É Proibido Fumar (CBS,1964), Roberto Carlos

Por Sidney Falcão

Em 1964, Roberto Carlos já não era um novato na música brasileira, mas ainda buscava firmar uma identidade artística. Após os primeiros passos com influências do bolero e do twist, É Proibido Fumar marcou um avanço significativo na construção do seu estilo, consolidando a aposta no rock jovem e aproximando-o do público adolescente. 

O cenário musical da época refletia um momento de efervescência. No Brasil, a bossa nova e a MPB começavam a ganhar contornos mais sofisticados, enquanto no exterior os Beatles e o fenômeno da "Invasão Britânica" redefiniam os rumos do pop. Inserido nesse contexto, o terceiro álbum de Roberto Carlos seguiu a trilha aberta pelo antecessor Splish Splash (1963), mas com mais segurança e coesão sonora. 

Combinando versões de sucessos internacionais e composições próprias, muitas delas em parceria com Erasmo Carlos (1941-2022), o disco ajudou a pavimentar o caminho para o estouro da Jovem Guarda e consolidou Roberto como o maior ídolo da juventude brasileira. 

As gravações de É Proibido Fumar ocorreram nos estúdios da CBS, no Rio de Janeiro, durante o mês de junho de 1964. Sob a produção de Evandro Ribeiro, Roberto Carlos contou com o suporte da banda The Youngsters, um grupo carioca que ajudou a definir a sonoridade do disco. Inspirados nos conjuntos instrumentais do rock brasileiro da época, como The Jordans e The Clevers, os músicos imprimiram um dinamismo que aproximou ainda mais o álbum das influências internacionais. 

Uma das decisões mais emblemáticas da produção envolveu “O Calhambeque”. Inicialmente planejada com um arranjo de metais, a faixa precisou ser reconfigurada devido à indisponibilidade dos músicos no estúdio. O improviso levou à criação de uma batida percussiva inusitada, usando uma lata de fita de gravação, adicionando um elemento rústico e autêntico ao registro. 

Em É Proibido Fumar, Roberto Carlos consolida sua transição para o rock jovem, explorando uma sonoridade vibrante e diretamente influenciada pelo rockabilly, doo-wop e iê-iê-iê. O álbum reflete a ascensão da cultura juvenil dos anos 1960, mesclando ritmos acelerados e baladas românticas, sempre com um apelo acessível ao público brasileiro. 

As influências internacionais são evidentes. O álbum incorpora elementos do rock americano e britânico, mas com uma abordagem mais descontraída e adaptada ao gosto nacional. As versões de sucessos estrangeiros, como “Nasci Para Chorar” (versão em português de “I Was Born to Cry”, de Dion), demonstram essa ponte entre referências externas e uma interpretação própria. 

Os arranjos são diretos e eficazes, com guitarras marcantes, vocais cheios de energia e uma base rítmica envolvente. A contribuição da banda The Youngsters é essencial nesse contexto, conferindo ao disco um frescor que ajudou a definir a estética da Jovem Guarda.

Roberto Carlos em meados dos anos 1960.

O disco abre com a faixa-título, um rock acelerado e irreverente que sintetiza o espírito rebelde da juventude da época. De imediato, tornou-se um hino do rock nacional. Na sequência, "Um Leão Está Solto Nas Ruas" aposta na metáfora inusitada de um felino à solta para expressar o medo de perder a namorada. 

A pegada sessentista segue firme em "Rosinha", balada simples e ingênua, em que o eu lírico sonha em conquistar sua amada. Já "Broto do Jacaré" envereda pelo humor, narrando a frustrada tentativa de um rapaz de impressionar uma garota enquanto surfa—o resultado, claro, é um tombo inesquecível. 

O clima romântico predomina em "Jura-me", que traz Roberto acompanhado de um coro feminino numa súplica por fidelidade. Na mesma linha, "Meu Grande Bem" combina rock balada e bolero estilizado para contar a história de um galanteador indeciso, que flerta com todas sem escolher nenhuma. 

