"Brain Salad Surgery" (Manticore Records, 1973), Emerson, Lake & Palmer

Por Sidney Falcão

No início dos anos 1970, o rock progressivo viva o seu auge, e uma das bandas mais influentes e ousadas desse gênero, Emerson, Lake & Palmer (ELP), estava em plena ascensão. Formado pelos músicos virtuosos Keith Emerson (teclados), Greg Lake (baixo e vocais) e Carl Palmer (bateria), o trio inglês já tinha no currículo álbuns notáveis, como Emerson, Lake & Palmer (1970), Tarkus (1971) e Trilogy (1972). Cada um desses álbuns havia contribuído para construir a reputação do trio como uma das bandas mais inovadoras e tecnicamente habilidosas no mundo do rock progressivo. No entanto, foi o lançamento de Brain Salad Surgery em 1973 que verdadeiramente consagrou a carreira da banda.

Mas até o lançamento de Brain Salad Surgery, a banda enfrentou desafios. Insatisfeitos com o tratamento que recebiam por parte da gravadora Atlantic Records, os três membros da banda, mais o empresário deles, Stewart Young, decidiram criar sua própria gravadora, a Manticore Records. Compraram um cinema abandonado no lado oeste de Londres, e transformaram num estúdio de ensaio e na sede da empresa. Essa iniciativa possibilitou o trio a ter um maior controle sobre o processo de gravação de seus álbuns e da própria carreira.  

As gravações de Brain Salad Surgery ocorreram entre junho e setembro de 1973, no Advision Studios e no Olympic Studios, ambos em Londres. Greg Lake esteve à frente da produção do álbum e contou com Chris Kimsey e Geoff Young na engenharia de som. 

Lançado em 19 de novembro de 1973, Brain Salad Surgery surpreendeu o público logo de cara com sua capa, uma criação do renomado artista suíço H.R. Giger (Hans Ruedi Giger, 1940-2014). A arte da capa de Giger refletiu perfeitamente o espírito inovador e provocativo do rock progressivo. Ela apresenta uma figura humanoide, uma fusão intrigante de elementos biomecânicos e orgânicos, em um cenário futurista distópico e hostil. Essa criação de Giger estava em sintonia com o conceito do álbum, que explorava a ideia de um futuro onde ocorreria uma fusão entre humanos e máquinas. H.R. Giger é famoso por sua arte influenciada pelo surrealismo e pela ficção científica, e alcançou fama mundial quando desenvolveu o conceito visual do filme Alien, O Oitavo Passageiro (1979), que lhe rendeu o Oscar de "Melhores Efeitos Visuais".

Banda e o criador da capa do disco; da esquerda para a direita: Keith Emerson,
o poeta e compositor Peter Sinfield, H.R. Giger, Carl Palmer e Greg Lake.

O título do disco foi retirado de um verso de uma canção "Right Place, Wrong Time" do cantor americano Dr. John, lança em 1973, meses antes do álbum do ELP.

Brain Salad Surgery começa com uma interpretação própria do ELP para "Jerusalem", do poeta inglês William Blake (1757-1827). Logo de início, "Jerusalem" evoca uma sensação de grandiosidade e majestosidade. Os teclados de Keith Emerson criam uma paisagem sonora exuberante que acompanha os vocais profundos e emocionais de Greg Lake. A faixa transmite uma sensação de poder e espiritualidade, com um toque de mistério. Os versos da canção tratam de um indivíduo determinado a construir uma "Jerusalém" na Inglaterra e que não descansará até que sua missão seja cumprida. Vale ressaltar que "Jerusalem" foi a primeira gravação musical a fazer uso do primeiro sintetizador polifônico da história, o Moog Apollo, que na época era apenas um protótipo do Polymoog.

