“Passado, Presente, Futuro” (Odeon, 1972), Sá, Rodrix & Guarabyra



Por Sidney Falcão

Até o surgimento do trio Sá, Rodrix & Guarabyra, os membros que formariam o grupo já desenvolviam as suas carreiras musicais. O carioca Luiz Carlos Sá atuava como compositor, e teve suas canções gravadas por Luhli, Pery Ribeiro e Nara Leão. Também carioca, Zé Rodrix vinha de uma banda de rock progressivo, a Som Imaginário, que havia acompanhado Milton Nascimento em shows e na gravação do álbum de estúdio Milton, de 1970. No mesmo ano, Rodrix, e seu parceiro Tavito, venceram o Festival da Canção de Juiz de Fora com a música “Casa No Campo”, que foi gravada dois anos depois por Elis Regina. O baiano Guttemberg Guarabyra, foi vencedor do II Festival Internacional da Canção, em 1967, com a música “Margarida”, da qual, além de compositor, foi o intérprete.

O caminho dos três se cruzaram em 1971, quando decidiram se juntar e formar o trio batizado Sá, Rodrix & Guarabyra. A inspiração para o nome do trio baseado nos sobrenomes de cada membro do conjunto foi o Crosby, Stills & Nash, que também foi uma das maiores influências musicais do trio brasileiro.

A canção “Casa No Campo”, de Rodrix e Tavito, foi o ponto de partida para o trio Sá, Rodrix & Guarabyra desenvolver a sua proposta musical. Um trecho da letra de “Casa No Campo” (“Eu quero uma casa no campo / Onde eu possa compor muitos rocks rurais”) acabou dando nome a um novo estilo de som, o rock rural. O novo estilo de rock, misturava referências musicais estrangeiras como folk music, rock progressivo e country music com referências musicais e culturais brasileiras como Tropicalismo, música sertaneja, folclore brasileiro, a música da região do Rio São Francisco e música mineira.


O trio em 1972, da esquerda para a direita: Zé Rodrix, Luiz Sá e Guttemberg Guarabyra.


Os temas abordados através de letras ricamente poéticas e embrulhadas em arranjos musicais muito bem elaborados, giravam em torno do abandono da vida na cidade grande pela vida tranquila e pacífica no campo, e o desprezo pelo materialismo, o que não deixa de ser sintomas da influência da filosofia hippie, ainda muito em voga naquela época.
Todas essas características e mais outras estão presentes no primeiro álbum lançado pelo trio, Passado, Presente, Futuro, lançado em 1972. Sob produção de Mariozinho Rocha, o álbum contou com arranjos de orquestra elaborados por Zé Rodrix, que apesar de jovem, tinha profundo conhecimento de teoria musical. Rodrix havia estudado no Conservatório Brasileiro de Música, o que deu a ele uma grande bagagem musical.

A primeira faixa do álbum é “Zepelin”, canção que retrata um sonho onde o trio viaja num dirigível pilotado pelo Conde Ferdinand Von Zeppelin (1838-1917) no começo do século XX, e que percorre a Europa passando por lugares famosos, símbolos da modernidade da época como a Torre Eiffel, em Paris. Os arranjos orquestrados e a irreverência de Sá, Rodrix & Guarabyra, fazem lembrar os Beatles na fase Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

Em “Ama Teu Vizinho Como A Ti Mesmo”, o trio tomou emprestado a frase célebre de Jesus Cristo: “Ame ao teu próximo como a ti mesmo”. Na letra da música, o trio pede que amemos o nosso vizinho mesmo que ele seja o “grilo” da comunidade: ou seja, mesmo que ele seja o grande criador de problemas do bairro.

“Juriti Butterfly” possui arranjos de cordas muito bem elaborado e um acordeon sendo executado num estilo “afrancesado”. O tom erudito da música cede lugar na reta final num ritmo que lembra o baião.


Conde Ferdinand Von Zeppelin, inventor do dirigível, citado na letra da canção "Zepelin",
de Sá, Rodrix & Guarabyra.


Em “Me Faça Um Favor” refere-se a uma despedida ao um amor que chegou ao fim, sem deixar lembranças ou saudades, e que guarda um ressentimento, uma mágoa: “Mesmo que as pessoas lembrem de nós / Mesmo que eu me lembre dessa canção / Não vai haver nada pra recordar / Nada que valeu, que houve de bom”.

“Boa Noite” é uma belíssima canção de ninar na voz de Zé Rodrix, que como pai, canta com toda ternura para a sua criança dormir. Para uma letra lúdica e cheia de fantasia, Rodrix criou um lindo arranjo de orquestra que parece feito para algum filme de fantasia infantil. Possivelmente, Zé Rodrix fez essa canção para a sua filha Marya Bravo, (de seu relacionamento com Lizzie Bravo), e que na época tinha um ano de idade.

