“Arise” (Roadrunner Records, 1991), Sepultura


Por Sidney Falcão

Na virada dos anos 1980 para os anos 1990, o Sepultura surpreendia o mundo com o seu terceiro e elogiado álbum de estúdio Beneath The Remains, lançado em 1989. Era o primeiro álbum da banda lançado através da gravadora americana Roadrunner Records, responsável por abrir as portas do Sepultura para a carreira internacional. O álbum causou um grande impacto no cenário mundial do heavy metal, dominado por artistas americanos e europeus, que ficaram perplexo pelo fato daquele quarteto ter saído do Brasil, o lugar que para eles, era o mais improvável para sair uma banda de heavy metal.

A perplexidade dos “gringos” era compreensível, afinal, sempre viram o Brasil como o país do samba, futebol e Carnaval. Soma-se a isso, a própria o desinteresse da maioria dos estrangeiros em saber da diversidade musical do Brasil que vai muito além do samba. Por outro lado, apesar da ascensão do Sepultura na carreira internacional, no Brasil, a banda originária em Minas Gerais tinha pouquíssima visibilidade. A não ser os fãs de heavy metal, ninguém no país conhecia o quarteto mineiro. Mas essa situação iria mudar com o quarto álbum de estúdio do grupo, o aclamadíssimo Arise, que tornaria o Sepultura mais conhecido no seu país natal e colocaria a banda entre os grandes do cenário do heavy metal internacional.

O sucesso de público e de crítica de Beneath The Remains motivou a Roadrunner Records tornar o Sepultura uma prioridade. Para a gravação do próximo álbum da banda brasileira, a Roadrunner bancou US$ 40 mil. As gravações de Arise ocorreram no Morrisound Studio, em Tampa, na Flórida, e repetiu a dobradinha que produziu Beneath The Remains, com o produtor americano Scott Burns e o Sepultura na coprodução.

Sepultura em 1989, da esquerda para a direita: Andreas Kisser,
Max Cavalera, Paulo Jr. e Igor Cavalera.

A arte da capa foi concebida pelo pintor e ilustrador americano Michael Whelan, artista com experiência em ilustrar capas de livros e de discos, como a do álbum Victory (1984), dos Jacksons.

Arise segue uma mesma linha estilística de Beneath The Remains, apoiada no thrash metal e no death metal. No entanto, embora possua a velocidade alucinante do álbum anterior, Arise consegue conciliar essa característica com uma certa cadência rítmica na maioria das faixas. O álbum apresenta sinais de experimentalismo, que envolve uma aproximação do Sepultura com a música industrial e o emprego da percussão, revelando que a banda estaria passando por um processo de redirecionamento musical. Em Arise, a sonoridade do Sepultura se mostra mais madura e mais coesa do que nos seus álbuns anteriores.

Uma curiosidade nas gravações de Arise, é que Max Cavalera, então vocalista e guitarrista rítmico do Sepultura, convidou Henrique Portugal, tecladista da banda Skank, para tocar sintetizador no álbum. O Skank que estava na época em começo de carreira e fazia parte da cena alternativa da música de Belo Horizonte, mesma cidade onde surgiu o Sepultura.

O álbum começa com uma espécie de tambor acompanhando de um som que parece de programações eletrônicas - provavelmente executadas por Henrique Portugal - que juntos, criam um clima de tensão que abre a faixa-título. Logo em seguida, o ouvinte é surpreendido pelo som poderoso e pesado do Sepultura. A ferocidade da bateria de Igor Cavalera contrasta com os solos de guitarra afiados e técnicos de Andreas Kisser. Enquanto isso, Max Cavalera despeja com sua voz gutural, versos que falam de guerra, terrorismo e dominação religiosa.

Cena do videoclipe da faixa "Arise", filmado no deserto de Mojave,
sudoeste dos Estados Unidos. O videoclipe foi censurado pela MTV americana
por mostrar um Jesus Cristo crucificado usando uma máscara de gás.

Na faixa seguinte, “Dead Embryonic Cells”, o Sepultura trata sobre uma suposta doença criada pelos grandes laboratórios para infectar a humanidade e obter altos lucros. A música possui levadas rítmicas variadas, alternando andamentos rápidos com os lentos. Kisser mais uma vez, mostra o seu talento brilhante como guitarrista, fazendo solos fantásticos com seu instrumento. As variações de andamento rítmico prosseguem em “Desperate Cry”, música cuja letra versa sobre dor, morte e desespero: “Death the coldest wind / Seeps into your pores” (“A morte é o vento mais frio / Vaza dentro dos seus poros”).

Com uma sonoridade veloz e violenta, a faixa “Murder” trata sobre a violência, a banalização da morte e as contradições humanas: “Same hand that builds destroys / Same hand that relieves betrays / Same hand that seeds burns / Same peace that exists here lies” (“Mesma mão que constrói destrói / Mesma mão que alivia trai / Mesma mão que semeia queima / A mesma paz que existe aqui jaz”). A visão desesperançosa da banda sobre o mundo prossegue em na faixa seguinte, “Substraction”.

