10 discos essenciais: MPB anos 1970
O termo MPB é talvez o mais
controverso da história da música brasileira. Apesar de a sigla significar Música Popular Brasileira, o termo foi
criado por volta de 1966 para rotular uma geração de jovens cantores e
compositores que despontavam após o auge da bossa-nova e que se propunha a
desenvolver um tipo de música nacionalista, abarcando referências musicais
brasileiras ( como samba, bossa-nova, toada e baião ), com letras politizadas,
engajadas e livres de influências da música comercial estrangeira, neste caso,
uma clara alusão ao rock'n'roll e a sua guitarra elétrica, tidos como símbolos
da "americanização" cultural.
Boa parte desses jovens artistas -
alguns deles oriundos da bossa-nova - eram de classe média, universitários,
assim como seu público. E como o Brasil vivia sob o governo ditatorial militar
recém instaurado, esses jovens artistas da nascente MPB tinham um
posicionamento político contrário àquele sistema de governo. Não à toa, os
temas das canções tinham forte cunho social e político, com letras fortes e
muito bem construídas. A maioria dessa primeira geração da MPB ganhou projeção
através dos festivais de música promovidos pela TV Record, a partir de 1966, e que
revelou vários talentos. Chico Buarque, Geraldo Vandré, Elis Regina, Edu Lobo e
MPB-4 foram alguns dos artistas que fizeram parte da linha de frente da
primeira geração da MPB.
No entanto, após o advento do
Tropicalismo, movimento liderado Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre 1967 e
1968, a MPB passou a ser mais abrangente, admitindo com o adentrar à década de
1970, influências estrangeiras como o rock, o soul, o funk, a folk music, por
exemplo, o que permitiu aos artistas de MPB ampliarem o leque de possibilidades
musicais. O resultado é que a nova década viu o lançamento de alguns dos mais
icônicos álbuns da história da MPB. Confira alguns desses álbuns lançados
naquela década tão rica musicalmente.
Construção (Philips, 1971), Chico Buarque. Construção marca o
retorno de Chico Buarque ao Brasil depois de dois anos no exílio na Itália por conta
do regime militar ditatorial no Brasil. O álbum foi lançado durante a gestão do
presidente Emílio Garrastazu Médici, o período mais sombrio e implacável da
ditadura militar. Contudo, Chico Buarque se mostrava mais desafiador ao regime
ditatorial através de seus discos, expondo as suas críticas ao momento político
do Brasil daquela época através de canções carregadas de metáforas para assim
driblar a Censura Federal como em "Deus Lhe Pague" e
"Cordão", faixas do álbum Construção. A faixa que dá título ao
álbum possui um arranjo instrumental fantástico e retrata de maneira
espetacular a trágica história de um operário da construção civil que morre ao
despencar da obra do prédio que estava construindo.
Acabou
Chorare (Som
Livre, 1972), Novos Baianos. Uma visita de João Gilberto mudou a rota musical
dos Novos Baianos, que no seu primeiro álbum, É Ferro Na Boneca (1970),
tinham um som totalmente
voltado para o rock. O mestre da bossa-nova apresentou sambas antigos para
aquele bando de hippies cabeludos, incentivando-os a conectarem a tradição musical brasileira
com a modernidade da guitarra elétrica. Acabou Chorare mostra
que os Novos Baianos assimilaram muito bem a sugestão de João Gilberto: traz
uma mistura bem temperada de samba, baião, choro e rock. "Brasil
Pandeiro", de Assis Valente, foi reinventada pela banda e ganhou uma
versão insuperável. O álbum apresenta outras faixas que se tornaram clássicos
da MPB como "Besta É Tu", "Tinindo Trincando" e o hit
"Preta Pretinha".
Clube da
Esquina (Odeon,
1972), Milton Nascimento e Lô Borges. Milton Nascimento já era um artista famoso quando
convidou o jovem Lô Borges, então com cerca de 19 anos, para dividir com ele o
álbum duplo Clube da Esquina. Milton havia gravado anteriormente canções de
Lô como “Para Lennon e McCartney”, “Alunar” e “Clube da Esquina”
(esta, uma parceria de Milton, Lô e Márcio Borges), as três do álbum Milton
(1970). Para a gravação do álbum duplo, Milton e Lô cercaram-se de companheiros
da cena musical de Minas Gerais como Beto Guedes, Wagner Tiso, Toninho Horta
entre outros. Com uma musicalidade que mescla referências de Beatles (safra
1969), folk rock, rock progressivo com a música do interior de Minas Gerais,
tudo emoldurando uma riqueza poética nas letras, Clube da Esquina foi muito
além de apenas um álbum duplo brilhante: batizou com seu nome um movimento
musical que se tornou um dos mais importantes da música popular brasileira.
Dentre as suas 21 faixas, algumas se tornaram clássicos da música brasileira
como “O Trem Azul”, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “Paisagem da Janela” e
“Nada Será Como Antes”.
Transa (Philips, 1972), Caetano Veloso. Gravado em
Londres, ainda no período de exílio de Caetano Veloso na Inglaterra, Transa
foi lançado quando o cantor estava retornando em definitivo ao Brasil após três
anos morando como exilado na capital inglesa por causa da ditadura militar. Transa
expôs a saudade, a nostalgia de Caetano em relação ao seu país enquanto estava no
exílio, mas sem o tom melancólico do álbum anterior. O álbum foi gravado ao vivo
dentro do estúdio e traz canções que transitam entre o samba, a bossa-nova,
baião, rock'n'roll e cancioneiro nordestino, em arranjos minimalistas e
experimentais. Transa traz canções marcantes como "You Don't Know
Me" (dueto com Gal Costa), "Nine Out Of Ten" (primeira música
brasileira a incorporar elementos do reggae), "Triste Bahia" (com
versos de Gregório de Mattos) e "Mora Na Filosofia".
