“Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”(Parlophone, 1967), The Beatles
Agosto de 1966. Logo após lançarem o inovador Revolver, os Beatles iniciam uma turnê pelos Estados Unidos para a divulgação do novo álbum. Apesar de rentável e com plateias lotadas, essa turnê norte-americana seria desgastante e tumultuada para o quarteto inglês. A recente entrevista de John Lennon onde ele afirmava que supostamente os Beatles eram mais populares do que Jesus Cristo ainda repercutia. Em cada cidade que iam tocar, eram recebidos com protestos por cristãos conservadores, mas também por manifestações de apoio de beatlemaníacos. Nas entrevistas coletivas, o assunto polêmico persistia. Num show em Saint Louis, um rojão atirado ao palco por alguém mal intencionado, uma clara evidência de que se tratava de uma represália à banda por causa da frase de Lennon.
Findada a estafante turnê, uma coisa ficou clara para os
Beatles: a banda não mais faria shows ou turnês. O quarteto se mostrava cansado
de todo daquele artificialismo da indústria pop, o excesso de exposição e o
pouco tempo para criar coisas mais interessantes. Queria se aprofundar num
trabalho mais artístico e instigante, processo, aliás, que já vinha acontecendo
com os álbuns Rubber Soul e Revolver. A banda entrou de férias,
cada um saiu pelo mundo (Lennon atuou num filme; George Harrison foi para a
Índia se aprofundar nas técnicas de cítara com Ravi Shankar; Paul McCartney foi
para o Quênia; Ringo foi dedicar mais tempo com a família), e retornaram em
novembro para discutir o próximo disco, cuja ideia inicial era voltada para a
infância e adolescência dos integrantes da banda, num clima extremamente
nostálgico.
Preparando a
revolução
Os Beatles e o produtor George Martin na sessão de gravação do álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. |
As primeiras faixas gravadas dentro desse conceito
nostálgico foram "Strawberry Fields Forever", "When I'm
Sixty-Four" e "Penny Lane", a partir de novembro de 1966, quando
os Beatles entraram nos estúdios Abbey Road, em Londres, para a produção do
próximo álbum ainda sem nome. Sabe-se que uma das inspirações para esse o novo
disco era Pet Sounds, obra-prima dos Beach Boys, a qual Paul nunca
escondeu sua admiração.
O fato dos Beatles de terem abandonado as turnês, a ausência
de notícias e de terem se trancado e se concentrado na produção do novo álbum,
deram margem a várias especulações. O que estariam fazendo os quatro, o que
estaria por vir após um álbum tão inovador e ousado como Revolver? Alguns críticos
acreditavam que nem os Beatles conseguiriam produzir um álbum pop superior a Revolver.
Mas o que se comentava também é que o total silêncio significava que a banda
estaria em crise e perto fim.
Para conter as fofocas e as especulações sobre o suposto fim
do grupo, a EMI e o empresário da banda Brian Epstein, pressionaram o produtor
George Martin e os Beatles para que lançassem um single. Em fevereiro de 1967,
foi lançado o single “Strawberry Fields Forever" / "Penny Lane",
e o público e a crítica especializada tiveram uma ideia do que os Beatles
estavam produzindo com tanto silêncio. O que se percebeu é que baseado no
single, algo mais inovador estava por vir. "Strawberry Fields
Forever" foi composta por Lennon (apesar de registrada como
Lennon-McCartney) e se referia a Strawberry Fields, um orfanato dirigido pelo
Exército da Salvação, em Liverpool, onde o beatle costumava brincar quando
criança nos parques que havia no local. O que se ouve na introdução da música
parecendo uma flauta, na verdade é um Mellotron, um misto de órgão e sintetizador, tocado
por Paul. Foi uma das primeiras músicas a empregar o uso desse instrumento. A
bela e lúdica "Penny Lane" é sobre uma rua de Liverpool e é carregada
de saudosismo nos seus versos. As duas músicas presentes no singles eram um
convite ao ouvinte a embarcar numa viagem ao mundo dos sonhos nostálgicos dos
Beatles.
Apesar da boa recepção da crítica, o single não alcançou o
topo das paradas. Pela primeira vez em quatro anos, um single dos Beatles não
chegava ao 1º lugar durante seu lançamento. Diante dessa performance
frustrante, a proposta temática de um álbum baseado nas memórias nostálgicas da
infância da banda foi abandonada, e foi decidido que “Strawberry Fields
Forever" e "Penny Lane" ficariam de foram do novo álbum. Era um
hábito dos Beatles de não incluir num álbum, músicas que já haviam sido
lançadas antes em formato single. Mais tarde, George Martin afirmou que devido
à qualidade dessas duas músicas, foi um erro a exclusão delas do novo disco.
