“Mel” (Philips, 1979), Maria Bethânia



Por Sidney Falcão 


Maria Bethânia ainda desfrutava do estrondoso sucesso do álbum Álibi, lançado em 1978, quando em novembro de 1979, entrou em estúdio para gravar um novo álbum. No mês seguinte, em dezembro, chegava às lojas o novo álbum de Bethânia, Mel, um verdadeiro presente de Natal para os fãs.

Produzido por Perinho Albuquerque, o mesmo produtor do bem-sucedido Álibi, Mel seguiu a mesma concepção de seu antecessor, trazendo canções românticas com forte acentuação passional e sexual, sem, no entanto, cair no melodrama barato. Mel traz canções de compositores consagrados como Caetano Veloso, Waly Salomão (1943-2003), Gonzaguinha (1945-1991), Chico Buarque, Lupicínio Rodrigues (1914-1974), mas também canções de uma nova geração de compositoras que despontavam naquele final dos anos 1970 como Ângela Rô Rô, Ana Terra e Joyce.

Mel começa com a canção que dá nome ao álbum, composta pelo poeta Waly Salomão e Caetano Veloso. Os versos de Waly musicados por Caetano, tratam a paixão do eu lírico pela amada como uma dedicação incondicional de uma abelha operária à sua abelha-rainha numa colmeia. O ser apaixonado na canção, se oferece como um servo, um escravo da paixão e do desejo de sua amada: “Ó abelha rainha / Faz de mim um instrumento / De teu prazer, sim, e de tua glória”. Por causa do sucesso dessa canção, Bethânia ganhou dos fãs o apelido de “Abelha-rainha”.

“Ela e Eu”, de Caetano Veloso, é uma canção sobre fim de relacionamento, e muito embora se trate do fim de um relacionamento heterossexual, ela acabou ganhando com o tempo uma conotação homossexual por ter sido regravada posteriormente por cantoras lésbicas como Marina Lima e Simone.

“Cheiro de Amor” é um caso raro de um jingle que virou canção de sucesso radiofônico. A música foi composta pelo publicitário Duda Mendonça como um jingle do motel Le Royale, em Salvador. O jingle fez tanto sucesso nos intervalos comerciais das rádios de Salvador que chamou a atenção de Maria Bethânia que quis gravá-la. Ela pediu ao compositor Paulo Sérgio Valle e Jota Moraes que ampliassem a letra da canção que no jingle era curta. Embora tenha sido composta por homens, a canção conseguiu refletir o momento libertário em que as mulheres começavam a vivenciar, mostrando que além da independência econômica, elas também tinham o direito ao prazer sexual tanto quanto os homens.

“Da Cor Brasileira”, de Joyce e Ana Terra, é outra canção romântica presente no álbum. Os versos falam de uma mulher que descreve o homem que ama, mas que tem defeitos e qualidades. A descrição que essa mulher faz do seu homem, é feita de maneira carinhosa e terna, com a mesma suavidade dos arranjos que embalam o ritmo da canção.

A faixa seguinte é o samba-canção “Loucura”, de Lupicínio Rodrigues (1914-1974), gravada antes por Jamelão no começo dos anos 1970. Bethânia canta sobre o sofrimento de um homem desesperado que se sujeita a Deus para ser sacrificado em troca da volta do amor de sua vida que havia abandonado-o.

“Gotas de Sangue”, de Ângela Rô Rô, encerra o lado 1 da versão LP de Mel. É uma música em que Bethânia canta acompanhada por um piano tocado por Ângela Rô Rô. Em dezembro de 1979, quando Mel havia sido lançado, Ângela entrou em estúdio para gravar o seu primeiro álbum para o qual ela gravou a sua versão de “Gotas de Sangue”.

Maria Bethânia durante um show ao vivo da turnê Mel, em 1980.