Sanidade mental e o estado emocional das pessoas são temas de “Altered State”, música que  possui uma base instrumental muito bem construída e que mostra o perfeito entrosamento entre os integrantes do Sepultura, que criam uma sucessão de variedades de andamentos rítmicos. Os versos de “Under Siege (Regnum Irae)”, traz nos seus versos os conflitos religiosos e os absurdos que os seres humanos são capazes de cometer em nome da fé.

“Meaningless Moviments” não tem nada de tão especial, mas mantém o ritmo pesado e agressivo do álbum em alta. O álbum encerra com “Infected Voice”, um thrash metal massacrante e veloz que trata sobre o medo. Contudo, nas edições brasileira, europeia e japonesa de Arise, foi incluído um cover de “Orgasmatron”, um dos grandes clássicos do Motörhead.

Embora Arise tivesse a sua data de lançamento programada para março de 1991, a Roadrunner Records decidiu lançar às pressas, dois meses antes, em janeiro daquele ano, cinco mil cópias de uma edição especial pré-mixada do álbum. O motivo da antecipação foi que naquele mês de janeiro de 1991, o Sepultura era uma das atrações do Rock in Rio 2, no Rio de Janeiro, um dos mais importantes festivais de rock do mundo. A ideia da gravadora era impulsionar a banda no seu próprio país de origem, onde ainda era pouco conhecida. O festival de grandes proporções, com algumas das maiores estrelas da música mundial, era bastante oportuna.

Andreas Kisser em show do Sepultura no Rock in Rio 2,
no Maracanã, janeiro de 1991.

Lançado oficialmente em 25 de março de 1991, Arise recebeu avaliações positivas por parte da imprensa musical. Revistas especializadas como as britânicas Kerrang! e Metal Forces, teceram elogios. A também britânica, Melody Maker, ressaltou a possibilidade do Sepultura se tornar maior que o Slayer.

Dois meses após o lançamento do álbum, o Sepultura fez uma apresentação gratuita na Praça Charles Miller, em São Paulo. A Polícia Militar esperava um público de 10 mil pessoas, mas compareceram ao local 40 mil. Lamentavelmente, o show foi marcado por brigas na multidão, que resultaram algumas pessoas baleadas e um rapaz assassinado.

As vendas de Arise foram excelentes para o Sepultura, e principalmente em se tratando de uma banda de rock brasileira trilhando carreira internacional. Em dois anos, o álbum vendeu 1 milhão de cópias em todo o mundo. No Reino Unido, Arise alcançou a marca de 60 mil cópias vendidas, enquanto que do outro lado mundo, na Indonésia, o quarto álbum do Sepultura vendeu 25 mil cópias. O álbum gerou três singles: “Arise”, “Dead Embryonic Cells” e “Under Siege (Regnum Irae)”. O sucesso do álbum teve também polêmica, como o videoclipe da música “Arise”, que foi censurado pela MTV americana por mostrar Jesus Cristo crucificado com uma máscara de gás.

Para promover o álbum Arise, o Sepultura fez uma longa turnê iniciada em maio de 1991, e que durou pouco mais de um ano. A turnê circulou entre a América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia e Oceania, passou por 39 países e teve 220 apresentações.

Após Arise, o Sepultura deixou de ser aos olhos da crítica especializada internacional uma mera atração “exótica”, uma promessa, para ser uma realidade, uma banda com capacidade para estar em pé de igualdade com as mais importantes bandas de thrash metal do mundo. Os sinais de mudança que o quarto álbum do Sepultura apontava, iriam nortear os trabalhos posteriores como Chaos A.D (1993) e Roots (1996), que dariam um novo rumo ao heavy metal alternativo e influenciariam uma nova geração de bandas do gênero mundo a fora. E justamente em Arise que reside o ponto de partida que deu início a esse processo.

Faixas

Lado 1

  1. Arise (Max Cavalera)
  2. Dead Embryonic Cells (Max Cavalera)   
  3. Desperate Cry  (Andreas Kisser)
  4. Murder (Max Cavalera)
  5. Subtraction (Andreas Kisser)   

Lado 2

  1. Altered State (Andreas Kisser) 
  2. Under Siege (Regnum Irae) (Max Cavalera) 
  3. Meaningless Movements (Andreas Kisser)   
  4. Infected Voice (Andreas Kisser)                

Faixa bônus na versão CD: “Orgasmatron” (Würzel, Phil Campbell, Pete Gill e Lemmy Kilmister) (edição brasileira, europeia e japonesa) 

Sepultura: Max Cavalera (voz e guitarra base), Andreas Kisser (guitarra solo e vocal de apoio), Paulo Jr. (baixo) e Igor Cavalera (bateria).

Referências:

Revista Bizz – agosto/1990 – Edição 61, Editora Azul

Revista Bizz – agosto/1992 – Edição 79, Editora Azul

whiplash.net


Ouça na íntegra o álbum Arise
(mais faixas bônus: 
"Orgasmatron"
(Motörhead cover),
"Intro/Criminals In Uniform",
"Desperate Cry" (Scott Burns Mix)


"Arise" (videoclipe original)


"Dead Embryonic Cells"
(videoclipe original)







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