“Purple Rain” (Warner, 1984), Prince

Em 1983, Prince era um artista em franca ascensão no cenário da música pop mundial. Seu álbum mais recente na época, o álbum duplo 1999, lançado em 1982, foi aclamado pela crítica. O público aprovou: o álbum vendeu mais de 10 milhões de cópias. Com cinco álbuns no currículo, videoclipes rodando bem na MTV americana (o cantor foi um dos primeiros astros negros da música pop exibidos pelo canal), Prince queria ir mais longe. Naquele momento, Michael Jackson era o grande fenômeno pop, impulsionado mega-sucesso do multiplatinado álbum Thriller (1982). Michael era o exemplo a ser seguido, o ponto a ser alcançado, e era lá que Prince queria chegar.

Foi então que Prince teve uma ideia: fazer um filme, inspirado em sua vida e no qual ele mesmo seria o protagonista. Prince acreditava que essa seria a melhor alternativa para chegar no mesmo patamar de Michael Jackson. Contudo, embora Prince fosse na época um artista em ascensão, elogiado pela crítica pelo seu talento musical e pelas suas habilidades como multi-instrumentista, o jovem cantor tinha a fama de pervertido e de compor canções de apelo sexual. Os mais conservadores tinham pavor dos seus figurinos ditos “depravados” dos tempos do álbum Dirty Mind, de 1981, em que usava um casaco, uma calcinha de biquíni ou algum tipo de sunguinha.

Com roteiro pronto, nenhum estúdio de Hollywood demonstrou interesse no projeto do filme. No momento de renovar o seu contrato com a gravadora Warner, Prince propôs à companhia como condição de renovação, a produção do seu filme. Provavelmente, na cabeça de Prince, o fato do seu último álbum ter sido um grande sucesso, dele ser uma artista jovem e em grande ascensão, e da gravadora fazer parte de um conglomerado do entretenimento, do qual integra também uma companhia cinematográfica, a Warner Bros., não haveriam grandes dificuldades de negociação.

Camiseta regata e sunguinha: visual provocador de Prince
nos tempos do álbum Dirty Mind.

Apesar do risco, a Warner Bros. decidiu apostar na ideia de Prince, e bancou o filme, cujo orçamento foi de 7,2 milhões de dólares. Para a direção do filme, foi convocado o diretor Albert Magnoli, que também foi responsável pelo roteiro junto com William Blinn e o próprio Prince. No elenco principal, Prince, a cantora e atriz Apollonia Kotero, e Morris Day. A história do filme gira entorno de Kid (Prince), um jovem de Minneapolis (que era na realidade, a cidade natal de Prince) que para escapar da vida familiar conturbada, parte em busca do sonho em ser um astro da música, liderando a banda The Revolution. Kid trava uma grande rivalidade com Morris (Morris Day), músico da banda The Time, concorrente da The Revolution. Com a chegada à cidade de uma jovem cantora em início de carreira, Apollonia (Apollonia Kotero), a rivalidade entre os dois aumenta, agora também pelo amor da garota.

O processo de gravação do álbum começou em agosto de 1983, simultaneamente às filmagens do longa-metragem. Foi durante as gravações do álbum que nasceu a banda The Revolution, e que acompanharia Prince nos próximos quatro anos, período em que o cantor se apresentaria como Prince & The Revolution. A banda era diversificada de referências e de diversidade, remetendo à Sly & The Family Stone. A formação da The Revolution contava com Lisa Coleman (teclados e vocais de apoio), Matt Fink (teclados e vocais de apoio), Wendy Melvoin (guitarra e vocais de apoio), Brown Mark (baixo) e Bobby Z (bateria). A curiosidade nessa banda era Wendy, que na época tinha apenas 19 anos. Pela primeira vez na sua carreira, Prince gravava um álbum com uma banda de apoio, diferente dos seus cinco primeiros álbuns em que ele tocou todos os instrumentos.

