“Radioatividade” (EMI-Odeon), Blitz

 

Por Sidney Falcão 

O sucesso do megahit “Você Não Soube Me Amar” deixou a Blitz cheia de moral dentro da gravadora EMI. Além do single da canção ter vendido mais de 800 mil cópias, o álbum de estreia da banda, As Aventuras da Blitz (1982), chegou à marca das 300 mil cópias vendidas. E se isso não bastasse, o fenômeno Blitz ainda ajudou a abrir as portas das gravadoras para uma nova geração de bandas e cantores do rock brasileiro que despontava.

A Blitz adentrava o ano de 1983 desfrutando do sucesso comercial do seu primeiro álbum, e com o prestígio suficiente para fazer exigências para a gravação do seu segundo álbum de estúdio. Dentre as exigências junto à gravadora, a banda queria o renomado produtor Liminha à frente da produção do novo álbum, um estúdio de 24 canais e capa dupla para o novo disco. 

Talvez o que tenha sido um pouco difícil foi conseguir um estúdio de 24 canais no Rio de Janeiro. O único que existia naquela cidade na época, o estúdio Transamérica, estava indisponível. Por sorte, o produtor Liminha emprestou uma mesa de 24 canais recém-adquirida para um estúdio que ele estava montando em sociedade com Gilberto Gil, o estúdio Nas Nuvens, que seria inaugurado no ano seguinte e se tornaria um estúdio antológico, de onde seriam gerados alguns dos álbuns mais icônicos da música brasileira. O repertório do novo disco já vinha sendo tocado nos shows da Blitz, o que acabou facilitando o processo de gravação que foi relativamente rápido. 

Intitulado Radioatividade, o segundo álbum da Blitz foi lançado em 10 de setembro de 1983. O novo disco da Blitz chegou às lojas condicionado numa bela e criativa capa dupla criada pelo estúdio A Bela Arte, do designer gráfico Luíz Stein e Gringo Cardia. 

Em seu segundo álbum de estúdio, a Blitz repete a fórmula musical adolescente do álbum de estreia. Radioatividade foi até certo ponto inspirado em The Who Sell Out, álbum do The Who, lançado em 1967. Assim como no álbum da banda inglesa, Radioatividade apresenta uma ou outra faixa intercalada com vinhetas e locuções que lembram uma transmissão de programação de rádio, o que de uma certa forma, explica o título do disco que faz um trocadilho entre o fenômeno da radiação, a radioatividade, com o nome de emissora de rádio fictícia, Rádio Atividade, que é o nome de uma das faixas do disco. 

Radioatividade começa com o reggae pop “A Última Ficha”, que reflete um tempo em que telefone celular era coisa de ficção científica. Munido de uma agenda telefônica com números de várias garotas, um jovem tenta ligar para alguma delas para marcar um encontro. Mas ele tem apenas uma ficha e o tempo é escasso. Após várias confusões telefônicas, ligação para a garota errada e até uma linha cruzada, o rapaz consegue marcar um encontro com uma garota, mas não exatamente a que ele procurava. 

Enquanto na faixa anterior um rapaz marca um encontro com uma garota para um passeio, em “Ridícula”, um outro rapaz é dispensado pela namorada por meio de um bilhete: “Tchau boçal talvez no Natal / Ou no Ano Novo eu pinte de novo / Aliás você não sabe o que quer / E eu sou apenas uma mulher”. Atordoado, ele tenta inutilmente a reconciliação. 

“Charme de Artista” traz a Blitz fazendo uma conexão entre a new wave e o rock’n’roll dos anos 1950. O reggae pop “Só O Amor” começa com um conselho “astrológico” de Fernanda Abreu e Márcia Bulcão: “Pra você que é de libra, não pense em Marcos / Dólares ou Xilins / Vá fundo no outro lado da moeda”.

Na sequência, a faixa “A Dois Passos do Paraíso”, a mais importante do álbum e um dos maiores sucessos da carreira da Blitz. Na letra, o eu lírico está longe de casa a trabalho, e descreve a profunda saudade da mulher que ele ama. No meio da canção, um locutor de rádio lê uma carta de uma ouvinte que conta sobre o sumiço do seu noivo caminhoneiro, que provavelmente, é o personagem do começo da música. Ou seja, ambos sentem saudade um do outro. 

O lado 1 termina com o recado antibelicista da Blitz em “Apocalipse Não”, onde a banda destaca os gastos trilionários com armas atômicas e põem o mundo em alerta para uma possível nova guerra mundial, e desta vez muito mais devastadora. 

“Weekend” abre o lado 2 de Radioatividade, um funk pop de refrão “chiclete” em que o eu lírico aguarda ansiosamente passar o final de semana com a sua namorada. O rock agitado e frenético “Meu Amor Que Mau Humor” parece ser uma sutil homenagem a Rita Lee e Raul Seixas (1945-1989), dois ícones do rock brasileiro: “Não se irrite Rita, foi Ruth quem riu do rock / Que ouviu no carro do Raul la la la”. “O Tempo Não Vai Parar” ressalta a resistência do amor à passagem do tempo. 