Paul McCartney na sessão de gravação de Sgt. Pepper's... |
Como nova proposta para o disco, Paul sugere que ela seja
baseada numa música composta por ele e que já estava em processo de gravação, a
faixa “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, composta por ele estava de
férias no Quênia. A ideia para o álbum sugerida por Paul era que os Beatles se
passassem por uma banda fictícia, a Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Banda
do Clube dos Corações Solitários do Sargento Pimenta) citada na música. A ideia
do novo conceito não só foi aprovada como o nome do álbum foi definido: Sgt.
Pepper’s Lonely Hearts Club Band. O grande vitorioso nessa história toda foi Paul
que passou a desempenhar um papel importante na concepção do álbum a partir de
daí.
Já que os Beatles não fariam mais apresentações ao vivo, eles
puderam dar vazão a ideias instrumentais mirabolantes difíceis de serem
reproduzidas no palco, ao menos naquela época. A experiência do quarteto com
uso de drogas como maconha e LSD serviu de elemento estimulante criativo para a
produção de um tipo de música mais ousada e experimentalista. Efeitos sonoros
como ruídos de animais, emprego de orquestra com 41 músicos, peças executadas
com partitura em branco, nota que só os cães ouvem, foram só algumas das ideias
que borbulhavam da cabeça dos Beatles e que George Martin teve que se virar
para pô-las em prática. O equipamento de quatro canais usado nos estúdios Abbey
Road não daria conta para gravações tão complexas. Foi preciso que os técnicos
criassem todo um sistema de conexões de gravadores que pudessem suprir as necessidades
de um projeto tão ambicioso.
Produção da capa
John Lennon e Ringo Starr no estúdio onde foram feitas as fotos para a capa e de Sgt. Pepper's... |
Enquanto as sessões de gravação ocorriam, em março de 1967
foram feitas as fotos para a capa do álbum, cuja e ideia partiu de um esboço
desenhado por Paul McCartney. Para um álbum tão especial e ambicioso, a capa
tinha qu estará à altura. Foram contratados os artistas plásticos Peter Blake e
Jann Haworth, ambos ligados à pop art e que montaram num estúdio fotográfico um
cenário com a presença de 57 personalidades da cultura pop escolhidas pela
banda. Elas aparecem reproduzidas ao fundo em colagens fotográficas montadas em
papelão em tamanho natural, e dentre elas Albert Einstein, Aleister Crowley,
Bob Dylan, Edgar Allan Poe, Karl Marx, Marilyn Monroe, Marlon Brando entre
outras figuras importantes. A princípio, Jesus Cristo, Gandhy e Adolf Hitler
estariam presentes também, mas para evitar maiores problemas, a ideia de
inclusão deles foi descartada. A EMI mostrou-se temerosa com a capa e firmou um
acordo com os Beatles, no qual a banda embolsaria a gravadora com o valor de 40
milhões de dólares caso ações judiciais fossem movidas pelos retratados ou
descendentes.
Além das celebridades ao fundo, foram incluídos à frente as
estátuas em cera dos Beatles trajados em terninhos como estivessem assistindo
ao próprio “sepultamento” simbolicamente representado por flores vermelhas que
formam o nome da banda. O calor dos holofotes chegou a murchar algumas plantas
do cenário. Ao centro, os Beatles “reencarnados” como a Sgt. Pepper Lonely
Hearts Club Band, o quatro vestidos em trajes de uma banda marcial em cores
fluorescentes. Uma boneca com a inscrição “Welcome The rolling Stones” foi
incluída sentada à direita da imagem, gentileza que foi retribuída pelos
Rolling Stones na capa do álbum que eles lançaram depois, o também psicodélico Their
Satanic Majesties Request, lançado no final de 1967, onde cada um dos
Beatles aparece camuflados em meio a flores.
As fotos ficaram por conta de Michael Cooper.
Lançamento
Os Beatles na noite de lançamento do álbum numa coletiva para a imprensa na casa de Brian Epstein. |
Comercialmente, o álbum teve um ótimo desempenho durante o
seu lançamento. Ficou 27 semanas em 1º lugar em vendas no Reino Unido nas
paradas de álbuns e 15 semanas no topo nas paradas dos Estados Unidos. Em três
meses, o álbum já havia chegado à marca de 2,5 milhões de cópias vendidas.
