“As Aventuras da Blitz” (EMI-Odeon, 1982), Blitz
Na virada dos
anos 1970 para os anos 1980, o Brasil vivia um processo de transição. Na
política, apesar do país ainda estar sob o regime ditatorial militar, o então
presidente João Batista Figueiredo havia implantado a “abertura” que permitiu o
retorno dos exilados políticos ao Brasil. A “abertura” não significava o fim da
ditadura militar, mas era o começo do seu fim.
A transição também
estava presente no cenário da música pop brasileira. Nomes como Guilherme
Arantes, A Cor do Som, Marina (hoje Marina Lima), 14-Bis, Rita Lee eram alguns
dos artistas que representavam o pop brasileiro, fazendo um tipo de música que
guardava resquícios da musicalidade dos anos 1970, mas com um pé no som
nascente dos anos 1980. As rádios FM, ainda “engatinhando” no Brasil, eram os
veículos de divulgação do pop brasileiro daquele momento, que também tocavam música
pop estrangeira, indo da então decadente disco music à new wave (esta em plena
ascensão), passando pelo soft rock.
Foi nesse
cenário de transição que a banda Blitz surgiu, sem imaginar que iria ser
responsável por abrir caminho para um novo momento do rock brasileiro, e que
culminaria numa nova realidade para a indústria do entretenimento no Brasil.
A banda
praticamente nasceu no Teatro Ipanema, no Rio de Janeiro, no comecinho de 1981,
quando o grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone dividia a temporada do teatro
com a cantora Marina. Às 21 h, o grupo teatral apresentava o espetáculo “Aquela
Coisa Toda”, enquanto que à meia-noite, a cantora Marina, acompanhada da sua
banda, fazia o seu show musical. A banda
de Marina contava com Guto Barros (guitarra), Júnior Ramirez (baixo), Zé Luiz
(saxofone) e Lobão (bateria). Alguns desses músicos tocavam não só com Marina,
mas também para outros artistas. Lobão por exemplo, além de Marina, tocava para
Luiz Melodia, Walter Franco e Gang 90 & Absurdettes. Sempre ao fim do
espetáculo teatral, os atores da peça assistiam à passagem de som da banda de
Marina antes do show, em especial, o ator Evandro Mesquita, que além de ator,
tocava violão. Com frequência, Evandro, mais o guitarrista Ricardo Barreto, que
tocava no espetáculo do Asdrúbal, passou a frequentar as passagens de som dos
músicos da banda de Marina tocando com eles.
Asdrúbal Trouxe O Trombone: grupo teatral do qual Evandro Mesquita (sem camisa) fazia parte antes de formar a Blitz. |
Certo dia,
uma namorada de Evandro perguntou a ele se conhecia alguma banda para tocar na
inauguração de um bar no bairro de São Conrado, o Caribe. Sem pensar duas vezes, ele disse que não só conhecia como tinha
uma banda para tocar na inauguração do bar. Evandro aceitou o convite, e em
seguida, correu atrás dos músicos de Marina com quem fazia a passagem de som.
Com eles, Evandro discutiu o assunto e logo toparam a ideia de montar a banda.
Passaram a ensaiar para a estreia na inauguração do bar. Quanto ao nome da
banda, a ideia partiu de Lobão que sugeriu “Blitz”, já que na época havia muita
blitz policial nas ruas do Rio de Janeiro, e uma alusão à banda The Police, estava
fazendo muito sucesso: “Se tem polícia, tem Blitz”, disse o baterista.
Assim, a
banda Blitz estava formada com Evandro Mesquita (vocais, violão e gaita),
Ricardo Barreto (guitarra), Guto Barros (guitarra), Júnior Ramirez (baixo), Zé
Luiz (saxofone) e Lobão (bateria) e fez a sua estreia no dia 19 de fevereiro de
1981, na inauguração do bar Caribe,
no Rio de Janeiro. Coincidência ou não, dia do aniversário de Evandro Mesquita.
Já na primeira apresentação, a banda mostra a sua vocação para uma apresentação
com um grau de teatralidade. O primeiro show agradou o público, e no dia
seguinte todos comentaram. A partir daí, sucederam-se vários durante todo o ano
de 1981, shows, porém sem muito compromisso para gravar discos. Como os músicos
da banda tocava com outros artistas, a rotatividade dentro da banda era grande,
estabilizando-se em Evandro Mesquita (vocais, violão e gaita), Ricardo Barreto
(guitarra), Lobão (bateria), mais Antônio Pedro (baixo, ex-Mutantes), o William
Forghieri (teclados), e as backing vocals
Márcia Bulcão (namorada de Ricardo Barreto) e Fernanda Abreu (bailarina, amiga
de Márcia).
