“Bebadosamba” (BMG, 1996), Paulinho da Viola



Por Sidney Falcão

Um hiato separa os álbuns Eu Canto Samba (1989) e Bebadosamba (1996), dois álbuns elogiados e premiados do sambista Paulinho da Viola. A consagração desses dois trabalhos não impediu que Paulinho ficasse quase uma década sem gravar um disco. Mas vale ressaltar que desde meados dos anos 1980, Paulinho já havia decidido diminuir o ritmo de lançamento de novos discos. Até a década de 1970, o sambista lançava um disco novo a cada ano. Contudo, a partir da década seguinte, Paulinho optou por levar mais tempo para lançar um novo álbum para priorizar a qualidade de gravação e de repertório.

E valeu a pena essa decisão. O álbum Eu Canto Samba foi lançado seis anos após Prisma (1983), e faturou no ano de seu lançamento quatro troféus do Prêmio Sharp, o mais importante prêmio da música brasileira da época. Desde então, Paulinho passou a ser visto como um sambista sofisticado, embora sempre fizesse o samba autêntico. Talvez a sua postura elegante, a voz calma e os versos dos seus sambas carregados de uma incrível sensibilidade poética, somados à preocupação com a qualidade de seus discos, tivessem reforçado a imagem de artista sofisticado.

Foi depois que Marisa Monte gravou em 1994, “Dança da Solidão” para o álbum Verde,Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão, que o nome de Paulinho da Viola voltou à grande mídia. O antigo samba de Paulinho da década de 1970 na voz de Marisa tece uma boa recepção, e isso parece ter mostrado ao sambista que já era hora de lançar disco novo. E pelo sucesso que a versão de Marisa fez, público interessado havia.

Marisa Monte (foto) regravou em 1994, o samba "Dança Solidão", de Paulinho da Viola,
o que ajudou o sambista carioca a voltar à grande mídia.

Em 1996 Paulinho da Viola lançou Bebadosamba, um álbum muito bem produzido, muito bem arranjado, delicado, como todo trabalho do sambista. O repertório do álbum é composto por canções de autoria de Paulinho, parcerias e canções compostas por outros compositores. É também um trabalho diversificado que traz variedades de sambas, desde samba-de-quadra ao maxixe, passando pelo romantismo do samba-canção. 

O título do álbum, Bebadosamba, que também é nome de uma das faixas do disco, é um interessante jogo de palavras, de sentidos: “‘Bebadosamba”, ‘bebadachama’. É para beber da chama e a chama bêbada, no sentido de estar embevecido, embebido.”, disse Paulinho da Viola, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em novembro de 1996.

“Quando O Samba Chama” abre o disco, uma música que fala do momento em que o compositor recebe a inspiração para compor um samba, tal qual uma entidade divina, espiritual, um “chamamento”.

Em seguida vem “Timoneiro”, a música mais importante do disco, e traz um verso que se tornou antológico: “Não sou eu quem me navega / Quem me navega é o mar”. “Timoneiro” entrou para a galeria das grandes canções do samba, se tornou um clássico do gênero e um dos maiores sucessos da carreira de Paulinho da Viola.

“Ame”, pareceria de Paulinho com seu eterno amigo Élton Medeiros (1930-2019) (que também faz participação especial em dueto com Paulinho), trata sobre se entregar ao amor por completo, sem medo de sofrer, de se desiludir, e deixa como recado que o mais importante é vivenciar o momento. “Alento”, de Paulo César Pinheiro, é um misto de samba-canção com bossa-nova, e traz versos reflexivos, mas cheios de muita melancolia: Violão esquecido num canto é silêncio / Coração encolhido no peito é desprezo / Solidão hospedada no leito é ausência / A paixão refletida num pranto, ai, é tristeza / Um olhar espiando o vazio é lembrança / Um desejo trazido no vento é saudade / Um desvio na curva do tempo é distância /E um poeta que acaba vadio, ai, é destino”.

“É Difícil Viver Assim” é um samba composto por Paulinho da Viola que possui um ritmo alegre, mas uma letra triste sobre um homem abandonado pelo grande amor de sua vida. Arrependido, ele agora reconhece os erros que cometeu com a sua amada, e alimenta a esperança de um dia reconquistá-la: “Eu agora reconheço / Tudo fiz por merecer / Pobre mestre-sala sem bandeira / Numa noite sem estrelas / Desfilando sem querer / Apesar de tudo não me canso / E não perco a esperança / De reconquistar você”.

Paulinho da Viola.

A Escola de Samba Portela, uma das mais tradicionais do carnaval do Rio de Janeiro, sempre foi uma das maiores paixões da vida de Paulinho da Viola. No disco, a escola de samba aparece através de “O Ideal É Competir”, uma canção de Candeia (1935-1978) e Casquinha (1922-2018) na voz de Paulinho, um samba que saúda a grandeza da Portela.