O álbum abre com a faixa-título na qual se ouve na sua
introdução sons de instrumentos como se fizessem uma passagem de som e vozes confusas
para logo darem lugar à guitarra distorcida de George Harrison. A canção é um
convite para quem ouve o álbum assistir ao espetáculo Sgt. Pepper e sua banda.
Logo que termina, ela é interligada à segunda faixa, "With A Little Help
From My Friends", na voz do baterista Ringo Starr e que fala sobre amizade
e companheirismo. A lisérgica "Lucy In the Sky With Diamonds" gerou
polêmica na época por ser considerada uma alusão ao LSD. Lennon negou afirmando que a música foi
composta depois que ele viu um desenho feito por seu filho Julian Lennon (na
época com 4 anos). Alice No País das
Maravilhas, de Lewis Carroll, teria sido uma das inspirações para os versos cheios de fantasia
na letra da música. O livro de Carroll foi também referência para outro
rock psicodélico marcante, “White Rabbit”,
da banda Jefferson Airplane.
"Getting Better" fala de um sujeito que busca se
tornar uma pessoa melhor. No entanto, um trecho da letra carrega um teor
machista “I used to be cruel to my woman
/ I beat her and kept her apart from the things that she loved” (“Eu era cruel
com minha mulher e batia nela/E a mantive longe das coisas que ela amava”). Anos
mais tarde, Lennon disse numa
entrevista que a letra refletia o que ele era quando bem jovem, mas que não era
nada do qual ele se orgulhava. A maturidade e a convivência com Yoko Ono
deram-lhe outra visão sobre a mulher. “Fixing A Hole” começa com um cravo
barroco tocado pelo produtor George Martin na sua introdução, tendo mais à
frente George Harrison com uma guitarra distorcida e Ringo conduzindo uma
bateria levemente jazzística. A bela canção pop barroca "She's Leaving
Home" foi composta por Paul baseado numa notícia de jornal em que uma
adolescente deixou a casa dos pais e sumiu.
Paul canta acompanhado por uma pequena orquestra formada por
violoncelos, violinos, violas, contrabaixo acústico e harpa. Ela guarda um grau
de “parentesco” com “Yesterday” e “Eleanor Rigby”. Fechando o lado A do album está "Being For The Benefit Of Mr. Kite!" composta por Lennon inspirado num cartaz de
circo do século 19 que ele comprou num antiquário. Efeitos sonoros e dois
órgãos elétricos (um Hammond e um Lowrey) criam um clima circense psicodélico
na música.
Poster comprado por John Lennon e que serviu de inspiração para "Being For The Benefit Of Mr. Kite!" |
"A Day In The Life" encerra o álbum com chave de ouro. John imaginou uma orquestra simulando um som “evoluindo do nada até o fim do mundo”. Para tanto, foi convocada um orquestra de 41 músicos que sob a condução de George Martin, executou acordes que iam de notas mais baixas até as notas mais altas possíveis, criando um clima “apocalíptico” e que aparecem no meio e no fim da música. O final “apocalítico” é concluído com um acorde monumental de três pianos executados simultaneamente a 10 mãos: Lennon, Paul, Ringo, George Martin e Mal Evans (roadie dos Beatles). Uma das mais fantásticas músicas dos Beatles, "A Day In The Life" foi talvez a faixa mais trabalhosa para gravar de Sgt. Pepper. Para gravar uma faixa tão complexa, era necessária uma máquina de oito canais, mas como os estúdios Abbey Road não dispunham de uma mesa dessas foi necessário improvisar usando duas máquinas de quatro canais trabalhando em sintonia, e o mérito para esse improviso se deve ao engenheiro de som Geoff Emerick. No intuito de criar um som imponente nos trechos onde a orquestra faz os acordes do “fim do mundo” como queria Lennon, George Martin quadruplicou os acordes durante a mixagem criando uma ilusão de uma orquestra de 164 músicos. Um processo parecido foi adotado pelo Queen em 1975 ao multiplicar as vozes de Freddie Mercury, Brian May e Roger Taylor para soarem como um imenso coral em “Bohemian Rhapsody".
O sucesso de público e de crítica fez Sgt. Pepper concorrer ao
prêmio Grammy no ano seguinte, quando foi premiado em quatro categorias:
“Melhor Capa”, “Melhor Engenharia de Som”, “Melhor Álbum Contemporâneo”, “Álbum
do Ano” (1º álbum de rock a ganhar nessa categoria).