Blitz em seu primeiro show em fevereiro de 1981, no bar Caribe, Rio de Janeiro. |
Com essa
formação, a Blitz tocou no circuito alternativo do Rio de Janeiro. Mas foi no
Circo Voador onde a Blitz teve visibilidade, e sacudiu o cenário pop a capital
fluminense, com apresentações irreverentes e teatrais. Em pouco tempo, a Blitz
chamou a atenção de artistas e figurões de gravadoras, como o produtor
Mariozinho Rocha, da EMI-Odeon, que ficou entusiasmado após uma audição com a
banda. A Blitz em pouco tempo assinou contrato com a gravadora EMI-Odeon, e
logo entraram em estúdio para a gravação do primeiro single, com a música “Você
Não Soube Me Amar”. A música que originalmente foi feita para a peça “A
Incrível história de Nemias Demutcha”, do grupo teatral Baduentes Por Acaso
Estrelados.
Capa do single de “Você Não Soube Me Amar”. |
Em julho de
1982, o single de “Você Não Soube Me Amar” foi lançado, trazendo no seu lado B,
apenas um eco com “Nada, nada, nada...”. A música com seu canto meio falado em
pouco tempo ganhou as rádios de todo o Brasil e tornou-se um fenômeno pop. O
single chegou pouco mais de 800 mil cópias, e abria caminho para o renascimento
do rock brasileiro. As frases bem humoradas da música caíram na boca do povo,
como “Ok, você venceu”, “desce dois, desce mais...”. Não demorou muito e a
Blitz com sua “Você Não Soube Me Amar” já estavam estrelando comercial de xampu
e entrando na trilha sonora da novela Sol
de Verão, da TV Globo.
Motivada com
o sucesso fenomenal do single de “Você Não Soube Me Amar”, a gravadora EMI-Odeon
deu total liberdade para a Blitz gravar como quisesse o seu primeiro álbum, sob
a produção de Mariozinho Rocha. As músicas do repertório do álbum eram de
autoria de Evandro Mesquita ou parceria dele com outros autores, o que gerou um
mal estar entre Evandro e Lobão. Como membro-fundador da Blitz, Lobão queria
que a banda gravasse suas músicas para o álbum. Ele referia-se às músicas que
ele gravou em novembro de 1981 para o disco solo produzido de forma
independente, e que contou com a participação de amigos como Marina, Antônio
Pedro (baixista da Blitz), Lulu Santos, Ritchie, Ricardo Barreto (guitarrista
da Blitz), Zé Luiz (sax, ex-Blitz), William Forghieri (tecladista da Blitz) e Marcelo Sussekind (baixista), tudo na
camaradagem, sem cobrar cachê. Por falta de uma gravadora, o material acabou
sendo engavetado. Durante a sua fase alternativa, a Blitz chegou a tocar nos
shows, três músicas dessa produção de independente de Lobão: “Cena de Cinema”,
“Homem Baile” e “Love Pras Dez”; e eram elas que Lobão queria que a Blitz
gravasse.
Porém, a
ideia da Blitz gravar as músicas de Lobão foi completamente rechaçada por
Evandro e pelo produtor Mariozinho Rocha. Isso agravou a insatisfação de Lobão
dentro da banda, que por causa disso, não assinou contrato com a EMI-Odeon como
membro da Blitz para a gravação do álbum. Reportagens da época, como as da
revista “Isto É” e “Veja”, afirmavam que Lobão não assinou contrato porque
havia gravado um disco independente. A EMI temia que com o sucesso do álbum da
Blitz, Lobão lançasse o seu álbum solo em seguida e ofuscasse o trabalho da
banda, o que faria a gravadora ter todo um prejuízo no seu investimento.
Chegaram a propor que Lobão destruísse a fita master do seu projeto solo. No
entanto, Lobão achava injusto abrir mão do seu disco solo, levando-se em conta
o apoio que seus amigos deram e que se dedicaram nas gravações sem cobrar nada.
E além disso, Lobão não teria nenhuma música sua incluída no álbum que a banda
estava a gravar. O baterista acabou gravando o álbum da Blitz como músico de
estúdio, e não como membro da banda. Ainda assim, os outros integrantes da Blitz
e a EMI continuavam aguardando Lobão assinar o contrato queriam vencê-lo na
resistência.
Blitz durante as sessões de gravação de As Aventuras da Blitz. |
Finalmente,
em 26 de setembro de 1982, o então esperado álbum de estreia da Blitz, As
Aventuras da Blitz, chega às lojas. A capa colorida do disco tinha tudo
a ver com o espírito da Blitz e lembrava a capa de uma revista de histórias-em-quadrinhos.
