“Blackout” (Continental, 1991), Marcelo Nova



Por Sidney Falcão

Após uma pausa para superar a dor da perda do amigo e parceiro Raul Seixas, que faleceu aos 44 anos em agosto de 1989, e com o qual gravou o álbum A Panela do Diabo, lançado pouco antes da morte de Raul, Marcelo Nova retomou a sua carreira artística no começo de 1990 com uma turnê acompanhado pela sua banda de apoio, a Envergadura Moral. Porém, mal iniciou a turnê e o cantor baiano foi surpreendido – assim como todo o povo o brasileiro – pelo plano econômico do recém empossado novo presidente do Brasil, Fernando Collor, o primeiro presidente eleito por voto direto após o fim da ditadura militar. Conhecido como Plano Collor, esse plano econômico visava conter a inflação galopante, congelando preços e confiscando depósitos bancários. A consequência disso foi que vários shows agendados de Marcelo Nova tiveram que ser cancelados pelos contratantes.

Para driblar a situação e tornar viável para os produtores a contratação dos seus shows, Marcelo decidiu cortar custos. Abriu mão de se apresentar com a sua banda, optando por apresentações mais “enxutas” e num formato acústico, apenas com dois violões e um acordeom. Em pouco tempo, Marcelo Nova já estava na estrada fazendo shows acompanhado do multi-instrumentista João Chaves, mais conhecido como Johnny Boy, tocando o segundo violão e acordeom. Johnny Boy era membro da Envergadura Moral.

A turnê acústica de Marcelo Nova com Johnny Boy rodou o Brasil inteiro por cerca de um ano, e rendeu elogios do público e da crítica. Empolgado pelo bom êxito da turnê, Marcelo decidiu gravar um disco totalmente acústico, nada de instrumentos elétricos. Era um formato até então pouquíssimo usual para disco na música brasileira. Marcelo seguia num caminho inverso, num momento em que instrumentos eletrônicos como samples e baterias eletrônicas já eram uma realidade nos estúdios de gravação no Brasil. O ex-vocalista do Camisa de Vênus estava à procura de uma sonoridade pura, acústica. Queria um disco recheado de violões, de dobros (um tipo de guitarra acústica igual à da capa de Brothers In Arms, do Dire Straits), piano, bandolins e baixo acústico.

Zélia Cardoso de Mello, ministra da Economia do governo Fernando Collor
anunciando o Plano Collor, março de  1990, plano econômico que confiscou
contas bancárias de milhões de brasileiros.

Marcelo Nova reativou a banda Envergadura Moral para acompanha-lo nas gravações em estúdio. A banda contou com o lendário ex-baterista da banda Tutti Frutti, Franklin Paollilo, Carlos Alberto Calazans (baixo acústico), o já citado Johnny Boy (piano, violões, dobro, acordeon e harmônica), e um convidado especial, o blueseiro André Christovam (violões, dobro e bandolim). As gravações ocorreram no estúdio Gravodisc, em São Paulo, e a produção foi conduzida pelo próprio Marcelo Nova.

Intitulado Blackout, o álbum já diz no seu título a que veio: um trabalho essencialmente acústico, desplugado, fora da tomada. O repertório do álbum trouxe canções de Marcelo Nova até então inéditas. Mas trouxe também releitura de um antigo sucesso de Raul Seixas, “Maluco Beleza”. A versão em CD incluiu como faixa bônus a regravação feita por Marcelo de “Summertime Blues”, de Eddie Cochran, clássico do rock’n’roll de 1958.

O álbum começa com a maliciosa e irreverente “Deixe Eu Por Meu Carro”, um rock’n’roll acústico de versos de duplo sentido sobre sexo anal. Em “Muito Além do Jardim”, Marcelo narra os horrores da realidade brasileira, como uma favela soterrada ou menor abandonado sem perspectiva de futuro. O refrão é uma evidente provocação à banda Engenheiros do Hawaii, que havia regravado a canção “Era Um Garoto Que Como Eu Amava Os Beatles E Os Rolling Stones” e que estava estourada nas rádios: “Aqui ninguém vai morrer no Vietnã / Aqui ninguém vai Rá-Tá-Tá-Tá no Vietcong / Os garotos daqui não vão amar ninguém / Aqui se morre de fome, antes de ser alguém”.

