“Hopes and Fears” (Island Records, 2004), Keane
No início dos anos 2000, o rock alternativo britânico passava por um processo de revitalização após a "ressaca" da onda britpop, que nos anos 1990 fora capitaneada por Oasis e Blur. Uma nova geração de bandas britânicas, como Coldplay, Travis e Snow Patrol, começava a despontar, trazendo um novo sopro de vida ao britpop — ou ao que restou dele.
Foi por meio dessa geração que o Keane ganhou visibilidade, ainda como um trio. No entanto, a banda oferecia algo ligeiramente diferente: um som melódico e introspectivo, que se destacava pela ausência de guitarras elétricas, sendo guiado principalmente pelo piano e pelos sintetizadores. Esse diferencial foi fundamental para a identidade do Keane e para a receptividade positiva junto ao público e à crítica.
A história do Keane começou em 1995, quando os amigos de infância Tim Rice-Oxley (piano, teclados, baixo e vocais de apoio), Dominic Scott (guitarra) e Richard Hughes (bateria e vocais de apoio) formaram a banda The Lotus Eaters, em Battle, no East Sussex, na Inglaterra. As primeiras referências musicais do grupo incluíam Beatles, U2 e Oasis. Logo, já estavam se apresentando no circuito de pubs de Battle.
Em 1997, Tim Rice-Oxley reencontrou um velho amigo de infância, Tom Chaplin, e o convidou para ser o vocalista da banda. Tom não apenas aceitou o convite para o posto de vocalista, como também passou a tocar violão. Com a entrada de Tom, a banda mudou de nome: de The Lotus Eaters para Keane. O grupo estreou seu primeiro show como Keane em julho de 1998, no pub Hop & Anchor, em Londres. Durante um ano, a banda se apresentou em vários pubs londrinos.
Por meio do selo independente Zoomorphic, o Keane lançou, em 1999, seu primeiro single, que trouxe a canção “Call Me What You Like” e vendeu apenas 500 cópias. O segundo single foi lançado em junho de 2001, com “Wolf At The Door”, que não ultrapassou 50 cópias vendidas.
Enquanto isso, as divergências criativas entre Tim Rice-Oxley e Dominic Scott se acentuaram e culminaram na saída de Scott do Keane, em julho de 2001. Apesar dos desentendimentos, sua partida ocorreu de forma amigável.
No ano seguinte, em 2002, o Keane assinou contrato com a gravadora BMG. Contudo, aquele ano se revelou bastante confuso e turbulento para a banda. Desde a saída de Dominic Scott, o Keane permaneceu sem guitarrista, algo que acabou se tornando uma característica distintiva do grupo.
Por meio do selo independente Fierce Panda Records, o Keane lançou, em maio de 2003, o single “Everybody’s Changing” em sua primeira versão. O relacionamento do Keane com a BMG parecia não avançar, levando a banda a romper contrato com a gravadora e assinar com a Island Records.
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Keane no começo da carreira: Richard Hughes, Dominic Scott, Tom Chaplin e Tim Rice-Oxley. |
Com uma nova gravadora, o Keane iniciou, em setembro de 2003, as gravações de Hopes and Fears, seu primeiro álbum de estúdio, concluindo o trabalho no final daquele ano. O processo de gravação ocorreu no Helioscentric Studios, localizado na pequena cidade de Rye, no sul da Inglaterra. O álbum foi produzido por Andy Green, James Sanger e pela própria banda.
Boa parte das canções de Hopes and Fears já era tocada pelo Keane em seus shows, algumas, inclusive, ainda da época em que Dominic Scott fazia parte da banda, como "She Has No Time", "Bedshaped" e "This Is The Last Time". Lançada inicialmente como single por um selo independente, “Everybody’s Changing” foi regravada para o álbum Hopes and Fears. Por outro lado, algumas canções foram compostas às vésperas da gravação do álbum, como "On A Day Like Today" e "We Might As Well Be Strangers".
Em fevereiro de 2004, chegou às lojas o primeiro single do álbum Hopes and Fears, a canção "Somewhere Only We Know", que alcançou o 3º lugar na parada de singles do Reino Unido, enquanto, nos Estados Unidos, atingiu a 50ª posição no Billboard Hot 100. No Reino Unido, o single vendeu mais de 1,8 milhão de cópias, enquanto, nos Estados Unidos, ultrapassou a marca de 2 milhões de cópias vendidas.
"Somewhere Only We Know" estava em alta nas paradas quando, no início de maio, o Keane lançou mais um single, “Everybody’s Changing”. Contudo, não se tratava da mesma gravação previamente lançada pelo selo independente Fierce Panda Records. A canção foi regravada com os mesmos arranjos da versão original, mas desta vez, recebeu melhorias significativas.
