“Mondo Cane” (Philips,1992), Lulu Santos

Por Sidney Falcão

Na virada da década de 1980 para a década de 1990, Lulu Santos já era um artista consagrado no cenário musical brasileiro. Durante os anos 1980, ele consolidou sua carreira como cantor, compositor e guitarrista, alcançando sucesso tanto em termos comerciais quanto críticos.

Porém, através dos álbuns Popsambalanço e Outras Levadas e Honolulu, Lulu decidiu sair do conforto do pop rock que o consagrou nos 1980 e experimentar uma sonoridade mais rítmica, mais voltada para a música brasileira, flertando com o samba e fundindo com rock e pop. Jorge Ben parecia se mostrar uma referência para Lulu naquele momento. Contudo, comercialmente esses trabalhos tiveram um desempenho muito fraco, o público não teria reagido muito bem à aquela nova fase do cantor carioca.

Aquela nova fase mais “pop tropical brasileiro” de Lulu foi um momento tenso vivido por ele. Lulu trocou de gravadora devido às baixas vendas com os dois últimos discos pela BMG, e assinou com a Polygram. Ao mesmo tempo, travou um conflito contra uma parcela de artistas sertanejos que apoiavam o governo do então presidente Fernando Collor. Em 1992, Lulu fez o antológico desabafo no programa Domingão do Faustão, de Fausto Silva, na TV Globo, onde atacou aqueles artistas sertanejos, tecendo críticas muito duras à postura daquele grupo que apoiava um governo desastroso e retrógrado.

Para o novo trabalho, o primeiro pela Polygram, Lulu Santos deixou de lado a sonoridade explorada nos álbuns Popsambalanço e Outras Levadas e Honolulu, e optou por algo mais agressivo, mais cru, mais roqueiro. É muito provável que a batalha travada contra os sertanejos e a ascensão do grunge e do funk rock, teriam influenciado Lulu nesse novo direcionamento musical naquele momento.

Para as gravações de Mondo Cane, Lulu Santos contou com uma banda de apoio enxuta, mas muito competente formada por Décio Crispim (baixo), Sacha Amback (teclados) e Christiaan Oyens (bateria), enquanto que as guitarras ficaram aos cuidados do próprio Lulu.

Lulu Santos no "Domingão do Faustão" em 1992: críticas aos artistas
sertanejos apoiadores do então presidente Fernando Collor.

Décimo álbum de estúdio de sua carreira, Mondo Cane quase se chamou X, uma referência ao algarismo romano que representa o número 10. Foi o próprio Lulu quem produziu esse disco. Boa parte das canções presentes no álbum foi composto durante a turnê de Lulu em 1991.

Desde Normal (1985), Lulu não lançava até aquele momento um álbum tão roqueiro. Contudo, embora o rock seja a mola mestra de Mondo Cane, há uma presença de outros estilos como reggae, samba e até bossa-nova. Essa presença “não roqueira” concentra-se no lado B do disco.

Mondo Cane abre com “Um Vício”, um pop rock sobre a intensidade do amor numa relação a dois, onde Lulu o compara a uma droga: “O amor devia ser proibido / Porque é uma droga pesada / E se a pessoa tá viciada /Ela faz qualquer papel”. Na sequência vem “Cicatriz”, um pop reggae que poderia muito bem figurar em algum álbum de Lulu Santos dos anos 1980, e que trata das complexidades de uma relação conjugal. “Foi Mal” é um pop rock onde o eu lírico reconhece seus erros numa relação amorosa, e nutre a esperança de um possível reencontro com a pessoa que ele ama. No refrão de “A Coisa Certa”, Lulu ressalta a importância de dar e receber presentes como uma forma das pessoas demonstrarem carinho umas com as outras.

“Apenas Mais Uma de Amor” é uma linda balada acústica que trata o amor de uma maneira abstrata e subjetiva. O eu lírico expressa seu sentimento intenso por alguém, preferindo deixar isso implícito e não verbalizado. Prefere esconder seus sentimentos e aceitar as incertezas do amanhã, ressaltando que o importante é a alegria presente no momento, independentemente do que o futuro reserve.