Pérola
Negra (Philips,
1973), Luiz Melodia. Descoberto pelo poeta tropicalista Wally Salomão, Luiz
Melodia ganhou visibilidade depois que Gal Costa gravou "Pérola
Negra", e Maria Bethânia
"Estácio, Holly Estácio", duas canções de sua autoria. Isso lhe
possibilitou um contrato com a gravadora Philips, pela qual lançou o seu
primeiro e antológico álbum, Pérola Negra, em 1973. O trabalho
apresenta todo um caldo de referências musicais que moldaram o estilo de Luiz
Melodia. Tem desde rock ("Pra Aquietar"), samba-canção
("Estácio, Holly Estácio") até forró ("Forró de Janeiro").
Destaques para as faixas "Pérola Negra" e "Magrelinha".
A Tábua de Esmeralda (Philips, 1974), Jorge Ben. O estilo próprio e inovador do violão de Jorge Ben inaugurado
com o álbum Samba Esquema Novo (1963), continuava alegre e cheio de suingue
no adentrar da década de 1970. Mas no que se refere ao conteúdo das letras das
canções, Jorge mostrava novas abordagens. Naquela década, o cantor carioca
estava interessado em Filosofia, misticismo, alquimia e cultura
afro-brasileira, temas que acabaram se refletindo nas letras de suas músicas. O
álbum A Tábua de Esmeralda é o registro que marca o início da
inclinação de Jorge Ben pelos temas citados, e que prosseguem nos álbuns
posteriores, Solta O Pavão (1975) e África-Brasil (1976). Destaques para
as faixas "Os Alquimistas Estão Chegando Os Alquimistas", "O
Homem da Gravata Florida", "Zumbi" e "Eu Vou torcer".
Falso Brilhante (Philips, 1976), Elis Regina. No final de 1975, Elis Regina (1945-1982) estreava no Teatro
Bandeirantes, em São Paulo, o espetáculo Falso
Brilhante, o qual contava a história da cantora gaúcha, desde o início da
sua carreira até o alcance da fama. Motivada pelo sucesso do espetáculo, Elis
gravou o álbum de estúdio Falso Brilhante. Elis selecionou dez
músicas das pouco mais de quarenta canções do repertório do espetáculo para o
álbum. Em Falso Brilhante, Elis mesclou compositores consagrados com
outros pouco conhecidos até então. Foi através deste álbum que o compositor
Belchior ganhou visibilidade através de “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa
Colorida” em interpretações arrasadoras de Elis. “Fascinação”, “Quero”,
“Gracias A La Vida” e “Tatuagem” são outros bons momentos do álbum.
Alucinação (Philips, 1976), Belchior. O cantor e compositor Belchior já tinha um disco no
currículo, mas que não teve nenhuma repercussão midiática. Sua vida só mudaria
depois que Elis Regina emplacou nas paradas de sucesso duas músicas suas, “Como
Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida", ambas gravadas por ela para o álbum
Falso
Brilhante, de 1976. Belchior foi contratado naquele mesmo ano pela
Philips - a mesma gravadora de Elis - e lançou o magnífico Alucinação. Considerado a
grande obra-prima do artista cearense, Alucinação apresenta joias em forma
de músicas que mostram a altíssima qualidade de Belchior como letrista, dotadas
de uma riqueza poética indescritível, e o canto anasalado do artista que se
tornou a marca registrada dele. Por meio de arranjos influenciados pela música
nordestina, pelo rock e pela folk music, Alucinação contém canções memoráveis
como "Apenas Um Rapaz Latino-Americano", "À Palo Seco",
"Fotografia 3X4", e regravações de "Como Nossos Pais" e
"Velha Roupa Colorida".
Refavela (Philips, 1977), Gilberto Gil. Após voltar do 2º Festival Mundial de Arte e Cultura Negra,
em Lagos, Nigéria, em 1976, Gilberto Gil estava totalmente motivado para gravar
um álbum inspirado na cultura afro-brasileira, e dessa motivação nasceu Refavela.
O álbum foi lançado num momento em que o Brasil vivenciava o processo da
afirmação e da valorização da identidade negra, e que tomou conta do país, através
de várias ações como o movimento Black Rio, no Rio de Janeiro ou a criação do
bloco afro Ilê Ayê, em Salvador. Refavela era o segundo álbum da
trilogia "RE", iniciada com o álbum Refazenda (1975) e
encerrada com Realce (1979). Em Refavela, Gil expôe toda a
sonoridade afro e seus desdobramentos, estabelecendo a ponte Brasil - África
através de ritmos como o ijexá, o afrobeat e o reggae. Destaques para as faixas
"Refavela", "Ilê Ayê", "Aqui Agora", "Babá
Alapalá" e "Patuscada de Gandhi".
Álibi (Philips, 1978), Maria Bethânia. Embora já fosse considerada uma das grandes cantoras da sua
geração, Maria Bethânia ainda era restrita a um público específico, formado por
estudantes universitários e intelectuais fãs de MPB. Estava mais para uma
cantora cult. Foi com o álbum Álibi
que em 1978 a
irmã de Caetano Veloso se tornou a primeira cantora da música popular
brasileira a atingir a marca de 1 milhão de cópias vendidas de um álbum.
Faixas como “Sonho Meu” (dueto com Gal Costa), “Explode Coração” e “Negue”
fizeram grande sucesso e se tornaram presença obrigatória no repertório de
shows de Bethânia. Merecem destaque também “O Meu Amor” (dueto com Alcione),
“Diamante Verdadeiro”, “Álibi”, “Ronda” e a bucólica “Interior”.
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