O lado 2 começa com “Grito De Alerta”, de Gonzaguinha. De todas as canções do álbum, é a que guarda a história mais curiosa. Apesar de pertencerem a estilos diferentes, os cantores Gonzaguinha e Aguinaldo Timóteo eram amigos e pertenciam na época à mesma gravadora. Durante uma conversa com Gonzaguinha, Timóteo queixou-se sobre a sua relação homossexual com um jovem. O rapaz costumava sair à noite sozinho em busca de aventuras sexuais com travestis na orla do Rio de Janeiro, um comportamento que irritava Timóteo e o fazia sofrer. Ainda assim, o cantor alertava o rapaz sobre os perigos que corria. Sensibilizado, Gonzaguinha compôs “Grito De Alerta”, inspirada nessa história de amor homo afetivo de Aguinaldo Timóteo. Contudo, Timóteo só veio saber da existência da canção depois que Bethânia gravou, o que o deixou bastante irritado com Gonzaguinha, já que se tratava de uma história vivida por ele.

“Grito de Alerta” foi incluída na trilha sonora da novela Água Viva, de Gilberto Braga, exibida pela TV Globo em 1980. A canção se tornou um grande sucesso radiofônico, uma das mais tocadas no rádio naquele ano.

Aguinaldo Timóteo chegou a gravar a sua versão de “Grito De Alerta” para o seu álbum Deixe-me Viver, lançado ainda em 1979, pouco depois de Mel, de Maria Bethânia, mas sem grande repercussão. Gonzaguinha, o autor da música, gravou “Grito de Alerta” em 1980, que saiu no seu álbum De Volta Ao Começo.

Aguinaldo Timóteo, em 1979: seu relacionamento homossexual com uma jovem, inspirou
Gonzaguinha a compor a canção "Grito de Alerta".

Se no álbum Álibi, Bethânia trouxe para as novas gerações “Negue”, uma antiga canção de “dor-de-cotovelo” de Adelino Moreira e Enzo de Almeida, gravada originalmente em 1960 por Carlos Augusto, a cantora baiana repetiu a dose em Mel, desta vez com ‘Lábios de Mel”, de Waldir Rocha. Foi gravada pela primeira vez por Ângela Maria (1929-2018), em 1955, em ritmo de toada. Com Bethânia, “Lábios de Mel” ganhou uma versão estilizada de mambo.

“Amando Sobre Os Jornais” descreve um casal que trocam carícias e fazem sexo sobre folhas de jornais, através de versos dotados de muito romantismo e erotismo. A canção foi composta por Chico Buarque para o musical O Rei de Ramos, de Dias Gomes (1922-1999). Naquele espetáculo, foi interpretada pela atriz e cantora Marília Barbosa, no papel de Taís.

Bethânia aparece novamente acompanhada apenas por um piano na faixa “Nenhum Verão”, que é tocado pelo próprio autor da música, Túlio Mourão. É uma canção de belíssimos versos sobre um amor que chega como um sol que brilha intensamente, mas que depois vai embora.

Encenação do musical O Rei de Ramos, de Dias Gomes, em 1979: a canção "Amando Sobre Os Jornais",
foi composta por Chico Buarque para o espetáculo, e gravada depois por Maria Bethânia. 


No samba romântico “Infinito Desejo”, de Gonzaguinha, o desejo é comparado a um delírio sem fim, e tratado como fome e sede de amor e sexo: “Ah, infinito delírio / chamado desejo / Essa fome de afagos e beijos / Essa sede incessante de amor / Ah, essa luta de corpos suados / Ardentes e apaixonados / Gemendo na ânsia de tanto se dar”.

“Queda D’Água”, de Caetano Veloso, encerra o álbum Mel. É a música mais curta do álbum, e traz apenas a voz de Bethânia e o violão tocado pelo produtor Perinho Albuquerque. A letra da canção descreve um ser humano perplexo com a imponência da natureza que se apresenta diante dele tal qual um ser divino.

Em janeiro de 1980, Maria Bethânia deu início à turnê promocional de Mel, começando com apresentações no Canecão, no Rio de Janeiro, que bateu recordes de público. O repertório da turnê foi composto não só de canções do álbum Mel, mas também alguns sucessos do álbum Álibi. Especialmente para essa turnê, Bethânia contou com uma orquestra de metais e violinos regida por Perinho Albuquerque, além da banda de apoio já acompanhava a cantora.