"Toccata" é uma releitura em versão rock feita pelo ELP para o quarto movimento do "Concerto para Piano N° 1" do compositor argentino Alberto Ginastera (1916-1983). Para esta versão, a bateria de Carl Palmer foi equipada com captadores que acionaram oito sintetizadores, resultando em um som de bateria eletrônica. Musicalmente, "Toccata" é uma vedadeira explosão instrumental de pura energia, onde a performance agressiva de Emerson nos teclados é espetacular, com rápidos arpejos e acordes complexos. A música evoca uma sensação de urgência e excitação, levando o ouvinte a ter a sensação de que está viajando a toda velocidade por um labirinto sonoro. 

A balada suave "Still... You Turn Me On" oferece um contraste bem-vindo em relação às faixas anteriores. O destaque aqui é a voz doce e emotiva de Greg Lake, complementada por arranjos delicados e românticos. O romantismo não se limita apenas aos arranjos, mas também aos versos apaixonados da canção, que expressam um amor ardente e uma atração irresistível. Greg Lake entrega uma performance vocal emotiva e suave, transmitindo a intensidade do desejo e da paixão.

O artista plástico suíço H. R. Giger em seu estúdio trabalhando no design da
criatura do filme Alien, O Oitavo Passageiro, de 1979.

"Benny The Bouncer" é descontraída e animada, com um toque de boogie-woogie. A banda aqui se diverte, e diverte quem a ouve. Os vocais de Greg Lake são cheios de deboche que dão o caráter humorístico à canção que trata sobre Benny, o segurança de um bar que se envolve numa briga generalizada dentro do estabelecimento. "Benny The Bouncer" foi composta por Greg Lake em parceria com um velho conhecido dele, Peter Sinfield, músico, poeta e compositor inglês, e um dos fundadores da banda King Crimson, da qual Lake fez parte no início da carreira. 

Fechando o lado 1 do álbum, "Karn Evil 9: 1st Impression - Part 1", primeira parte do épico central do álbum. O título é um trocadilho com a palavra "carnival" (carnaval). A faixa começa com um estrondo, apresentando a famosa linha de sintetizador de Keith Emerson que ecoa como uma fanfarra de entrada. A atmosfera é grandiosa e desafiadora, como se o ouvinte estivesse se preparando para uma jornada épica. Os versos desta parte da faixa retratam a ideia de um futuro distópico e sombrio, onde a humanidade está à beira da extinção em um mundo dominado por computadores e máquinas. Aqui, a voz de Greg Lake é poderosa e assertiva, enfatizando a narrativa apocalíptica da canção. O que chama a atenção é que, mesmo de forma fantasiosa, a letra já fazia reflexões, em 1973, sobre a dependência crescente da tecnologia e os perigos da automação excessiva.

O lado 2 do álbum é ocupado exclusivamente pela segunda parte de "Karn Evil 9", dividida em três movimentos chamados de "impressão". A segunda parte mantém a intensidade, mas se torna mais melódica. "Karn Evil 9: 1st Impression - Part 2" é instrumental e começa com um ritmo frenético de jazz excepcionalmente executado pelo baixo, piano e bateria. Os sintetizadores de Keith Emerson entram mais adiante, criando uma sonoridade eletrônica peculiar e "metálica" que se junta aos outros instrumentos. Após um momento de calmaria na metade da faixa, a banda retoma o ritmo jazzístico até o final da música.

Carl Palmer, Keith Emerson e Greg Lake, na Alemanha, em 1973. 