A frustração sexual é o tema central de “Betty Frígida”, um rock sobre um casal de namorados em que a garota é frígida e o rapaz é musculoso, abrutalhado e sem o mínimo de sensibilidade. “Rádio Atividade” é uma vinheta que anuncia que o álbum está chegando ao fim, mas que antes tem mais um número musical que é “Biquini de Bolinha Amarelinha Tão Pequenininho”, um cover de um sucesso de Ronnie Cord (1943-1986) do começo dos anos 1960, e que traz Fernanda e Márcia cantando o refrão. 

“Weekend” foi a primeira faixa de divulgação de Radioatividade nas rádios. A recepção, a princípio, foi “morna”. A própria gravadora EMI, no momento em o álbum foi concluído, queria da Blitz uma nova “Você Não Soube Me Amar”, o que seria impossível, afinal, não se prevê se uma canção será ou não um grande sucesso como foi essa música. Mas foi com o estouro de “A Dois Passos do Paraíso” nas paradas de rádio que as vendas de Radioatividade impulsionaram, chegando ao ponto de “Weekend” retornar às paradas de rádio e trazendo a reboque, as outras faixas que também viraram hits como “Betty Frígida” e “Ridícula”.

Se por um lado, Radioatividade agradou ao público, uma parcela da imprensa musical notava um certo grau de repetição no novo trabalho. Evidente que após o megassucesso do primeiro álbum que trazia uma novidade, um novo frescor para o rock brasileiro, era natural se apostar na fórmula. 

Por outro lado, a fama, o sucesso, a superexposição que a Blitz vivenciava começou a criar os primeiros conflitos dentro da banda já durante as gravações de Radioatividade. Os conflitos se acentuaram no álbum seguinte, o Blitz 3, lançado em 1984, e que foi bastante criticado pela imprensa musical. Ainda assim, o Blitz 3 emplacou as faixas “Dali de Salvador” e “Egotrip”, e ainda credenciou a Blitz a se apresentar na primeira edição do Rock in Rio, em janeiro de 1985. Mesmo assim, não foi o suficiente para salvar a banda do desgaste. Em março de 1986, a Blitz anunciou a sua dissolução. 

Em 1994, a banda retornou, porém sem Fernanda Abreu, Ricardo Barreto e Márcia Bulcão, e atuou por cerca de três anos. A Blitz fez um no retorno em 2006 e desde então atuando regularmente, lançando discos e fazendo turnês, chegando a ter uma indicação ao Grammy Latino em 2016, na categoria “Melhor Álbum de Rock Brasileiro” por Aventuras da Blitz 2.

Faixas

Lado 1

1 – “A Última Ficha” (Chacal, Evandro Mesquita, Ricardo Barreto)

2 – “Ridícula” (Evandro Mesquita, Ricardo Barreto)

3 – “Charme De Artista” (Bernardo Vilhena, Ricardo Barreto)

4 – “Só O Amor” (Evandro Mesquita, Ricardo Barreto, Antônio Pedro Fortuna)

5 – “A Dois Passos Do Paraíso” (Evandro Mesquita, Ricardo Barreto)

6 – “Apocalipse Não” (Evandro Mesquita, Ricardo Barreto)


Lado 2

7 – “Weekend” (Evandro Mesquita, Ricardo Barreto)

8 – “Meu Amor, Que Mau Humor” (Evandro Mesquita, Antônio Pedro Fortuna)

9 – “O Tempo Não Vai Passar” (Evandro Mesquita, Ricardo Barreto, Fernando Negreiros)

10 – “Betty Frígida” (Evandro Mesquita, Ricardo Barreto, Antônio Pedro Fortuna, Patrícia Travassos)

11 – “Rádio Atividade” (Chacal, Evandro Mesquita, Ricardo Barreto, William Forghieri)

12 – “Biquini De Bolinha Amarelinha Tão Pequenininho” (Lee Pockriss, Paul Vance; versão: Hervê Cordovil)


Blitz: Evandro Mesquita (vocal, violão e gaita), Fernanda Abreu (vocal de apoio), Marcia Bulcão (vocal de apoio), Ricardo Barreto (guitarra), Antônio Pedro Fortuna (baixo) e Billy Forghieri (teclados) e Juba (bateria).


Ouça na íntegra o álbum Radioatividade


"Weekend" (videoclipe exibido no

programa "Fantástico", TV Globo, 1983)


"Betty Frígida" (videoclipe exibido no

programa "Fantástico", TV Globo, 1983)


"A Dois Passos do Paraíso" (videoclipe

exibido no programa "Fantástico",

TV Globo, 1984)


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