Estava previsto que o álbum seria vendido acompanhado de um gibi da Blitz como
brinde, só que a finalização da revistinha atrasou e ela só foi lançada um ano
depois. Com o sucesso arrebatador do single de “Você Não Soube Me Amar”, as
expectativas da gravadora com o primeiro álbum da Blitz eram as melhores
possíveis. A recepção da crítica para As Aventuras da Blitz foi positiva,
tecendo elogios álbum e ressaltava o ecletismo pop da banda e sua irreverência
teatral.
As Aventuras da Blitz traz uma
mistura de referências que construíram a musicalidade da banda: reggae, música
pop, teatro, Jovem Guarda, histórias-em-quadrinhos, Moreira da Silva e humor.
Tudo embrulhado numa embalagem new wave. O carisma carioca de Evandro Mesquita
e os vocais de apoio estridente de Fernanda Abreu e Márcia Bulcão percorrem por
todo o álbum.
Blitz em quadrinhos. |
“Blitz Cabeluda”, é uma faixa de curta duração e que
abre o álbum, anunciando a banda e trazendo os célebres versos: “Espero que
vocês gostem do disco / Assistam o show / Vejam o filme / E leiam o livro”. A
faixa seguinte é “Vai, Vai, Love”, um rock com levada funk com repiques de
tamborins que dão um toque de brasilidade à música. Com uma narrativa
introdutória de filme de aventura, “De Manhã (Aventuras Submarinas)” é um
reggae pop que tem um ritmo suave e clima praieiro. “Vítima do Amor” começa com
a gaita de Evandro Mesquita sobre uma base instrumental new wave, e fala sobre
dependência sentimental. “O Romance da Universitária Otária” trata sobre o
romance da atrapalhada estudante Aparecida com o jovem Abreu que vão morar numa
casa no campo. Os versos “Todo mundo quer ir por céu / Mas ninguém quer
morrer”, é praticamente um provérbio. Não seria exagero afirmar que a canção
possa ter sido uma inspiração para “Eduardo e Mônica”, da Legião Urbana.
“O Beijo da
Mulher Aranha” é rock new wave com sabor de Jovem Guarda. Fernanda e Márcia
fazendo um corinho açucarado que lembra o pop “chiclete” dos anos 1960. A Blitz fecha o lado A do álbum com “Totalmente
em Prantos” num ritmo meio blues, meio jazz, com uma letra humorada falando de
um sujeito que foi abandonado pela amada e está completamente na fossa.
Lançada
anteriormente como single, “Você Não Soube Me Amar” foi incluída no álbum. Rock
que catapultou a Blitz para o sucesso, “Você Não Soube Me Amar” fala de um
romance que acabou. O canto falado de Evandro no começo da música, interagindo
com Fernanda e Márcia contando uma historinha, mostra a influência de Moreira
da Silva, o mestre do samba-de-breque. Evandro nunca escondeu a influência do
samba-de-breque no seu modo de cantar e compor, a tal ponto de alguns críticos
musicais na época do sucesso de “Você Não Soube Me Amar” tentarem classificar a
Blitz de “rock de breque”.
As duas
últimas faixas do álbum, “Ela Quer Morar Comigo na Lua” e “Cruel Cruel
Esquizofrenético Blues”, foram censuradas. “Ela Quer Morar Comigo na Lua” é um
rock bem ao estilo new wave foi censurado por causa do verso “Ô ela diz que eu ando bundando”,
enquanto que o blues “Cruel Cruel Esquizofrenético Blues” sofreu censura por
causa dos versos “Só porque ela pegou no
peru do seu marido, (peru de Natal...)” e “Não agora não dá mais, ah puta que pariu”. A faixa termina em
ritmo de rock. Em protesto contra a censura, a banda e o produtor decidiram
comercializar as cópias dos álbuns com duas faixas censuradas propositadamente
arranhadas. Em 1983, as duas faixas foram liberadas, e editadas em num single.
Arranhões propositais: em protesto contra a censura às duas últimas faixas, a banda e o produtor decidiram vender as cópias do álbum com as faixas vetadas arranhadas propositalmente. |
Mesmo com
duas faixas arranhadas de fábrica, a vendas de As Aventuras da Blitz
foram bem comercialmente, chegando à marca das 300 mil cópias vendidas. Após o
sucesso fenomenal de “Você Não Soube Me Amar”, foi a vez de “Mais Uma de Amor
(Geme Geme)” ter ótima execução em rádio, seguida de “O Beijo da Mulher
Aranha”.
Com tantos
shows, músicas no rádio e apresentações na TV, não demorou muito para a Blitz
ser capa de uma das mais importantes revistas semanais do Brasil, a “Isto É”.
