“Urban Hymns” (Hut Records, 1997), The Verve
Por Sidney Falcão
Na década de
1990, o rock britânico foi marcado pelo movimento que ficou conhecido como
Britpop, uma espécie de resposta à crueza sonora do grunge americano, que após
a morte de Kurt Cobain, do Nirvana, em 1994, aos 27 anos, entrou em decadência.
Baseado em canções super melódicas, refrãos marcantes, guitarras sobrepostas e
forte apelo radiofônico, o Britpop revelou ao mundo bandas que conquistaram as
paradas de sucesso internacionais como Oasis, Blur, Pulp, Suede, Radiohead,
Supergrass entre tantas outras. Em meio a essas bandas, estava The Verve, que
se tornaria um dos principais expoente do Britpop.
A história do
grupo começou em 1989, na pequena Wigan, cidade da região metropolitana de
Manchester, quando Richard Ashcroft (vocal), Nick McCabe (guitarra), Simon
Jones (baixo) e Peter Salisbury (bateria) formaram a banda, que a princípio,
chamava-se apenas de Verve (sem o artigo “the”). O som da banda no início da
carreira sofreu influências do rock psicodélico dos anos 1960 bem como,
provavelmente, de bandas de Manchester que faziam sucesso no começo dos anos 1990
e sacudiu o cenário do rock inglês naquele momento como Stone Roses, Happy
Mondays entre outras, até pelo fato da cidade natal do Verve ser próxima a
Manchester.
Em 1991, a
banda assinou contrato com o selo Hut Records, uma subsidiária da gravadora
Virgin Records. Mas foi no ano seguinte que aconteceram os primeiros
lançamentos do Verve, como os singles “All In The Mind”, “She's A Superstar” e “Gravity
Grave”, e o EP The Verve EP. O primeiro álbum de estúdio do
Verve, A Storm In Heaven, lançado em junho de 1993, teve uma repercussão
modesta, apesar da avaliação positiva da crítica especializada.
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Capa do álbum de estreia do The Verve, A Storm In Heaven. |
No ano
seguinte, em 1994, a banda se apresentou no Festival Lollapalloza, nos Estados
Unidos. A passagem do Verve naquele país foi cercada de muitas confusões. O
baterista Peter Salisbury foi preso por destruir um quarto de hotel, enquanto
que o vocalista Richard Ashcroft foi internado num hospital por desidratação,
após consumir exageradamente bebida alcoólica.
Ainda em
1994, a banda Verve teve que alterar o seu nome, depois que a gravadora
americana de jazz Verve Records moveu um processo judicial contra o grupo.
Desde então, a banda passou a se chamar The Verve, com o acréscimo do artigo
“the” antes do nome.
O segundo
álbum da banda britânica, A Northern Soul, veio em junho de 1995.
Com forte influência psicodélica dos anos 1960, porém adaptada à realidade do
rock dos anos 1990, A Northern Soul alcançou o 13° lugar da para
britânica de álbuns. Apesar do sucesso moderado, o álbum deu visibilidade ao
The Verve e contribuiu para que o grupo figurasse entre as bandas mais importantes
do Britpop.
Dois meses
depois do lançamento do segundo disco, o The Verve anunciou a dissolução. As
brigas e os desentendimentos entre Ashcroft e McCabe motivaram o fim da banda.
Enquanto
McCabe partiu para projetos particulares, Ashcroft, Simon Jones e Peter
Salisbury se reuniram para pensar num novo projeto, que poderia ser uma nova
banda ou a carreira solo de Ashcroft. Como precisavam de um guitarrista,
Richard Ashcroft convidou um velho amigo de infância, o guitarrista e
tecladista Simon Tong. Juntos, eles começaram a compor e gravar em outubro de
1996 novas canções para um futuro álbum, sob a produção de Martin Glover, mais
conhecido como Youth.
Apesar das
divergências que tinha com Nick McCabe, Richard Ashcroft sentia falta do da
guitarra do ex-colega, carregada de efeitos e distorções. Foi então que
Ashcroft e McCabe reataram a amizade, e fizeram as pazes. O guitarrista aceitou
o convite do vocalista gravar com os antigos colegas.
Com a
chegada, ou melhor, retorno de McCabe, as gravações e os objetivos para um novo
projeto tomaram um novo rumo. Boa parte do material gravado foi refeito e houve
a troca de produtor; trocaram Youth por Chris Potter. Os cincos músicos
decidiram que aquele material gravado se tornaria o disco da volta do The Verve,
e desta vez não como um quarteto, mas sim como quinteto com a presença de Simon
Tong.
