“Selvagem?” (EMI-Odeon, 1986), Os Paralamas do Sucesso
Contudo, apesar de
todo o sucesso, os Paralamas no fundo se mostravam inquietos, um tanto quanto
incomodados. Percebiam que toda a estética new wave que predominava no cenário
roqueiro nacional naquele momento, e no qual também estavam inseridos, estaria
se esgotando. Ao invés do som “palatável” da new wave dos dois primeiros álbuns,
o grupo buscava apostar em algo diferente para o próximo trabalho. O vocalista
e guitarrista Herbert Vianna sentia um profundo vazio criativo para compor, queria
ir além dos temas pessoais e adolescentes. Mas a agenda interminável de
shows não permitia que os Paralamas pudessem ter um tempo adequado para compor
material para o próximo disco do jeito que pretendiam.
Porém, em outubro de 1985, um fato acabou dando o tempo que
os Paralamas precisavam para pensar o próximo disco, mas não bem da maneira que
queriam. O baterista João Barone sofre um acidente de carro em Porto Alegre e
fratura a perna esquerda. A banda acabou tendo que suspender as apresentações e
cancelar compromissos por alguns meses. Enquanto Barone se recuperava, Bi
Ribeiro e Herbert Vianna ensaiavam na casa da vovó Ondina (avó de Bi), onde
ensaiavam bases rítmicas e grooves, sem se preocuparem com letras. Naquele
momento, estavam pesquisando novas sonoridades e ouvindo bastante reggae como os
discos de Yellowman e Dr. Alimantado.
Bi Ribeiro, João Barone e Herbert Vianna: apresentação antológica dos Paralamas na primeira edição do Rock in Rio, em 1985. |
Em abril de 1986, Selvagem? chegou às lojas. A
primeira música de trabalho foi “Alagados”, que pegou o público e a crítica de
surpresa. A música fugia dos padrões vigentes do rock nacional da época.
Falando das mazelas das favelas brasileiras, “Alagados” trazia na sua
sonoridade uma alta carga de brasilidade, com referências do carimbó e das guitarradas
do Pará, e os tamborins do samba carioca. A música chocou o público roqueiro,
mas agradou o público das camadas mais populares. Não foi à toa que no primeiro
dia de execução, “Alagados” teve 57 execuções no Rio de Janeiro e 67 na Bahia.
A capa de Selvagem? confirmava que os Paralamas pretendiam romper
com a estética anglo-americana reinante nos discos do rock brasileiro da época.
Na capa, um garoto magrelo de cabelos escovados pra frente, um sorriso idiota
no rosto com uma camiseta cobrindo a cintura e o púbis, segura um arco e
flecha. Ao fundo, uma barraca de acampamento.
O tal garoto era Pedro Ribeiro, irmão de Bi, e a foto foi tirada quando
ele era adolescente, no final dos anos 1970.
Paralamas na sessão de fotos para o álbum Selvagem?. |
“A Dama E o Vagabundo” discorre sobre a vida cotidiana conjugal,
enquanto que o ska rock “There’s A Party” é a única faixa em inglês do disco e também
a única que remete à new wave dos dois primeiros álbuns dos Paralamas. “O
Homem” aborda a contradição humana, e “Você”, uma regravação de um sucesso de
Tim Maia, ganha uma versão reggae com os Paralamas e fecha o álbum. Isso no LP,
pois a versão cassete de Selvagem? veio com uma faixa a
mais,“Teerã Dub”, versão instrumental de “Teerã”, cheia de efeitos e ecos, e é
quem fecha o álbum em versão cassete. Mais tarde, a versão CD também incluiu “Teerã Dub”.
Selvagem? foi um trabalho ousado dos Paralamas. Promoveu a ruptura
da banda com o padrão new wave que os próprios Paralamas ajudaram a propagar no
rock brasileiro. Ao invés de sentar sobre os louros da fama conquistados com os
dois primeiros discos calcados nos dogmas do punk e new wave, preferiram remar
contra a corrente, optando por uma estética mais terceiro-mundista. Apesar de Selvagem?
ser na prática um disco essencialmente de reggae, foi a partir dele que
os Paralamas se distanciaram das referência inglesas e americanas de rock, e
passaram a navegar em outros mares musicais nos álbuns posteriores, se
aproximando dos ritmos caribenhos, afro-brasileiros e africanos, tendo o reggae
como um fio condutor para todas essas conexões rítmicas. O álbum revela um
Herbert Vianna mais maduro e mais contestador como compositor, ao escrever
letras mais engajadas, mais politizadas.
Os Paralamas e o produtor Liminha (o segundo da direita para esquerda) recebendo disco de ouro pelas vendas de Selvagem? |
Com Selvagem?, os Paralamas encontraram
a maturidade, se consagraram como artistas e calaram as más línguas que
afirmavam que o trio não passava de uma mera cópia do The Police. A partir de Selvagem? os Paralamas
antecipam a retomada do processo de fusões rítmicas no rock nacional
interrompido pela geração dos anos 1980, mas que viria com toda força nos anos
1990 com Skank, Chico Science & Nação Zumbi, O Rappa entre outros.
Faixas:
- "Alagados"(Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
- "Teerã" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
- "A Novidade" (Gilberto Gil - Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
- "Melô Do Marinheiro" (João Barone – Bi Ribeiro)
- "Marujo Dub" (João Barone – Bi Ribeiro)
- "Selvagem" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
- "A Dama E O Vagabundo" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro)
- "There’s A Party" (Herbert Vianna)
- "O Homem" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro)
- "Você" (Tim Maia)
- "Teerã Dub" (Herbert Vianna – Bi Ribeiro – João Barone)
Confira na íntegra Selvagem?
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