Evandro ligou para Lobão dizendo que a revista faria uma matéria de capa com a
Blitz. O baterista se empolgou, e
prometeu que iria assinar o tal contrato com a EMI-Odeon, e que tanto a banda e
o produtor. Mas a promessa de Lobão na verdade, não passava de um plano
sórdido. O baterista foi para a entrevista juntamente com os colegas de banda,
participou das sessões de fotos alegremente. Conforme havia dito Evandro, a
Blitz estampava a capa da edição do de 27 de outubro de 1982, da revista “Isto
É”, incluindo Lobão abraçado com os colegas.
Blitz na capa da revista Istoé, edição de 27 de outubro de 1982. |
Só que para
surpresa dos outros membros da Blitz, Lobão disse que não iria assinar contrato
algum e que estava deixando a banda. E ainda rogou uma praga: disse que a banda
iria acabar após o terceiro disco e que os ex-companheiros iriam descer de
helicóptero com o Papai Noel no estádio do Maracanã. Coincidência ou não, no
final de novembro de 1982, a Blitz participou de uma comemoração natalina no
Maracanã com o Papai Noel. Após deixar a Blitz, o baterista pegou a fita master
do seu álbum solo e a revista, que se transformou num “cartão de visitas”, e
foi procurar gravadora. Assinou contrato com a gravadora RCA Victor, que já
encontrou um álbum pronto. Em novembro de 1982, era lançado o álbum Cena
de Cinema, o primeiro da carreira solo de Lobão, dois meses depois do
lançamento do primeiro álbum da Blitz.
Com a saída
de Lobão, a Blitz saiu em busca de um novo baterista. Penou um pouco, mas
encontrou um substituto, Roberto Gurgel, mais conhecido como Juba, (ex-Joelho
de Porco). Com ele, a banda iria alçar voos mais altos através dos dois
próximos álbuns, Radioatividade (1982) e Blitz 3 (1984), e apresentações
importantes para a carreira da banda, como a participação da primeira edição do
Rock in Rio, em janeiro de 1985, e do 12º Encontro Mundial da Juventude, em
Moscou, na antiga União soviética, em agosto de 1985. Após tantas exposições, o
desgaste e a tensão interna na banda era natural. A Blitz chegou ao fim em
meados de 1986.
Dos anos 1990
para cá, a Blitz fez várias retornos, com novos integrantes e gravando novos
discos, mas sempre tendo à frente a simpatia do vocalista Evandro Mesquita. Apesar das idas e vindas da banda ao longo do
tempo, As Aventuras da Blitz continua sendo o grande legado da Blitz
para a música pop brasileira. O álbum foi classificado em 48º lugar da lista
dos melhores álbuns da música brasileira de todos os tempos da edição
brasileira da revista Rolling Stone,
em 2007.
Faixas
Lado A
- "Blitz Cabeluda" (Antônio Pedro Fortuna - Evandro Mesquita - Ricardo Barreto)
- "Vai, Vai, Love" (Evandro Mesquita - Ricardo Barreto)
- "De Manhã (Aventuras Submarinas)" (Evandro Mesquita)
- "Vítima do Amor" (Evandro Mesquita)
- "O Romance da Universitária Otária" (Evandro Mesquita)
- "O Beijo da Mulher Aranha" (Evandro Mesquita - Ricardo Barreto)
- "Totalmente em Prantos" (Evandro Mesquita - Ricardo Barreto)
Lado B
- "Eu Só Ando a Mil" (Antônio Pedro Fortuna - Evandro Mesquita)
- "Mais Uma de Amor (Geme Geme)" (Antônio Pedro Fortuna - Bernardo Vilhena - Ricardo Barreto)
- "Volta ao Mundo" (Evandro Mesquita - Patrícia Travassos - Chacal)
- "Você Não Soube Me Amar" ( Evandro Mesquita - Ricardo Barreto – Guto - Zeca Mendigo)
- "Ela Quer Morar Comigo Na Lua" (Evandro Mesquita)
- "Cruel Cruel Esquizofrenético Blues" (Evandro Mesquita - Ricardo Barreto)
Blitz: Evandro Mesquita (voz e
guitarra), Fernanda Abreu (vocal de apoio), Marcia Bulcão (vocal de apoio),
Ricardo Barreto (guitarra), Antônio Pedro Fortuna (baixo), William
"Billy" Forghieri (teclados) e Lobão (bateria).
Ouça o álbum As Aventuras da Blitz na íntegra.
Ouça a censurada "Ela Quer Morar
Comigo Na Lua".
Ouça a censurada "Cruel Cruel
Esquizofrenético Blues".
Vídeo clipe de "Você Não Soube Me Amar" para
o programa "Fantástico", TV Globo, 1982.
Vídeo clipe de "Mais Uma de Amor
(Geme Geme)" para o programa
"Fantástico", TV Globo, 1982.
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