Todo o
processo de gravação do agora terceiro álbum de estúdio do The Verve ocorreu no
legendário Olympic Studios, em Londres, os mesmos onde foram gravados alguns
dos álbuns históricos do rock como Are You Experienced? (1967),
de Jimi Hendrix, e Let It Bleed (1969), dos Rolling Stones.
Intitulado Urban
Hymns, o terceiro álbum do The Verve foi lançado pelo selo Hut Records
em 29 de setembro de 1997. Em Urban Hymns, a banda prosseguiu com
as suas incursões psicodélicas através das guitarras distorcidas e cheias de
efeitos de McCabe, porém em doses mais comedidas. O naipe de cordas são o
destaque neste disco, e dão um toque de refinamento às belas linhas melódicas
das canções, sobretudo as baladas, cujos versos revelam a sensibilidade poética
Ashcroft como compositor.
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The Verve, da esquerda para a direita: Nick McCabe, Peter Salisbury, Richard Ashcrotf, Simon Jones e e Simon Tong. |
Urban
Hymns começa com
“Bitter Sweet Symphony”, a canção que se tornou o maior sucesso da carreira do
The Verve e também um dos hinos do britpop. O single de “Bitter Sweet Symphony”
foi lançado três meses antes do álbum, e logo de cara fez um enorme sucesso,
catapultando The Verve para o estrelato. “Bitter Sweet Symphony” tem uma
melodia linda, e o naipe de cordas é a alma desta canção.
“Sonnet” é
uma balada a base de violões e guitarras elétricas, tendo ao fundo um sutil
naipe de cordas. A faixa seguinte, “The Rolling People”, tem sete minutos de
uma “tempestade” de guitarras psicodélicas, em performances alucinantes que
remetem a “The Four Horsemen”, dos gregos do Afrodite’s Child, de 1972.
Após a
tormenta, a calmaria de “The Drugs Don’t Work”, uma linda e melancólica canção
escrita por Richard Ashcroft que parece se referir à dependência de drogas. Ao
mesmo, tempo existem afirmações de que Ashcroft teria dedicado esta canção ao
seu pai, que estaria em estado de câncer terminal quando a gravou.
“Catching
The Butterfly” tem uma base rítmica linear, recheada de camadas de guitarras de
inspirações psicodélicas. Já em “Neon Wilderness”, as guitarras criam toda uma
atmosfera sonora melancólica, sombria e angustiante. “Space and Time” é uma das
mais belas canções do disco, e conta com a participação discreta de Liam
Gallagher, do Oasis, nas palmas no final da canção. A próxima faixa, “Weeping Willow”, é marcada
por versos um tanto quanto tristes e melancólicos.
Outro grande
momento no álbum é a canção “Lucky Man”, balada linda, cativante, onde o naipe
de cordas tem uma função fundamental ao realçar a beleza melódica desta canção.
Um som do que parece ser o de um piano elétrico, faz a abertura de “One Day”,
canção de versos positivos e esperançosos como os últimos versos: “Um dia
você amará de novo / Você tem que se amarrar ao mastro, meu amigo / E a
tempestade vai terminar”.
“This Time”
é marcada por uma percussão eletrônica programada, que cria uma levada rítmica
dançante aliada a guitarras e que remetem ao som das bandas do movimento
Madchester do final dos anos 1980 como The Stone Roses, Happy Mondays e The
Charlantans. “Velvet Morning” é uma balada de ritmo arrastado e sonolento.
O álbum
chega ao fim com “Come On”, a faixa mais longa do álbum, com pouco mais
de quinze minutos de duração. Sobreposições de guitarras mais o baixo e a
bateria, dão peso e musculatura roqueira à faixa. O toque especial fica por
conta dos efeitos de eco e wah-wah, mais as distorções de guitarra, que
juntos, dão um “tempero” psicodélico à música.
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Richard Ashcroft, vocalista do The Verve em cena do videoclipe de "Bitter Sweet Symphony". |
Urban
Hymns representou
muito mais do que o retorno do The Verve, foi a sua consagração artística. O
terceiro álbum da banda britânica passou doze semanas em 1° lugar na parada de álbuns
do Reino Unido e figurou em 23° lugar na parada da Billboard 200, nos
Estados Unidos.
Em 1998, Urban
Hymns vendeu mais de 1 milhão de cópias nos Estados Unidos, tornando-se
o álbum mais vendido da discografia do The Verve naquele país. Por outro lado,
no Reino Unido, o álbum foi um fenômeno em vendas ao superar a marca de 3
milhões de cópias vendidas.