Prince & The Revolution, da esquerda para a direita: Brown Mark, Prince, Bobby Z,
Matt Fink, Lisa Coleman e Wendy Melvoin.

Em 3 de agosto de 1983, Prince & The Revolution se apresentaram num show beneficente no First Avenue, em Minneapolis. A apresentação ao vivo foi toda gravada, e dela foram extraídos três registros que foram incluídos no álbum, “I Would Die 4 U”, “Baby I’m A Star” e “Purple Rain”. As três canções gravadas ao vivo passaram por um tratamento em estúdio, com inclusão de overdubs.

Após a conclusão das filmagens e das gravações das canções do álbum, os produtores do filme pediram a Prince que ele escrevesse e gravasse uma nova música. Eles queriam que essa música servisse como uma forma de divulgação do filme. Foi então que Prince compôs e gravou “When Doves Cry”, para a qual foi editado um videoclipe com cenas do filme Purple Rain. Em maio de 1984, foi lançado o single de “When Doves Cry” juntamente com o videoclipe, que serviu de “aperitivo” para o filme que estava para estrear. O single de “When Doves Cry” em pouco tempo alcançou o 1º lugar na Billboard Hot 100, nos Estados Unidos, onde vendeu cerca de 2 milhões de cópias. No Reino Unido, o single de “When Doves Cry” ficou em 2º lugar na parada de singles.  

Lançado em 25 de junho de 1984, Purple Rain não era apenas um álbum de carreira de Prince & The Revolution, mas também a trilha sonora do filme. O álbum mostra um muito bem construído e coeso híbrido de R&B, funk, rock e pop. Mostra a versatilidade de Prince em transitar por essas esferas musicais, tendo na retaguarda, uma banda de apoio sensacional.

O álbum abre com “Let’s Go Crazy”, que começa em clima sacro: um órgão fazendo um pano de fundo musical para Prince fazer um discurso que mais parece a de um pregador religioso pop. Após as palavras do astro, entram bateria, e uma base de guitarra e sintetizadores dando início ao ritmo pop rock dançante da faixa. “Let’s Go Crazy” fala de vivermos a vida da melhor maneira possível e de não nos deixarmos abater pela tristeza, pelo baixo astral.

“Take Me With U” é talvez a faixa mais pop do álbum, e a que tem uma presença vocal feminina bastante acentuada. Prince faz dueto com Apollonia Kotero - a atriz e cantora que fez par romântico com o cantor no filme – e conta também com a tecladista Lisa Coleman fazendo os vocais de apoio. Típica canção pop de letra romântica em que o rapaz apaixonado implora para que a sua garota não o deixe, e jura que é capaz de ir aonde quer que ela vá.

A paixão é também tema de “The Beautiful Ones”, balada romântica em que Prince canta boa parte da canção em falsete. Trata sobre um homem apaixonado por uma mulher, que não tem o seu amor correspondido. No final da canção, Prince canta aos berros desesperadamente, de maneira um tanto quanto exagerada para que a sua amada fique com ele.

“Computer Blue” começa com uma bateria programada e os vocais falados de Wendy Melvoin e de Lisa Coleman para depois dar início a um interessante misto de funk eletrônico e pop. Originalmente, “Computer Blue” era uma música de 14 minutos, mas que depois foi editada e reduzida para quase 4 minutos para inclusão de última hora da faixa “Take Me With U” no álbum. O que chama a atenção é a qualidade técnica da The Revolution.

Encerrando o lado A, a polêmica “Darling Nikki” e o forte apelo sexual dos seus versos. A canção é sobre uma ninfomaníaca chamada Nikki que seduz Prince. Na época, a canção gerou uma polêmica gigantesca depois que Tipper Gore, esposa do político americano, Al Gore, flagrou a filha de 11 anos ouvindo “Darling Nikki”. Ela não ficou nada satisfeita em ver a filha ouvindo Prince cantar versos como “I met her in a hotel lobby / Masturbating with a magazine” (“Eu a encontrei no lobby de um hotel / Se masturbando com uma revista”). O fato fez Tipper Gore liderar uma grande campanha para alertar os pais sobre o conteúdo das músicas que seus filhos ouvem. Foi a partir daí que surgiu o selo “Parental Advisory”, que as gravadoras americanas passaram a colocar nas capas dos discos e fitas cassetes que tivessem canções com algum conteúdo impróprio para menores.