O álbum Brain Salad Surgery chega ao seu emocionante clímax com "Karn Evil 9: 3rd Impression", a última parte da saga "Karn Evil 9". Esta terceira e última impressão foi composta por Greg Lake em parceria com Peter Sinfield e aborda a batalha final entre humanos e máquinas. Os últimos versos apresentam um diálogo entre um ser humano e uma máquina, com Greg Lake interpretando ambas as vozes, a do ser humano e a da máquina. Nesse caso, a voz de Lake passa por um processo de efeitos para simular uma voz robótica. O diálogo é marcado pela insurgência e arrogância da criação (a máquina) em relação ao seu criador (o ser humano), a ponto de se considerar superior:

"Eu sou tudo o que há" (humano)

"Negativo! Primitivo! Limitado! Eu te deixo viver!" (máquina)

"Mas eu te dei vida" (humano)

"O que mais você poderia fazer?"(máquina)

"Para fazer o que era certo" (humano)

"Eu sou perfeito! E você?" (máquina)

A epopeia de "Karn Evil 9" nos leva a refletir sobre os efeitos nocivos da crescente dependência da sociedade contemporânea em relação à tecnologia, à perda da individualidade e da conexão humana em um mundo cada vez mais automatizado.

A ideia de uma batalha simbólica entre humanos e máquinas abordada por "Karn Evil 9" soa como uma metáfora para a preservação da identidade e da liberdade humanas. 

Work 218: ELP II, pintura de H.R.Giger que ilustrada o lado interno
central da capa de Brain Salad Surgery.

Na época de seu lançamento, a crítica musical aclamou Brain Salad Surgery como uma obra-prima do rock progressivo. O álbum não gerou nenhum single, mas teve um desempenho razoável nas paradas de álbuns. Chegou ao 2°lugar da parada de álbuns do Reino Unido, enquanto que nos Estados Unidos, Brain Salad Surgery alcançou a 11ª posição na parada Billboard 200, permanecendo por cerca de 47 semanas. Brain Salad Surgery vendeu mais de um milhão de cópias em todo o mundo.

A turnê de promoção do álbum foi extensa, grandiosa, com produções elaboradas e performances intensas que solidificaram a reputação ao vivo da banda. Começou em novembro de 1973 e terminou em agosto de 1974. A banda percorreu a América do Norte e a Europa, transportando quase 40 toneladas de equipamentos, totalizando cerca de 100 apresentações para plateias lotadas. Apresentações do ELP no Anaheim, Califórnia, foram gravadas para o álbum ao vivo Welcome Back, My Friends, To The Show That Never Ends - Ladies and Gentlemen, lançado em agosto de 1974 como um álbum triplo.

Brain Salad Surgery é um álbum que oferece uma jornada sonora emocionante e diversificada. Foi o ápice na carreira do Emerson, Lake & Palmer, e deixou um legado duradouro no mundo do rock progressivo. Cada faixa é uma experiência única que demonstra o virtuosismo dos membros da banda e sua habilidade em criar uma ampla gama de emoções e atmosferas musicais. O reconhecimento alcançado por Brain Salad Surgery por parte da crítica musical credenciou o Emerson, Lake & Palmer como um dos pilares fundamentais do rock progressivo.

Faixas

Lado 1

  1. "Jerusalem" (testo: William Blake – musica: Hubert Parry, arr. Emerson, Lake & Palmer)
  2. "Toccata" (instrumental) (música: Alberto Ginastera; arranjos: Keith Emerson; arranjos de movimento de persussão: Carl Palmer)
  3. "Still... You Turn Me On" (Greg Lake)
  4. "Benny the Bouncer" (letra: Lake e Sinfield; música: Emerson)
  5. "Karn Evil 9 1st Impression – Part 1 (letra: Lake; música: Emerson)

Lado 2

  1. "Karn Evil 9 1st Impression" – Part 2 (letra: Lake; música: Emerson)
  2. "Karn Evil 9 2nd Impression" (instrumental) (música: Emerson)
  3. "Karn Evil 9 3rd Impression" (letra: Lake e Sinfield; música: Emerson)

Emerson, Lake & Palmer: Keith Emerson (orgão elétrico, piano acústico, piano elétrico, sintetizadores, cravo, clavinet), Greg Lake (voz, baixo, guitarra elétrica e violão) e Carl Palmer (bateria e percussão).


Ouça na íntegra o álbum Brain Salad Surgery


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