O ótimo desempenho comercial de Urban Hymns se deve muito ao sucesso fantástico da canção “Bitter Sweet Symphony”. No Reino Unido, o single de “Bitter Sweet Symphony” alcançou o 2° lugar da parada de singles e vendeu mais de 1,2 milhão de cópias, enquanto que nos Estados Unidos, vendeu mais de 500 mil cópias. O single de “The Drugs Don't Work” também teve boa vendagem no Reino Unido, onde mais de 600 mil cópias foram vendidas.
Mas nem tudo
pareceu um mar de rosas para banda de Wigan. O sucesso de “Bitter Sweet
Symphony” levou o The Verve ao céu e depois para o inferno. O autor da canção,
Richard Ashcroft, foi parar nos tribunais. A famosa orquestração presente em “Bitter Sweet Symphony” teria sido sampleada de uma
versão orquestrada de uma canção dos Rolling Stones, “The Last Time”, feita
pela Andrew Loog Oldham Orchestra, em 1965. Para fazer uso desse trecho
orquestrado, a banda havia feito um acordo com os autores da canção para a
divisão dos lucros. No entanto, quando a canção estourou nas paradas, o
ambicioso e ex-empresário dos Stones, Allen Klein (1931-2009), entrou com uma
ação judicial contra a banda, exigindo que a canção fosse absurdamente
creditada 100% a Mick Jagger e Keith Richards. Conhecido pelo perfil
inescrupuloso, Klein era detentor dos direitos autorais de músicas gravadas
pelos Rolling Stones até 1971, e isso incluía “The Last Time”. Isso
significaria que Klein poderia lucrar com o sucesso de “Bitter Sweet Symphony”.
Ashcroft
perdeu a batalha judicial, mesmo sendo autor de “Bitter Sweet Symphony”. A
partir de então, os nomes de Mick Jagger e Keith Richards passaram a ser
incluídos no crédito de autoria, o que causou uma revolta ao vocalista do The
Verve. Felizmente, em 2019, cerca de 22 anos depois da batalha judicial, Jagger
e Richards devolveram os direitos de “Bitter Sweet Symphony” a Ashcroft.
O sucesso de
Urban Hymns rendeu ao The Verve não apenas fama e dinheiro, mas
também reconhecimento. A banda ganhou vários prêmios, dentre os quais o de
“Melhor Álbum Britânico” (por Urban Hymns), “Melhor Single
Britânico” (por “Bitter Sweet Symphony”) e de “Melhor Grupo Britânico”, os três
prêmios no BritAwards, em 1998, e “Compositor do Ano” (para Richard Ashcroft),
no Ivor Novello Awards, em 1998.
Em abril de
1999, o público e a crítica foram surpreendidos com o The Verve anunciando que
estava chegando ao fim novamente. As razões foram as mesmas que levaram ao
primeiro final da banda: as brigas entre Richard Ashcroft e Nick McCabe. No ano
seguinte, Ashcroft começou a sua carreira solo.
Houve uma nova tentativa de retorno da banda em 2008, quando em agosto daquele ano, o The Verve lançou um novo álbum, Forth. Mas ao contrário do que ocorreu com Urban Hymns, esse novo retorno não causou grande repercussão. Em abril de 2009, a banda anunciou mais uma vez que estava encerrando atividades, e desta vez, em definitivo.
Faixas
Todas as
faixas por Richard Ashcroft, exceto onde anotado.
1."Bitter
Sweet Symphony"
2."Sonnet"
3."The
Rolling People" (The Verve)
4."The
Drugs Don't Work"
5."Catching
the Butterfly" (The Verve)
6."Neon
Wilderness" (Nick McCabe, The Verve)
7."Space
and Time"
8."Weeping
Willow"
9."Lucky
Man"
10."One
Day"
11."This
Time"
12."Velvet
Morning"
13."Come
On"
The Verve: Richard Ashcroft (vocal), Nick
McCabe (guitarra), Simon Tong (guitarra e teclados), Simon Jones (baixo), Peter
Salisbury (bateria).
Referências:
Revista
Bizz – edição 148,
novembro/1997, Editora Azul, São Paulo, Brasil
Ouça na íntegra o álbum Urban Hymn
"Bitter Sweet Symphony"
(videoclipe original)
"Sonnet" (vídeoclipe original)
"Lucky Man" (vídeoclipe original)
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