Prince numa cena do filme Purple Rain.

O lado B de Purple Rain começa em grande estilo com “When Doves Cry”, um dos maiores sucessos do álbum e da carreira de Prince. Um incrível e rasgado solo de guitarra abre a música, seguido por uma bateria programada e de um gemido gutural de Prince. A música finaliza como um solo de sintetizador ao estilo barroco. Última música gravada para o álbum Purple Rain, “When Doves Cry” tem como curiosidade o fato de não ter linha de baixo. Apenas nos shows ao vivo é que era empregado o uso do baixo na música.

“I Would Die 4 U” aparenta ser uma canção pop como outra qualquer, mas o que há de mais interessante e curioso está na sua letra. Prince evoca sutilmente a Santíssima Trindade: Pai (Deus), Filho (Cristo), Espírito Santo. O Pai em: “I'm not a woman / I'm not a man / I am something / That you'll never understand” (“Eu não sou mulher / Eu não sou um homem / sou algo que você nunca entenderá”). O Filho: “No need to worry / No need to cry / I'm your messiah / And you're the reason why” (“Não precisa se preocupar / Não precisa chorar / Eu sou seu Messias / E você é a razão pela qual”). O Espírito Santo: “I'm not a human, I am a dove / I'm your conscious, I am love”. (“Eu não sou um humano, sou uma pomba / Eu sou seu consciente, eu sou amor”).

“Baby I’m Star” é a música mais antiga presente em Purple Rain. Prince a compôs e fez uma gravação demo dela em 1981, e os versos refletem bem a época em que o cantor estava em busca de seu reconhecimento como artista: “Oh baby I'm a (star) / Might not know it now / Baby but I r, I'm a (star) / I don't want to stop, 'til I reach the top / Sing it! (We are all a star!)” (“Baby, mas eu sou, eu sou um (astro) / Eu não desejo parar, até eu alcançar o topo /Cante isto (nós todos somos astros!”). Embora antiga, a canção tinha tudo a ver com o contexto do filme, e Prince a resgatou e a gravou para a trilha sonora.

Fechando com chave de ouro, a balada “Purple Rain”, faixa que dá nome ao álbum, e também a grande canção da carreira de Prince. Pode não parecer, mas “Purple Rain” foi gravada ao vivo no show beneficente no First Avenue, em Minneapolis, em 3 de agosto de 1983, e retrabalhada em estúdio com acréscimo de alguns overdubs. Com cerca de nove minutos de duração, “Purple Rain” é uma das mais poderosas baladas já gravadas na história do rock. Instrumentalmente possui uma força incrível, graças à qualidade técnica dos músicos da Revolution. A canção possui um solo de guitarra fantástico, considerado um dos melhores já feitos em rocks baladas.

A turnê de Purple Rain concentrou-se nos Estados Unidos, e teve apenas uma apresentação internacional: um show em Toronto, no Canadá. Começou em novembro de 1984, no Joe Louis Arena, em Detroit, Estados Unidos e terminou no Orange Bowl, em Miami, nos Estados Unidos, em abril de 1985.

Prince e a guitarrista da Revolution, Wendy Melvoin,
num dos shows da turnê Purple Rain.

Purple Rain teve uma recepção da crítica especializada bastante positiva. A crítica teceu elogios ao fato de Prince e a Revolution terem conseguido muito bem combinar rock, pop, funk e R&B. Comercialmente, o desempenho de Purple Rain foi brilhante, alcançando a marca de 20 milhões de cópias em todo o mundo. O álbum permaneceu por 24 semanas consecutivas em 1º lugar na Billboard 200, nos Estados Unidos. Foi também 1º lugar na parada de álbuns da Austrália, Canadá, Holanda e Reino Unido.