O lado 1 do disco encerra com “Ecos do Passado”, música que funde psicodelia e peso roqueiro. Seus versos refletem sobre as memórias do passado e a complexidade do tempo.

“Fevereiro” abre o lado 2 do álbum. É um dos melhores rocks gravados por Lulu Santos. Recheado de riffs certeiros de guitarra, “Fevereiro” possui versos carregados de metáforas que podem levar o ouvinte a acreditar que se trata de uma música sobre degradação ambiental ou como um recado indireto à crise política em que o Brasil vivia naquela época.

Detalhe de foto de encarte de Mondo Cane.

Em “Máquinas Macias”, Lulu Santos experimenta um funk rock pesado e cheio de distorções de guitarras, que remetem ao Living Colour, Lenny Kravitz e Jimi Hendrix. A letra faz referência a uma experiência sexual, carregada de muito prazer e gozo. “Hormônio” é a única faixa instrumental do disco, na qual Lulu Santos e os membros de sua banda mostram um pouco de suas habilidades como instrumentistas.

Após uma sequência sonora pesada e agressiva, “Aquela Vontade de Rir” traz um momento de calmaria sonora. Acompanhado pelos teclados de Sacha Amback e o violoncelo de Mário Manga, Lulu Santos canta uma canção onde o eu lírico expressa o seu contentamento com sua vida bem-sucedida, destacando a importância de permanecer próximo a alguém especial.

Nas duas últimas faixas, Lulu Santos revisita a sua experiência com a musicalidade brasileira dos dois álbuns anteriores a Mondo Cane. “Realimentação” é um samba pop que faz referência ao lado sombrio da existência, a dualidade da natureza humana e a busca pela autociência. Ao mesmo tempo, destaca que mesmo nos momentos mais difíceis da vida, há oportunidades valiosas de aprendizado.

 

Finalizando o álbum, “E Então? (Boa Pergunta)”, uma bossa-nova onde eu lírico expressa o desejo de se comunicar e se conectar com alguém, como se fossem estações de rádio sintonizadas na mesma frequência. O cantor quer ser entendido pela outra pessoa, não importa onde ela esteja, e sugere que ambos podem estar pensando nas mesmas coisas, reforçando a ideia de uma conexão mútua.

 

A recepção de Mondo Cane por parte da imprensa foi “morna”. O público, por sua vez, comprou cerca de 40 mil de cópias do álbum. Talvez por causa de uma vendagem baixíssima, Lulu não renovou seu contrato com o Philips, trocando esta gravadora pela toda poderosa BMG.

 

Na nova companhia, Lulu lançou em 1994 Assim Caminha A Humanidade, álbum que daria um nova e grande guinada na carreira do cantor ao aproximá-lo do pop eletrônico e da dance music.

Faixas

Lado 1

  1. “Vício” (Lulu Santos)
  2. “Cicatriz” (Lulu Santos)           
  3. “Foi Mal” (Lulu Santos)           
  4. “A Coisa Certa” (Lulu Santos)
  5. “Apenas Mais Uma De Amor” (Lulu Santos)
  6. “Ecos do Passado” (Lulu Santos)        

Lado 2

  1. “Fevereiro” (Lulu Santos)       
  2. “Máquinas Macias” (Lulu Santos)     
  3. “Hormônios” (Lulu Santos) instrumental      
  4. “Aquela Vontade de Rir” (Zé Renato/Hamilton Vaz Pereira)            
  5. “Realimentação (Lulu Santos)
  6. “E Então (Boa Pergunta) (Lulu Santos)

 

Referências:

Revista Bizz, edição 86, setembro/1992, Editora Azul, São Paulo, Brasil

Revista Bizz, edição 88, novembro/1992, Editora Azul, São Paulo, Brasil 


“Um Vício”

“Cicatriz”

“Foi Mal”

“A Coisa Certa”

“Apenas Mais Uma De Amor”
 (videoclipe oficial)

“Ecos do Passado”

“Fevereiro”

“Máquinas Macias”

“Hormônios”

“Aquela Vontade de Rir”

“Realimentação”

“E Então (Boa Pergunta)”

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