Finalmente, em 10 de maio de 2004, o Keane lançou, por meio da Island Records, o tão aguardado Hopes and Fears, seu primeiro álbum de estúdio. O título do álbum foi inspirado em um verso da canção “Snowed Under”, lado B do single "Somewhere Only We Know", que, no entanto, não foi incluída no disco. O verso diz: “You've been looking everywhere / For someone to understand your hopes and fears” (“Você tem procurado por toda parte / Alguém que compreenda suas esperanças e medos”).
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Capa do single de "Somewhere Only We Know", lançado em fevereiro de 2004. |
Musicalmente, Hopes and Fears é caracterizado por uma fusão de rock alternativo, pós-britpop e pop rock, com o piano de Tim Rice-Oxley assumindo papel de destaque, conferindo à obra uma sonoridade única e introspectiva. As letras exploram temas de esperança e vulnerabilidade, ressoando com um público amplo e consolidando a identidade da banda na cena musical contemporânea.
Os vocais emotivos de Tom Chaplin transmitem, ao mesmo tempo, fragilidade e força, mesclando suavidade e potência vocal de maneira impecável. Sua interpretação etérea eleva as melodias nostálgicas de Hopes and Fears, criando uma atmosfera reflexiva que se entrelaça perfeitamente com a rica instrumentação do álbum.
Uma característica marcante de Hopes and Fears, que se tornou um traço distintivo do Keane nessa fase, é o fato de ser um álbum de rock sem guitarras elétricas. Desde a saída de Dominic Scott, a banda aprendeu a explorar a ausência da guitarra em sua música. Essa escolha criativa confere à sonoridade do álbum um caráter intimista e introspectivo, permitindo que o piano e os sintetizadores ocupem o protagonismo, criando um ambiente sonoro singular.
O álbum abre com a sensacional "Somewhere Only We Know", o primeiro e maior sucesso da carreira do Keane. Com tons melódicos e um forte apelo radiofônico, a faixa destaca a tradição do piano no rock. Tim Rice-Oxley estabelece uma base emotiva e grandiosa ao piano, enquanto a bateria de Richard Hughes mantém um ritmo sólido e constante. A voz de Tom Chaplin brilha com emoção, interpretando versos sobre um lugar especial e nostálgico para o eu lírico da canção.
"Bend and Break" aborda temas de superação pessoal, resiliência diante das adversidades e a esperança de um recomeço após momentos de crise. A canção apresenta uma sonoridade de pop rock, com uma bateria dinâmica e o piano criando camadas melódicas que enriquecem a composição. A performance vocal é intensa e repleta de vigor, transmitindo a energia da mensagem.
Em "We
Might as Well Be Strangers", o Keane explora o tema do distanciamento
entre pessoas que, apesar de terem compartilhado momentos de intimidade no
passado, agora se veem como estranhas. Trata-se de uma balada lenta,
melancólica e minimalista, que evoca no ouvinte uma sensação profunda de
solidão e afastamento.
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Tom Chaplin, Tim Rice-Oxley e o produtor Andy Green no estúdio na época das gravações do álbum Hopes and Fears. |
Depois de "Somewhere Only We Know", "Everybody’s Changing" é a faixa mais significativa de Hopes and Fears. Com uma sonoridade que mescla pop rock alternativo e nuances de soft rock, "Everybody’s Changing" destaca-se por sua base instrumental atmosférica, onde o piano e os sintetizadores criam texturas envolventes, enquanto a bateria imprime um ritmo marcante. A letra aborda a perspectiva de alguém que tenta encontrar um propósito em meio a uma sensação de estagnação, enquanto observa a vida dos amigos progredindo. As dificuldades enfrentadas pela banda no início da carreira teriam servido de inspiração para compor a letra de "Everybody’s Changing".
"Your Eyes Open" é um pop rock melódico, onde o piano ocupa posição de destaque, acompanhado por sintetizadores que ajudam a criar uma atmosfera introspectiva e levemente otimista. Na canção, o eu lírico percebe o distanciamento da pessoa amada: "E você não quer mais saber de mim / Faz um bom tempo desde que o seu coração endureceu".
A faixa seguinte, "She Has No Time", é uma balada calma, romântica e minimalista. O tom da canção é profundamente emotivo e melancólico. A letra explora a rejeição e a dor de um amor não correspondido, enfatizando a frustração emocional com sensibilidade.
"Can’t Stop Now" reflete os conflitos internos de alguém que luta entre atender às expectativas alheias e priorizar a própria saúde emocional, destacando a necessidade de seguir em frente para sobreviver emocionalmente. A faixa é um pop rock agradável, com um piano dinâmico, bateria vibrante e vocais expressivos que impulsionam a música. Os sintetizadores criam uma ambientação etérea, enquanto o piano permanece como base sólida.