O sucesso do álbum Purple Rain foi tão grande que gerou cinco singles. Além de “When Doves Cry”, lançado antes do álbum, foram lançados mais quatro: “Let's Go Crazy”, a faixa-título, “I Would Die 4 U” e “Take Me With U”. O single de “Let’s Go Crazy” chegou ao 1º lugar da Billboard Hot 100, repetindo o êxito do single de “When Doves Cry”. Já o single de “Purple Rain”, a canção, chegou ao 2º lugar na Billboard 100, nos Estados Unidos.

Aqui no Brasil, “When Doves Cry” e “Purple Rain” foram as canções do álbum que mais tocaram nas rádios brasileiras. As duas músicas fizeram parte da trilha sonora de duas telenovelas da TV Globo: “When Doves Cry” entrou na trilha sonora da telenovela Vereda Tropical, e “Purple Rain” na de Corpo A Corpo, ambas de 1984.

Se o álbum Purple Rain foi bem com o público e a crítica, o filme homônimo, que estreou nos cinemas em julho de 1984, também fez bonito. Com um orçamento de 7,2 milhões de dólares, Purple Rain, o filme, arrecadou mais de 68 milhões de dólares.

Alçado a astro de primeira grandeza da música como tanto sonhara através de Purple Rain, Prince ampliou a sua legião de fãs, que copiavam o seu novo visual rococó pop propagado pelo filme, como a camisa cheia de babados e a bota de salto cubano. Algumas garotas, adotaram o estilo das roupas de couro e lingerie à mostra da guitarrista Wendy Malvoin e da tecladista Lisa Coleman.

O sucesso do filme e do álbum se estendeu por 1985. Na edição do Oscar daquele ano, o filme ganhou o prêmio de “Melhor Música Original” pela canção “Purple Rain”. Já o álbum faturou dois prêmios Grammy: o de “Melhor Performance de Rock – por Duo ou Grupo Vocal” (pela canção “Purple Rain”) e “Trilha Sonora de Melhor Pontuação Média Visual”.

Com Purple Rain, finalmente Prince conquistou o status de astro de primeira grandeza da música pop. Em abril de 1985, mal desfrutava os prêmios conquistados com Purple Rain, e Prince já estava lançando álbum novo, Around The World In A Day, que emplacou a faixa “Raspberry Beret”, 2º lugar na Billboard 100.

Ao longo dos anos 1980, Prince prosseguiu lançando álbuns de sucesso - como o elogiado álbum duplo Sign O' The Times, de 1987 - fazendo turnês internacionais e se consolidando como um artista criativo, ousado e inovador. Através de muito trabalho e persistência, Prince conseguiu atingir o mesmo patamar de Michael Jackson e Madonna. E assim, o triângulo da realeza do pop americano estava formado: o “rei”, a “rainha” e o “príncipe”. Como se vê, o garoto de Minneapolis era um predestinado.

Faixas

Todas as músicas foram escritas e composta por Prince, exceto a indicada.

Lado A 

1. "Let's Go Crazy"
2. "Take Me with U"
3. "The Beautiful Ones"
4. "Computer Blue" (John L. Nelson, Wendy & Lisa e Dr. Fink)
5. "Darling Nikki"

 Lado B 

1. "When Doves Cry"
2. "I Would Die 4 U"
3. "Baby I'm a Star"
4. "Purple Rain"

Referências:

Classic Pop Presents – Prince: A Celebration - maio/2016, Anthem Publishing

Wikipedia 

Ouça na íntegra o álbum Purple Rain

"Let's Go Crazy"

(videoclipe oficial)

"When Doves Cry" (versão estendida)

(videoclipe original)

"Purple Rain" 

(videoclipe extraído do filme

homônimo)