dissecam a indústria fonográfica. “Welcome to the Machine” mergulha em um pessimismo sombrio, impulsionado por sintetizadores pulsantes e efeitos mecânicos que reforçam a atmosfera opressiva da letra. É um retrato cínico do estrelato, destacando a frieza do mercado musical. Já “Have a Cigar” aprofunda essa crítica com ironia, entregando a interpretação vocal a Roy Harper, cuja entonação afetada reforça o sarcasmo da letra — uma escolha inusitada que enfatiza o distanciamento emocional da banda.
A faixa-título, “Wish You Were Here”, é o momento mais vulnerável do álbum. A gravação começa com um efeito de rádio, como se a música surgisse de um passado distante. O violão dedilhado e os vocais suaves de Gilmour trazem uma simplicidade tocante, um contraste marcante com a grandiosidade das demais faixas. A letra reflete a sensação de perda e desconexão, seja com Barrett, com a indústria ou consigo mesmo. O refrão melancólico e a progressão de acordes delicada fazem dela não apenas o coração do disco, mas uma das canções mais emocionantes do Pink Floyd.
A metade
final de Shine On You Crazy Diamond, formada pelas partes VI a IX cria um
clímax do álbum Wish You Were Here, expandindo sua melancolia e
grandiosidade sonora. A Parte VI começa com um vento fantasmagórico antes de
Gilmour e Waters criarem uma base de baixo hipnótica, complementada pelos
sintetizadores etéreos de Wright. O solo de lap steel de Gilmour confere um tom
emotivo, preparando o terreno para a Parte VII, onde os vocais ressurgem em um
lamento contido. A Parte VIII injeta groove com teclados dominantes e um riff
incisivo. Já a Parte IX encerra a suíte como uma marcha fúnebre, despedindo-se
de Syd Barrett com um fade-out carregado de simbolismo.
Detalhe da foto da capa de Wish You Were Here.
A temática da ausência também se manifesta no design minimalista da embalagem original, que vinha lacrada em plástico preto, escondendo a arte principal — uma metáfora direta para a desconexão emocional e a perda, especialmente a de Syd Barrett. Cada detalhe da arte reflete a frieza da indústria musical e a sensação de estar fisicamente presente, mas espiritualmente distante, tornando a estética do álbum tão marcante quanto sua sonoridade.
Lançado em setembro de 1975, Wish You Were Here teve uma recepção inicial mista. Enquanto críticos mais tradicionais consideraram o álbum excessivamente introspectivo e arrastado, muitos reconheceram sua ambição artística e coesão temática. Com o tempo, no entanto, a obra se consolidou como um dos pontos altos da discografia do Pink Floyd, sendo reverenciada por sua profundidade emocional e crítica à indústria musical.
Comercialmente,
o impacto foi imediato: chegou ao topo das paradas no Reino Unido e nos Estados
Unidos, vendendo milhões de cópias. Seu legado transcende números,
influenciando gerações de músicos e mantendo-se como uma peça essencial do rock
progressivo.
Muito mais do que um dos álbuns mais celebrados do Pink Floyd, Wish You Were Here é uma obra que sintetiza a angústia e a genialidade da banda no auge de sua criatividade. Se The Dark Side of the Moon solidificou seu status comercial, Wish You Were Here aprofundou a identidade artística da banda britânica, explorando temas de ausência, alienação e a desilusão com a indústria musical.
Mesmo
passado tanto tempo após o lançamento do álbum, suas faixas continuam a
ressoar, tanto pelo lirismo introspectivo quanto pela grandiosidade sonora. Um
disco que, longe de ser apenas uma sequência do sucesso anterior, permanece
essencial para entender a evolução do rock progressivo.
Faixas
Lado A
1."Shine On You Crazy Diamond (Partes I—V)" (David
Gilmour - Richard Wright – RogerWaters)
2."Welcome to the Machine" (Waters)
Lado B
1."Have a Cigar" (Waters)
2."Wish You Were Here" (Waters - Gilmour)
3."Shine On You Crazy Diamond (Partes VI—IX)"
• Parte VI (Wright – Waters - Gilmour
• Parte VII (Waters – Gilmour – Wright)
• Part VIII (Gilmour, Wright, Waters)
• Parte IX (Wright)
Pink
Floyd:
Roger Waters — vocais, baixo, guitarra, VCS3, efeitos de fita
Richard Wright — teclados, VCS3, clavinete, backing vocals
Nick Mason — bateria, percussão, efeitos de fita
David Gilmour — vocais, guitarra, guitarra havaiana, EMS
Synthi AKS, teclados, efeitos de fita
Com esta matéria, o top 5 dos melhores álbuns do Pink Floyd resenhados aqui no blog está completo. Nossa, o que falar de Wish You Were Here, meu disco favorito de toda a discografia da banda, que completa seus 50 anos de lançamento neste mês? Para mim, os caras superaram o The Dark Side of the Moon ao compor (mesmo com todo o clima pesado em seus bastidores) e lançar uma jóia lapidada á perfeição, bem mais do que o multiplatinado disco anterior, musicalmente falando. Obra-prima das mais absolutas da música em todos os tempos!
ResponderExcluirValeu, Igor. Muito obrigado pelo seu comentário.
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