"Rappa Mundi" (Warner, 1996), O Rappa


Por Sidney Falcão

O ano era 1996, e a banda O Rappa, após um primeiro disco que não conquistou grandes holofotes, se preparava para o lançamento de seu segundo álbum de estúdio. Intitulado Rappa Mundi, o álbum foi produzido por Liminha, renomado produtor que esteve por trás da produção de grandes álbuns do rock brasileiro dos anos 1980, assim como também de alguns álbuns da nova geração do estilo nos anos 1990.

A história da banda sofreu mudanças significativas desde seu álbum inaugural, em 1994. O Rappa, que teve uma saída pessoal com Nelson Meirelles, viu Lauro Farias assumir o contrabaixo, vindo da colaboração com Marcelo Yuka no KMD-5. Essa troca não só definiu a nova direção sonora da banda, mas também a sua escalada no cenário musical brasileiro.

Lançado em setembro de 1996 através da gravadora Warner Music, Rappa Mundi, segundo álbum de estúdio do O Rappa, é uma síntese musical diversificada. Ao longo de suas treze faixas, o álbum apresenta uma mistura notável de estilos, desde a energia do rock até batidas marcantes do reggae, passando pelo rap e samba, cada faixa traz um amálgama de influências musicais. O disco uma fusão de elementos de rock, reggae, funk ritmos brasileiros e uma pitada de rap, resultando em uma sonoridade singular e marcante, reforçando a influência de O Rappa como um grupo que transcende fronteiras musicais e abraça a diversidade sonora.

O álbum começa com "A Feira", cujo andamento alterna reggae e rock. A letra da canção trata sobre um comerciante que supostamente comercializa ervas medicinais, mas que nas entrelinhas, sugere trata-se de maconha. "Miséria S/A", a faixa seguinte, reflete a dura realidade das ruas e dos meios de transportes públicos das grandes cidades brasileiras, onde são comuns pessoas em estado de miséria pedindo algum tipo de ajuda. 

As três faixas seguintes são releituras bastante particulares d'O Rappa para canções que fizeram sucesso com outros artistas no passado. "Vapor Barato", gravada por Gal Costa (1945-2022) nos anos 1970, ganhou uma versão reggae com O Rappa, e traz uma abordagem peculiar de Marcelo Falcão, transmitindo uma atmosfera melancólica e reflexiva.

O Rappa em foto do encarte do álbum, da esquerda para a direita:
Marcelo Yuka, Marcelo Falcão, Marcelo Lobato, Lauro Farias e Xandão.

"Ilê Ayê", gravada por Gilberto Gil em 1977, é uma homenagem ao bloco carnavalesco Ilê Ayê, de Salvador. A música celebra a negritude, resgatando elementos religiosos africanos e a malandragem de forma eloquente. Com O Rappa, esta música virou um funk com uma linha de baixo e uma bateria poderosas que dão um ritmo acelerado e irresistível. 

"Hey Joe", que se tornou um clássico nas maõs de Jimi Hendrix (1942-1970), em 1967, ganhou uma versão em português através de Marcelo Yuka e Ivo Meirelles bastante apropriada para a realidade brasileira. Com uma base instrumental que funde reggae, rock e rap, a versão d'O Rappa para "Hey Joe" conta com a participação especial de Marcelo D2 (vocalista do Planet Hemp), que na versão em português trata sobre a violência nas comunidades pobres das metrópoles brasileiras, mostrando que tanto quem atira quanto quem sofre as consequências pagam um preço alto, enquanto que a maioria trabalhadora é ofuscada pela estigma da violência. A música é um apelo por reflexão e mudança, questionando o ciclo de destruição gerado pela violência. 

Composta por Marcelo Yuka, "Pescador de Ilusões" aborda a busca incessante do indivíduo por algo que traga fé e satisfação, mesmo diante das adversidades. A letra da canção compara essa jornada à pesca, onde mesmo vendo as armadilhas da ilusão, o eu lírico celebra a persistência na busca por algo que traga satisfação e sentido à sua vida. 