Ainda em 1980, foi inaugurado em Salvador o Cine e Teatro Maria Bethânia, uma casa de espetáculos batizada em homenagem à cantora. A inauguração teve um show de Maria Bethânia que fazia parte da turnê do álbum Mel. O show de inauguração do teatro comandado por Bethânia, teve participações especiais de Alcione, Gal Costa, Gilberto Gil e Erasmo Carlos. Infelizmente, nos anos 1990, o teatro foi desativado e virou um bingo.

O álbum Mel foi um sucesso de público e de crítica. As vendas do álbum chegaram à marca de 800 mil cópias. Das suas doze faixas, pelo menos metade foi bem executada em rádio: “Mel”, “Grito de Alerta”, “Cheiro de Amor”, “Da Cor Brasileira”, “Infinito Desejo” e “Ela E Eu”, esta última chegando a figurar na trilha sonora da novela Coração Alado, da TV Globo, em 1980.

Faixas

Lado 1

1. “Mel”(Caetano Veloso - Waly Salomão)
2. “Ela E Eu” (Caetano Veloso)
3. “Cheiro De Amor” (Duda Mendonça - Jota Morais - Paulo Sérgio Valle - Ribeiro)
4. “Da Cor Brasileira” (Joyce - Ana Terra)
5. “Loucura” (Lupicínio Rodrigues)
6. “Gota De Sangue” (Ângela Rô Rô)

Lado 2

7. “Grito De Alerta” (Gonzaguinha)
8. “Lábios De Mel” (Waldir Rocha)
9. “Amando Sobre Os Jornais” (Chico Buarque)
10. “Nenhum Verão” (Túlio Mourão)
11. “Infinito Desejo” (Gonzaguinha)
12. “Queda D’água” (Caetano Veloso)




“Mel”


“Ela E Eu”


“Cheiro De Amor”


“Da Cor Brasileira”


“Loucura”


“Gota De Sangue”


“Grito De Alerta” 


“Lábios De Mel” 


“Amando Sobre Os Jornais”


“Nenhum Verão” 


“Infinito Desejo”


 “Queda D’água”

Comentários

  1. Falta vídeos e clips da musica mel de maria bethania

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  2. Falta vídeos e clips do disco completo mel.

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    1. Nem todas as canções de um álbum tem videoclipe oficiais.

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  3. O carro chefe do lançamento de um disco como mel de maria bethania não tem vídeos nem clips??

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  4. Como se consegue em outro aplicativo pago ou gratuito???

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  5. Eu consigo esses vídeos e clips do disco mel de bethania em outro aplicativo??

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    1. Depende se os videoclipes da época existirem. Não se fazia videoclipes de todas as faixas de um álbum, ainda mais numa época que nem existia MTV no Brasil. Aliás, no final dos anos 1970, não se usava a expressão "videoclipe" no Brasil, se chamava no máximo de "vídeo promocional". Se escolhia uma, duas ou três músicas de um disco pra se fazer o videoclipe. E assim mesmo, geralmente, eram produzidos pela Globo para serem exibidos no "Fantástico", que era a grande plataforma televisiva para se divulgar um lançamento. Por muitos anos, o "Fantástico" exibia na íntegra, videoclipe de lançamento de canção nacional e um internacional. No caso do álbum "Mel", não encontrei videoclipe original, e provavelmente não existe videoclipe das outras faixas do álbum feitos na época. Sempre dou prioridade a videoclipes originais.

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  6. Sidney, uma correção: o produtor do álbum chama-se Perinho Albuquerque (Péricles De Albuquerque), e não Perinho Ribeiro.

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    1. Você tem razão, é verdade. O produtor é Perinho Albuquerque. Não sei que me ocorreu pra eu colocar "Perinho Ribeiro". Está corrigido e agradeço pela atenção.

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