"This Is The Last Time" aborda o rompimento de um ciclo emocional desgastante, explorando desilusões, despedidas e o fim de uma relação marcada por mentiras e desculpas repetitivas.
“On A Day Like Today" é uma balada que começa com batidas eletrônicas suaves e vocais delicados, quase sussurrados. Com o avanço da música, a canção ganha mais robustez com a entrada dos demais instrumentos. A letra aborda a frustração e o arrependimento de alguém que não conseguiu expressar seus sentimentos à pessoa amada.
O Keane explora uma levada rítmica interessante em "Untitled 1", proporcionada pela bateria. Já os teclados criam efeitos e um clima musical etéreo, servindo como pano de fundo para Tom Chaplin cantar sobre perda, desilusão e distância emocional. A canção evoca imagens de separação, frieza interior e a esperança de um reencontro.
Hopes and Fears termina em grande estilo com a balada "Bedshaped". O piano melódico e poderoso é um elemento marcante na canção, acompanhando vocais carregados de emoção que expressam versos sobre nostalgia, perda e reconexão. A música transmite vulnerabilidade diante de mudanças e esperança em reatar laços quebrados. O final cresce com camadas instrumentais grandiosas, encerrando o álbum de forma memorável.
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Keane em 2004: Tim Rice-Oxlwy, Richard Hughes e Tom Chaplin. |
Enquanto isso, na Bélgica e na França, o álbum de estreia do Keane alcançou o 5º lugar nas paradas. Em toda a Europa, Hopes and Fears vendeu mais de 4 milhões de cópias. Nos Estados Unidos, a posição de Hopes and Fears na parada Billboard 200 foi um modesto 45º lugar, mas as vendas foram positivas: cerca de 1 milhão de cópias. Estima-se que, em todo o mundo, Hopes and Fears tenha vendido mais de 6 milhões de cópias.
Os singles "Somewhere Only We Know" e "Everybody's Changing" também tiveram um ótimo desempenho. Na parada de singles do Reino Unido, "Somewhere Only We Know" alcançou o 3º lugar e ultrapassou a marca de 1,8 milhão de cópias vendidas. Nos Estados Unidos, o single de "Somewhere Only We Know" vendeu mais de 2 milhões de cópias.
Na parada de singles do Reino Unido, "Everybody's Changing" alcançou a 4ª posição, com mais de 600 mil cópias vendidas. Já nas paradas de singles da Itália e da Bélgica, a faixa teve um desempenho ainda melhor, chegando ao 2º lugar.
O ótimo desempenho comercial e a receptividade positiva por parte do público e da crítica levaram Hopes and Fears a conquistar prêmios no Brit Awards de 2005, incluindo o de “Melhor Álbum Britânico”. Além disso, o Keane foi reconhecido na mesma premiação como “Artista Revelação”.
Em 2013, "Somewhere Only We Know" foi regravada por Lily Allen para um anúncio de Natal da loja de departamentos britânica John Lewis & Partners. A versão de Allen alcançou o 1º lugar na parada de singles do Reino Unido.
Marcado por
canções sinceras, guiadas pelo som melódico do piano e desprovidas de guitarra
elétrica, Hopes and Fears capturou a essência do desejo e da
introspecção, tornando-se identificável para muitos ouvintes. Por meio dele, o
som do Keane abriu caminho para muitas bandas indie que surgiram
posteriormente. Sua combinação de elementos de rock e pop inspirou uma geração
de músicos a explorar estilos semelhantes. Hopes and Fears deixou
uma marca duradoura no mundo da música, e seu legado ainda é sentido hoje. Seja
você um fã de longa data ou alguém que está apenas descobrindo o Keane, este
álbum é indispensável!
Faixas
Todas as
faixas por Tim Rice-Oxley, Tom Chaplin e Richard Hughes, exceto as indicadas.
- "Somewhere Only We Know"
- "Bend and Break"
- "We Might As Well Be Strangers"
- "Everybody's Changing"
- "Your Eyes Open"
- "She Has No Time" (Rice-Oxley, Chaplin, Hughes, James Sanger)
- "Can't Stop Now"
- "Sunshine" (Rice-Oxley, Chaplin, Hughes, Sanger)
- "This Is the Last Time" (Rice-Oxley, Chaplin, Hughes, Sanger)
- "On a Day Like Today"
- "Untitled 1"
- "Bedshaped" (Rice-Oxley, Chaplin, Hughes, Sanger)
Keane:
Tom Chaplin (vocal
principal)
Tim
Rice-Oxley (piano, teclado, baixo, backing vocals, co-vocais principais em
"Sunshine")
Richard
Hughes (bateria)
Vale lembrar que Somewhere Only We Know entrou na trilha sonora da novela Como Uma Onda, sendo um dos grandes destaques.
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