Mas se há um momento emblemático no disco, ele atende pelo nome de "O Calhambeque". Adaptada de "Road Hog", de John D. Loudermilk, a faixa virou febre com seu arranjo simples, percussão improvisada e refrão grudento, consolidando o tom bem-humorado do repertório. 

O lado sentimental ganha força na reta final do álbum. "Minha História" traz Roberto acompanhado de um saxofone marcante para cantar sobre um amor não correspondido, enquanto "Nasci Para Chorar" mergulha na melancolia da solidão, destacando a dramaticidade dos vocais dos Youngsters. "Amapola" e "Louco Não Estou Mais" seguem essa mesma pegada romântica, com a primeira apostando na grandiosidade da declaração amorosa e a segunda em uma levada mais suave e melódica.

 O álbum se encerra com "Desamarre O Meu Coração", versão de "Unchain My Heart", sucesso de Ray Charles. Aqui, Roberto Carlos canta sobre libertação emocional, rompendo com um amor enganoso. Um desfecho vigoroso para um disco que equilibra irreverência e romantismo e reafirma Roberto como o grande nome da música jovem nacional. 

Com um repertório que equilibra rebeldia e romantismo, É Proibido Fumar reafirma a habilidade de Roberto Carlos em traduzir as tendências internacionais para o público brasileiro. A fusão de rockabilly, iê-iê-iê e baladas melódicas resulta em um álbum dinâmico e influente, consolidando sua posição como um dos principais expoentes do rock brasileiro da década de 1960. 

Lançado em um momento de efervescência do rock no Brasil, É Proibido Fumar foi imediatamente bem recebido pelo público jovem, consolidando Roberto Carlos como o principal nome do movimento que ficaria conhecido como Jovem Guarda. O disco destacou-se pelas letras irreverentes e pela fusão de influências internacionais com uma abordagem acessível ao público brasileiro. 

O sucesso comercial foi expressivo, impulsionado por faixas como a própria faixa-título e “O Calhambeque”, que se tornaram clássicos instantâneos. A crítica, ainda reticente com o rock brasileiro, reconheceu o apelo popular do álbum, embora parte da imprensa torcesse o nariz para sua proposta. No entanto, o impacto foi inegável: o disco ajudou a definir uma nova estética musical no Brasil e pavimentou o caminho para a explosão da Jovem Guarda nos anos seguintes. Seu impacto ultrapassa o período da Jovem Guarda, permanecendo relevante na história da música pop do Brasil e reafirmando Roberto Carlos como um dos grandes nomes do gênero.

 

Faixas 

Lado A

  1. "É Proibido Fumar" (Roberto Carlos - Erasmo Carlos)
  2. "Um Leão Está Solto Nas Ruas" (Rossini Pinto)
  3. "Rosinha" (Oswaldo Audi - Athayde Julio)
  4. "Broto Do Jacaré" (Erasmo Carlos - Roberto Carlos)
  5. "Jura-Me" (Jovenil Santos)
  6. "Meu Grande Bem" (Helena dos Santos) 

Lado B

  1. "O Calhambeque (Road Hog)" (John e Gwen Loudermilk - versão: Erasmo Carlos)
  2. "Minha História De Amor" (José Messias)
  3. "Nasci Para Chorar" (I Was Born To Cry) (Dion DiMucci - versão: Erasmo Carlos)
  4. "Amapola" (Lacalle - Roberto Carlos)
  5. "Louco Não Estou Mais" (Erasmo Carlos - Roberto Carlos)
  6. "Desamarre O Meu Coração" (Unchain My Heart) (F.James - A.Jones - versão: Roberto Carlos)

 

Músicos

Roberto Carlos: voz, Violão e Guitarra

Sérgio Becker: saxofone, da banda The Angels

The Angels (a.k.a. The Youngsters): todos os instrumentos e faixas

 

Referências:

Revista Bizz, edição 61, agosto/1990, Editora Azul, São Paulo, Brasil

Roberto Carlos em Detalhes – Paulo César de Araújo, 2006, Editora Planeta, São Paulo, Brasil. 


Ouça na íntegra o álbum É Proibido Fumar

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