“Hoje Ainda É Dia De Rock” é uma exaltação ao rock. Com vocal principal de Zé Rodrix, com Luiz Sá e Guttemberg Guarabyra nos vocais de apoio, “Hoje Ainda É Dia De Rock”  faz também uma comunhão entre referências musicais internacionais com a música brasileira, como na integração da viola sertaneja com a guitarra elétrica. A letra da música ainda faz uma crítica direcionada aos grupos intelectuais nacionalistas que defendiam uma música brasileira “pura”, livre de influências “americanizadas”.  O trio propõe a mistura de tudo, do “blues de Minas Gerais” com o “cateretê do Alabama”.


Crosby, Stills & Nash, principal influência musical de Sá, Rodrix & Guarabyra.


No folk rock “Primeira Canção Da Estrada”, Sá, Rodrix & Guarabyra cantam a liberdade do jovem de pegar a estrada com a mochila nas costas e sair descobrindo o mundo: “Apesar das minhas roupas rasgadas / Eu acredito que vou conseguir / Uma carona que me leve pelo menos / À cidade mais próxima”.

“Cumpadre Meu” trata do encontro de dois compadres, um da cidade grande e outro do campo. O compadre do campo propõe que o da cidade grande troque a vida estressante e poluída da metrópole pela tranquilidade e a pureza da vida no campo: “Cumpadre Meu / Bota a tropa na estrada / Mulher, filho e empregada / Vem pra longe do que já morreu...”. A canção é mais um exemplo do pensamento anti-materialista e bucólico presentes nas canções de rock rural.

A faixa seguinte, “Crianças Perdidas”, começa com som de gotas de água e sapos coaxando, dando um toque de experimentalismo à canção. Os versos cantados por Zé Rodrix, propõem um encontro numa pequena avenida com as crianças perdidas que um dia deixamos de ser.

Em “Azular”, Luiz Sá canta o culto à vida rural, acompanhado de Zé Rodrix e Guarabyra nos vocais de fundo. A bucólica “Ouvir Cantar”, trata da volta ao campo, de alguém que deixa a cidade grande e retorna à vida rural, onde é aguardado com ansiedade por quem o espera.


Sá, Rodrix & Guarabyra nos anos 2000.

“Cigarro De Palha” encerra Passado, Presente, Futuro, e apesar de curtíssima, resume muito bem a idealização romântica da vida no campo tão cantada por Sá, Rodrix & Guarabyra no álbum: “Só meu cigarro de palha / Meu cavalo alazão me dá / Um momento de paz na vida”.

Após Passado, Presente, Futuro, o trio Sá, Rodrix & Guarabyra ainda chegou a lançar o segundo álbum, Terra, em 1973. Porém, naquele mesmo ano, o trio chegou ao fim. Zé Rodrix partiu para a carreira solo e trilhou o caminho da publicidade compondo jingles para várias campanhas publicitárias. Luiz Sá e Guttemberg Guarabyra firmaram-se como a dupla Sá & Guarabyra, que manteve-se fiel ao rock rural e alcançou grande prestígio.
Em 1999, o trio retorna às atividades. Dois anos depois, Sá, Rodrix & Guarabyra lançam o CD e DVD Outra Vez Na Estrada, gravado ao vivo. Zé Rodrix morre em maio de 2009, e com sua morte, o trio chega ao fim em definitivo. Um álbum de músicas inéditas, Amanhã, foi lançado em 2010.

Faixas

Lado A
  1. “Zepelim" (Luiz Carlos Sá)
  2. "Ama Teu Vizinho Como A Ti Mesmo" (Luiz Carlos Sá - Zé Rodrix)
  3. "Juriti Butterfly" (Guttemberg Guarabyra - Luiz Carlos Sá)
  4. "Me Faça Um Favor" (Guttemberg Guarabyra - Luiz Carlos Sá)
  5. "Boa Noite" (Luiz Carlos Sá - Zé Rodrix)
Lado B
  1. "Hoje Ainda É Dia De Rock" (Zé Rodrix)
  2. "Primeira Canção Da Estrada" (Luiz Carlos Sá - Zé Rodrix)
  3. "Cumpadre Meu" (Guttemberg Guarabyra)
  4. "Crianças Perdidas" (Zé Rodrix)
  5. "Azular" (Luiz Carlos Sá)
  6. "Ouvi Contar" (Guttemberg Guarabyra - Luiz Carlos Sá - Zé Rodrix)
  7. "Cigarro De Palha" (Guttemberg Guarabyra)



Ouça na íntegra o álbum Passado, Presente, Futuro



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