"Uma Ajuda" fala sobre a gratidão por alguém que traz uma nova perspectiva à vida do eu lírico. Essa pessoa muda a forma como ele vê o mundo, trazendo uma sensação de renovação, pureza e entendimento mais profundo sobre questões da vida, além de causar admiração e surpresa pelo que revela. Tudo isso relatado tendo  base instrumental uma poderosa mistura de reggae e funk num ritmo dançante. 

Detalhe do encarte do álbum Rappa Mundi.

A paixão pelo futebol e pela vida praiana carioca transparecem em "Eu Quero Ver Gol", que expressa a vibração e a expectativa de um torcedor apaixonado. A letra desta música retrata o comportamento dos torcedores durante um jogo de futebol no Rio de Janeiro. Seus versos descrevem a jornada dos torcedores, a diversidade cultural e a expectativa pelo gol, ressaltando a intensidade emocional e a euforia coletiva desse momento. 

Em "Eu Não Sei Mentir Direito", O Rappa trata da dificuldade do eu lírico em mentir. Ele reflete sobre sua sinceridade evidente, mesmo tentando dissimular, e como isso faz parte da sua identidade. A letra é uma abordagem irônica sobre a dificuldade de mentir e se dar bem na vida, criticando o chamado "jeitinho brasileiro". 

"Homem Bomba" explora a rotina do trabalhador brasileiro e suas lutas diárias pela sobrevivência, mesclando reflexões sobre violência e dificuldades sociais. Misto de reggae, funk e rock, "Tumulto", descreve em seus versos as tensões numa comunidade pobre carioca, mostrando sua mobilização diante de problemas sociais e a violência policial. A letra alerta para confrontos e a busca por visibilidade em meio ao caos, destacando a luta por reconhecimento e justiça. 

"Lei da Sobrevivência (Palha de Cana)" traz uma mensagem sobre a importância da ação e do esforço pessoal do indivíduo para alcançar seus objetivos. Rappa Mundi encerra com "Óia O Rappa", uma crítica ao policiamento e à repressão, explorando a realidade dos ambulantes e as dificuldades enfrentadas no cotidiano.

Rappa Mundi  foi bem recebido pelo público e pela crítica. O álbum vendeu mais de 250 mil cópias, graças ao sucesso das faixas "A Feira", "Vapor Barato" e "Pescador de Ilusões", que ajudaram a banda carioca a ser conhecida pelo grande público.

Mas a consagração da banda viria com o próximo, Lado B Lado, de 1999, um trabalho que embora consagrador, foi marcado por uma tragédia  que mudaria o destino da banda e do seu principal integrante, Marcelo Yuka. Em 2000, Yuka, foi baleado nas costas durante uma tentativa de assalto, deixando-o paraplégico. Apesar disso, o músico permaneceu na banda, mas houve alterações: o tecladista Marcelo Lobato passou a ocupar a bateria e seu irmão, Marcos Lobato, assumiu o teclado, embora sem se tornar um membro permanente. Em 2004, devido a discordâncias, Yuka saiu do O Rappa e formou uma nova banda chamada F.U.R.T.O.

Faixas

Todas as faixas foram compostas por Marcelo Yuka, exceto as indicadas.

  1. "A Feira"
  2. "Miséria S.A." (Pedro Luís)     
  3. "Vapor Barato" (Waly Salomão - Jards Macalé)        
  4. "Ilê Ayê" (Paulinho Camafeu)
  5. "Hey Joe" (participação de Marcelo D2) (Billy Roberts - vs: Ivo Meirelles, Marcelo Yuka)       
  6. "Pescador de Ilusões" 
  7. "Uma Ajuda"                
  8. "Eu Quero Ver Gol" (Marcelo Falcão - Xandão)        
  9. "Eu Não Sei Mentir Direito"                
  10. "O Homem Bomba"                 
  11. "Tumulto"                     
  12. "Lei Da Sobrevivência (Palha de Cana)" (Marcelo Falcão)   
  13. "Óia O Rapa" ( Lenine - Sérgio Natureza)      

 

O RappaMarcelo Falcão (voz e guitarra), Xandão (guitarra e vocais de apoio), Marcelo Lobato (teclados, samplers e vocais de apoio), Lauro Farias (baixo, synth bass e vocais de apoio) e Marcelo Yuka (bateria)



Ouça na íntegra o álbum Rappa Mundi


"Vapor Barato" (videoclipe oficial)




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