Paz, amor e Sgt. Pepper
O ano de 1967 foi marcado pelo chamado “Verão do Amor”
quando estoura o movimento hippie pregando a paz, a liberdade, o amor livre, a
espiritualidade oriental e a expansão da mente através do uso de drogas como o
LSD. Eram tempos de grandes transformações comportamentais e turbulências na
geopolítica mundial, tendo a Guerra do Vietnã como principal alvo de
manifestações pacifistas hippies. Como trilha sonora de um período tão
conturbado, astros de rock buscavam reproduzir através da música as sensações
provocadas pelas drogas lisérgicas. O experimentalismo sonoro e os efeitos de
estúdio, as letras dotadas de fantasias e alegorias poéticas, ajudavam a criar
todo um universo lúdico psicodélico, mas sem abrir mão da contestação. Dentro
desse contexto musical, várias bandas de rock lançaram álbuns psicodélicos marcantes
como o primeiro e autointitulado álbum dos Doors, Surrealistic Pillow
(Jefferson Airplane), Are You Experience (The Jimi Hendrix
Experience), The Velvet Underground & Nico (Velvet Underground), e mais
à frente no final daquele ano, The Piper At The Gates Of Dawn (Pink
Floyd), Disraeli Gears (Cream) e Their Satanic Majestic Request (Rolling
Stones).
Tropicália Ou Panis Et Circensis: Sgt. Pepper... serviu
de inspiração para o disco-manifesto tropicalista. |
Além de ter sido o trabalho mais ousado da carreira dos
Beatles, Sgt. Pepper representou uma profunda transformação no rock,
estimulando a conexão do gênero com a música erudita e com as mais diversas
manifestações culturais pelo mundo. No Brasil, o álbum exerceu forte influência
sobre o Tropicalismo que integrou as vanguardas da música pop internacional com
as mais variadas expressões tradicionais da música popular brasileira. O
disco-manifesto tropicalista Tropicalia Ou Panis Et Circencis (1968)
foi produzido sob inspiração do conceito de Sgt. Pepper.
Sgt. Pepper representou
um marco do experimentalismo e da ousadia na música pop ao romper com o formato
padrão da canção de 3 a 4 minutos. O álbum mostrou que era possível o rock ser
um gênero musical desafiador do ponto de vista da criação, mais elaborado, seja
nos arranjos, na produção fonográfica ou nas letras. Se tornou uma das referências para o
surgimento do rock progressivo na virada dos anos 1960 para os anos 1970.
A importância de Sgt. Pepper no entanto não reside
apenas no campo musical, mas também na área gráfica. Os Beatles já percebiam a
importância da capa de disco em Revolver, mas em Sgt.
Pepper extrapolaram. O álbum não
só tem uma das capas de disco mais icônicas de todos os tempos como também foi
o primeiro álbum a trazer as letras das músicas num encarte. Além disso, trazia
como brinde figuras para serem recortadas para brincar como uma imagem de Sgt.
Pepper, um bigode, duas medalhinhas e um
suporte com os quatro Beatles com os uniformes da capa.
Ao longo de 50 anos, Sgt. Pepper continua na lista dos
álbuns mais vendidos em todos os tempos. No Reino Unido, é o 3º álbum mais
vendido da história do Reino Unido com mais 5 milhões de cópias vendidas. Nos
Estados Unidos, até hoje ultrapassou pouco mais de 11 milhões de cópias. Em
todo o mundo, 30 milhões de cópias já foram vendidas. Sgt. Pepper é presença frequente nas listas de melhores
álbuns de todos os tempos, como a da revista Rolling Stone, “500
Maiores Álbuns de Todos os Tempos”, onde ficou em 1ºlugar.
Faixas:
Lado A
- "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band"
- "With A Little Help From My Friends"
- "Lucy In The Sky With Diamonds"
- "Getting Better"
- "Fixing A Hole"
- "She's Leaving Home"
- "Being For The Benefit Of Mr. Kite!"
Lado B
- "Within You Without You"
- "When I'm Sixty-Four"
- "Lovely Rita"
- "Good Morning Good Morning"
- "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise)"
- "A Day In The Life"
Todas as
faixas foram compostas por Lennon-McCartney, exceto "Within You Without
You", composta por George Harrison.
"Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band"
"Lucy In The Sky With Diamonds"
"A Day In The Life"
"Getting
Better"
"When I'm Sixty-Four"
"Lovely Rita"
Muito bom
ResponderExcluirMuito Obrigado.
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