“Novos Rumos” é um choro que traz a participação mais do que especial de ninguém menos do violonista César Faria (1919-2007), pai de Paulinho da Viola, tocando violão de sete cordas. César foi integrante do Época de Ouro, conjunto antológico de choro que acompanhava Jacob do Bandolim (1918-1969). A música possui um lirismo poético lindo e ao mesmo tempo melancólico nos versos, que parecem se referir a uma relação conjugal que acabou, e que após o fim, cada um seguiu o seu caminho em busca de um novo rumo, de um novo amor: “Quando a vida nos cansa / E se perde a esperança / O melhor é partir / Ir procurar outros mares / Onde outros olhares nos façam sorrir”.

Composta por Paulinho da Viola, “Memórias Conjugais” é um maxixe, um ritmo musical que esteve muito em voga no Brasil no início do século XX. A música trata de maneira bem humorada sobre um sujeito que foi dispensado pela companheira que pôs um ponto final no relacionamento. “Reverso da Paixão”, também escrito por Paulinho, versa sobre o fim de uma paixão que foi vivida com grande intensidade: “Mas o tempo sempre apaga / O fogo de qualquer paixão / E lança, sem pena / As flores que restaram / Nas águas da desilusão”.

Pai de Paulinho da Viola, o violonista Cesar Faria faz participação
especial da faixa "Novos Rumos".

“Dama de Espadas” é um samba-canção leve, delicado, que ressalta a qualidade de Paulinho não só como letrista, mas também como melodista. Aqui, Paulinho faz uma associação das trapaças do jogo com as trapaças no jogo do amor. Em “Solução de Vida”, Paulinho da Viola lembra que a vida não é uma equação matemática.

“Peregrino” é uma música que tanto parece se referir ao amor como um elemento que traz a esperança, o novo, que se manifesta no sorriso de uma criança,  de um sonho ou como uma missão divina. “Se navegar no vazio / É mesmo o destino / Do meu coração / Parto pra ser esquecido / Navio perdido / Na imensidão”, canta Paulinho da Viola em “Mar Grande”, uma canção sobre a desilusão no amor.

“Bebadosamba” encerra o álbum, uma música em que Paulinho da Viola presta um bonito e sensível tributo aos artistas que ajudaram a construir a história do samba como Cartola, Noel Rosa, Ismael Silva, Monsueto, João da Baiana, Nelson Cavaquinho entre tantos outros mestres.

O álbum Bebadosamba foi amplamente bem recebido pela crítica e pelo público. A temporada de shows do disco no Canecão, no Rio de Janeiro, fez tanto sucesso que teve que ser estendida devido à grande procura. Os shows rederam um álbum duplo com 27 faixas gravado ao vivo Bebadachama, lançado em 1997. E foi na edição do Prêmio Sharp daquele ano que o álbum Bebadosamba conquistou cinco troféus: “Melhor álbum de Samba”, “Melhor Arranjador de Samba” (para Paulinho da Viola), “Melhor Cantor de Samba” (para Paulinho da Viola), “Melhor Canção de Samba” (para “Timoneiro”) e “Melhor Programação Visual” (para Elifas Andreato, criador da capa e do encarte do álbum).

Faixas

  1. “Quando O Samba Chama” (Paulinho da Viola)
  2. “Timoneiro” (Hermínio Belo de Carvalho – Paulinho da Viola)
  3. “Ame” (Paulinho da Viola – Élton de Medeiros)
  4. “Alento” (Paulo César Pinheiro)
  5. “É Difícil Viver Assim” (Paulinho da Viola)
  6. “O Ideal É Competir” (Candeia – Casquinha)
  7. “Novos Rumos” (Rochinha – Orlando Porto)
  8. “Memórias Conjugais” (Paulinho da Viola)
  9. “Reverso da Paixão” (Paulinho da Viola)
  10. “Dama de Espadas” (Paulinho da Viola)
  11. “Solução de Vida” ((Paulinho da Viola – Ferreira Gullar)
  12. “Peregrino” (Noca da Portela)
  13. “Mar Grande” (Paulinho da Viola – Sérgio Natureza)
  14. “Bebadosamba” (Paulinho da Viola)

Referências:

Folha de S.Paulo, caderno Ilustrada, quinta-feira, 21 de novembro de 1996

Folha de S.Paulo, caderno Ilustrada, segunda-feira, 12 de maio de 1997

Revista Bizz – fevereiro/1997 – Edição 139, Editora Azul

Revista Bizz – novembro/1999 – Edição 172, Editora Abril

Os 100 Melhores CD’s da MPB – André Domingues, 2004, Sá Editora, Barueri, São Paulo, Brasil.

www.paulinhodaviola.com.br


“Quando O Samba Chama”

“Timoneiro”

“Ame”

“Alento”

“É Difícil Viver Assim”

“O Ideal É Competir”

“Novos Rumos”

“Memórias Conjugais”

“Reverso da Paixão”

“Dama de Espadas”

“Solução de Vida”

“Peregrino”

“Mar Grande”

“Bebadosamba”

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