Na balada folk “O Que Você Quer?”, Marcelo Nova tem a companhia toda especial de André Christovam nos solos de guitarra dobro. Marcelo presta um tributo ao falecido amigo Raul Seixas com uma versão bem pessoal de “Maluco Beleza”. “Sexo Blues” é sobre o apetite sexual insaciável de um sujeito que não tem hora e nem local para transar com a sua amada.

Marcelo Nova e a banda Envergadura Moral, em foto da contracapa de Blackout.

A balada “Noite” traça na visão de Marcelo, o lado belo e poético, mas também o lado sombrio e hostil da noite nas grandes cidades. Em “Aporrinhado Terminal”, um misto de folk music e baião, Marcelo assume a persona de um indivíduo impaciente com a mediocridade humana: “Saco cheio, baby, de bancar o surdo mudo / Dessas pessoas que sempre acreditam em tudo / Que Deus é branco e que o diabo é chifrudo”. No rock’n’roll “Fogo do Inferno”, Marcelo mostra que é um discípulo de Raul Seixas no quesito incomodar como uma “mosca na sopa”: “E Marceleza é mesmo perigoso / Não adianta por seu pano quente / Todo ano tentam acabar comigo / Mas eu sou um sobrevivente”.

O álbum termina com “Robocop”, a melhor canção de Blackout e, talvez, a mais comovente canção escrita por Marcelo Nova. A letra versa sobre a dura vida de um policial, que tem que garantir a segurança da população numa sociedade violenta e desigual como a brasileira, mas que ao mesmo tempo tem que saber lidar com seus dramas pessoais e fazer com que eles não interfiram no seu trabalho profissional. É interessante que com esta canção, Marcelo navega num sentido contrário aos seus colegas do rock brasileiro ao compor uma canção sobre a polícia. Se a maioria das canções do rock brasileiro com tema sobre a polícia, o policial é visto como um “vilão”, em “Robocop”, Marcelo traça um retrato diferente do policial, mas não como um herói, e sim como um ser humano como outro qualquer.

Quando Marcelo Nova lançou Blackout em setembro de 1991, além dele, apenas Rita Lee com o seu álbum Bossa’n’Roll, havia lançado um álbum acústico naquele ano. Mal sabiam eles que pouco tempo depois, o lançamento de discos acústicos seria um modismo bastante lucrativo para as gravadoras. A série Acústico MTV, lançada pela MTV Brasil, foi muito sucedida ao longo dos anos 1990 e início dos anos 2000, lançando versões acústicas de discos de artistas brasileiros que foram um enorme sucesso, chegando alguns títulos a vender mais de 1 milhão de cópias.

Ironicamente, Blackout nasceu de uma necessidade, vendeu pouco, muito por conta pelo pouco empenho de divulgação por parte da gravadora Continental. Mas acabou de fato se tornando um dos precursores de uma tendência em discos de pop rock brasileiro que foi bastante rentável para a indústria fonográfica brasileira.

Faixas

Todas as músicas são de autoria de Marcelo Nova, exceto as indicadas

Lado A

  1. "Deixe Eu Por meu Carro"                
  2. "Muito além do Jardim"       
  3. "O Que Você Quer?"  (André Christovam - Marcelo Nova)
  4. "Maluco Beleza" (Cláudio Roberto Andrade de Azevedo - Raul Seixas)     
  5. "Sexo Blues"              

 

Lado B

  1. "Noite" 
  2. "Aporrinhado Terminal"       
  3. "Fogo do Inferno"     
  4. "Robocop" 

- Faixa bônus no CD: “Summertime Blues” (Eddie Cochran - Jerry Capehart)

 

Marcelo Nova (vocal e violão)

Envergadura Moral: André Christovam (violões, dobro e bandolim), João Chaves, o “Johnny Boy” (piano, violões, dobro, acordeon e harmônica), Carlos Alberto Calazans (contrabaixo) e Franklin Paolillo (bateria e percussão).  

 

Referências:

Revista Bizz – setembro/1991 – Edição 74, Editora Azul.

Revista Bizz – dezembro/1991 – Edição 77, Editora Azul. 

 

"Deixe Eu Por meu Carro"

"Muito além do Jardim"

"O Que Você Quer?"

"Maluco Beleza"

"Sexo Blues"

"Noite"

"Aporrinhado Terminal"

"Fogo do Inferno"

"Robocop"

“Summertime Blues”

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