Lavô Tá Novo (Warner, 1995), Raimundos
Em 1995, os Raimundos retornaram aos holofotes com Lavô Tá Novo, um álbum que de consolidar a sonoridade única da banda, também a projetou para um patamar ainda mais alto no rock brasileiro. Se o primeiro disco foi um choque de irreverência e peso, este segundo trabalho veio para mostrar que a identidade musical do grupo podia evoluir sem perder a essência debochada e visceral que os tornara conhecidos.
A produção, assinada por Mark Dearnley — veterano que já
havia trabalhado com AC/DC e Black Sabbath —, deu ao som dos Raimundos uma
robustez maior, sem engessar a espontaneidade da banda brasiliense. A mistura
de punk, hardcore e elementos do forró, já marca registrada do grupo no álbum
de estreia, ganhou aqui uma lapidação que ampliou seu alcance. O disco transita
entre faixas explosivas e outras que trazem nuances rítmicas e dinâmicas mais
elaboradas, mas sempre carregadas de energia e atrevimento.
Desde os primeiros acordes de Lavô Tá Novo, percebe-se que os Raimundos estavam em um novo estágio de maturidade musical. O peso das guitarras distorcidas de Digão e a cozinha frenética de Canisso (1965-2023) e Fred formam a espinha dorsal do álbum, enquanto Rodolfo assume o protagonismo com vocais cuspidos como metralhadora — alternando entre sarcasmo e agressividade pura.
As influências do punk rock californiano, especialmente de bandas como NOFX e Dead Kennedys, se fazem ainda mais presentes, sem ofuscar, porém, a identidade nordestina da banda. O "forró-core", que marcou o disco de estreia, se refina aqui, criando um híbrido ainda mais envolvente. A coesão entre peso, velocidade e groove resulta em um som que captura tanto o espírito rebelde do punk quanto a cadência e a irreverência da cultura nordestina.
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| Raimundos em ação: sarcasmo e agressividade pura. |
“Eu Quero Ver O Oco” mantém a sonoridade pesada e agressiva da faixa de abertura e serve de pano de fundo para Rodolfo cantar sobre um jovem que capota o carro que ganhou da mãe. Os versos combinam humor, violência e exageros.
Os Raimundos aceleram o ritmo em “Opa! Peraí Caceta”, um misto de ska e punk rock. A faixa é pesada, veloz e conta com um naipe de metais característico do ska. A faixa seguinte, “O Pão da Minha Prima”, é uma releitura de um forró gravado por Zenilton nos anos 1980, que ganhou uma versão roqueira e escrachada com os Raimundos.
“Pitando no Kombão” é um punk rock acelerado que retrata uma suruba caótica promovida por um grupo de amigos dentro de uma Kombi, com garotas, bebidas e drogas. “Bestinha” descreve, com humor e irreverência, um encontro casual e prazeroso do eu lírico com uma garota muito jovem e de apetite sexual intenso.
Com humor ácido, “Esporrei na Manivela” mistura embolada nordestina, punk rock e hardcore, relatando a história de um sujeito que, após um ato obsceno no transporte, mergulha em situações absurdas e constrangedoras, entre escracho e sátira. A faixa conta com a participação especial de Zenilton, tanto nos vocais de apoio quanto na sanfona.
“Tá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)” é mais uma releitura dos Raimundos para um antigo sucesso de Zenilton. A versão da banda une a levada rítmica do xaxado ao peso das guitarras do rock. Os versos retratam a frustração de Seu Vavá com sua esposa, Ambrosina, que passa boa parte do tempo na janela de casa, prestando atenção na vida dos outros. A repetição de “tá dando” reforça a insatisfação do marido e insinua, com ironia, um suposto caso extraconjugal da esposa.
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| Inspiração para os Raimundos: o veterano Zenilton faz participação especial em algumas faixas do álbum Lavô Tá Novo. |
Com uma letra bem-humorada e nonsense, a faixa “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)” narra um encontro surreal do protagonista da canção com Madonna, no qual há uma barreira linguística. O refrão repetitivo e frases como "I feel good because you put your butt on me" (que conta com a participação de Gabriel Thomaz, então vocalista do Little Quail and The Mad Birds e futuro Autoramas) reforçam um clima irreverente e absurdo, misturando inglês e português de forma divertida.
“Cabeça de Bode” retrata a fome e a resistência nordestina, usando a culinária como metáfora para adversidades. A faixa começa com a velocidade do hardcore, depois diminui o ritmo para um rock que se funde com o canto falado do rap, em um trecho onde os Raimundos contam com a participação especial do rapper X. Na reta final, os Raimundos retomam o hardcore.
O álbum chega ao fim com o punk rock veloz “Herbocinético”, que aborda críticas sociais, escolhas de vida e o uso da maconha como uma válvula de escape diante das pressões da vida adulta que o jovem eu lírico começa a encarar.
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| Rodolfo, Canisso, Digão e Fred: formação clássica dos Raimundos. |
O prestígio conquistado pelo quarteto levou os Raimundos a serem convidados para diversos festivais, como Monsters of Rock e Hollywood Rock, onde tocaram ao lado de bandas lendárias como Motörhead e Iron Maiden.
Para o álbum seguinte, Lapadas do Povo (1997), os Raimundos trocaram o humor escrachado e o punk rock misturado com sonoridade nordestina por temas mais sérios e adotaram um som ainda mais pesado, acentuando os elementos de heavy metal alternativo que já estavam presentes em Lavô Tá Novo. Lapadas do Povo agradou à crítica, mas não conquistou o público, vendendo cerca de 200 mil cópias—bem abaixo dos sucessos anteriores.
A alternativa que os Raimundos encontraram foi retomar a fórmula que os consagrou no álbum seguinte, Só No Forévis (1999), trazendo de volta o humor pornográfico, o punk rock ramônico e o forró irreverente. O disco foi um enorme sucesso, tornando-se o mais vendido da carreira da banda, com até 1,8 milhão de cópias. Além disso, rendeu aos Raimundos diversos prêmios, incluindo troféus no MTV Video Music Brasil, entre eles “Escolha da Audiência” e “Melhor Videoclipe de Rock”.
Faixas
- “Tora Tora” (Canisso / Rodolfo / Digão)
- “Eu Quero Ver o Oco” (Canisso / Rodolfo / Digão)
- “Opa! Peraí, Caceta” (Canisso / Rodolfo / Digão)
- “O Pão da Minha Prima” (Tio Jovem / Zenilton)
- “Pitando no Kombão” (Canisso / Digão / Rodolfo)
- “Bestinha” (Digão / Rodolfo)
- “Esporrei na Manivela” (Domínio público / Digão / Guilherme Bonolo / Paulinho Mattos / Rodolfo / Fred)
- “Tá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)” (Guriata do Coqueiro / Zeniton)
- “Sereia da Pedreira” (Rodolfo)
- “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)” (Rodolfo / Gabriel Thomáz)
- “Cabeça de Bode” (Digão / Rodolfo)
- “Herbocinética” (Rodolfo)
Raimundos:
Rodolfo - vocal principal e de fundo, guitarra e percussão em
"Tá Querendo Desquitar"
Digão - guitarra solo e base, percussão em "Tá Querendo
Desquitar", vocal de apoio (exceto em "Bestinha" e "Herbocinética")
, co-vocal em "I Saw You Saying"
Canisso - baixo, vocal de apoio em "Eu Quero Ver o
Oco"
Fred - bateria
Referências:
roadie-metal.com
wikipedia.org




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