“Mais Podres Do Que Nunca” (Rocket, 1985), Garotos Podres
A banda
Garotos Podres surgiu no final de 1982, em Mauá, cidade do ABC Paulista, grupo
de municípios com grande vocação industrial e que faz parte da região
Metropolitana de São Paulo. Naquela época, o movimento punk na capital paulista
estava em plena ebulição, e isso acabou se irradiando por toda a cidade e nos
municípios vizinhos dentre eles, a cidade natal dos Garotos Podres. A região
era um ambiente propício para o movimento punk brotar em São Paulo, em meio a
greves de operários que buscavam os seus direitos, melhores condições de
trabalho e sobrevivência, numa época em que o Brasil ainda estava sob uma
ditadura militar.
Liderada
pelo vocalista Mao, a banda fez a sua primeira apresentação pública na cidade
de Santo André, vizinha a Mauá, num evento promovido pelos metalúrgicos para o
fundo de greve daquela categoria, e que reuniu diversas bandas.
Após várias
apresentações no circuito punk paulista, os Garotos Podres entraram em um
estúdio de oito canais em São Paulo em 1985 para gravar uma fita demo, sob a
produção de Redson Pozzi (1962-2011), então vocalista e guitarrista da banda
Cólera, um dos principais nomes do punk rock brasileiro. Como o resultado da
fita ficou acima do que esperavam, decidiram lançar aquele material como um
álbum. Das 14 músicas gravadas para a fita, 11 foram selecionadas o álbum de
estreia.
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A banda Garotos Podres no começo de carreira. |
Naquele
mesmo ano, o selo independente lançou Mais Podres do Que Nunca, fruto
daquele material que a princípio, seria para a gravação de uma fita demo. Em
1986, foi lançada um segunda edição do álbum, só que através de um outro selo,
o Lup Som.
Como todo
disco punk, Mais Podres do Que Nunca foi gravado com limitações técnicas.
As canções são simples e diretas nas suas mensagens, sem rodeios, e o som é cru
e se sem firulas. Percebe-se uma banda que apesar das pouca técnica, musical,
demonstra raiva, muita vontade dizer aquilo que acreditava. Para compensar a
falta de destreza em solos de guitarra, a banda compensa com solos toscos de
gaita. No caso dos Garotos Podres, havia uma qualidade há mais: a irreverência.
Boa parte
das músicas do repertório que compõem o álbum, eram bastante conhecidas do
público punk antes da gravação do álbum. No entanto, algumas delas sofreram
censura, foram proibidas de serem tocadas no rádio como “Johnny” e “Vou Fazer
Cocô”. Outras, a banda tomou a iniciativa de mudar a letra justamente para
driblar a censura como “Papai Noel Velho Batuta” e “Maldita Preguiça”.
O álbum
começa com “Não Devemos Temer”, letra que guarda uma certa ingenuidade, mas que
é direta, e tem como alvo aqueles que têm o poder econômico. “Johnny”, a faixa
seguinte, conta a história de um punk que aterrorizava Londres, mas que quando
foi capturado, preferiu a morte a ser extraditado para o Brasil. “Insatisfação”
trata sobre violência, protestos, guerras e da insatisfação humana: “Greves no ABC / Guerra no Oriente Médio /
Os dias estão passando / E não descobrem o remédio”.
“Maldita
Preguiça” originalmente se chamava “Maldita Polícia”, foi uma das músicas que tiveram
a sua letra alterada propositalmente pela banda para driblar a censura.
Percebe-se no entanto, que a letra talvez não tenha sido alterada tanto assim e
que talvez apenas o título tenha sido mudado. Se mantivessem o antigo título
que está presente nos versos da música, seria uma crítica direta à polícia e a
sua postura supostamente servil de instrumento de repressão e de terror do
poder político. “Eles são dos donos da
política / dividem e alienam o povo / Porém, a única arma / É o medo”.
Em “Vou Fazer
Cocô”, a banda critica de maneira irreverente e escatológica, os políticos que
fazem mil promessas nas campanhas eleitorais durante os horários políticos na
TV: “Enquanto você promete / vou fazer
cocô”. Os Garotos Podres destacam em “Anarkia Oi!” que o indivíduo
consciente e politizado “representa o
perigo ao poder”. Alienação e consumismo são temas tratados em “Eu Não Sei
o Que Quero”.
“Papai Noel
Velho Batuta” foi outra faixa que teve o seu título alterado. Trocaram “filho
da puta” por “velho batuta”. A música é uma crítica ao capitalismo, ao
consumismo e às diferenças de classes sociais. A banda propõe a morte do “bom
velhinho”: “Papai Noel velho batuta /
Rejeita os miseráveis / Eu quero matá-lo! / Aquele porco capitalista”. A
exploração da mão-de-obra operária é o tema de “Miseráveis Ovelhas”, enquanto
que a liberdade de expressão é abordada em “Liberdade (Onde Está?)”.
Fechando o
álbum, “Führer”, a música mais polêmica e controversa da carreira dos Garotos
Podres. Por causa dela, a banda paulista foi acusada de antissemitismo.
Contudo, o vocalista Mao por diversas vezes rebateu essas acusação afirmando
que quando compôs “Führer”, quis criticar o exército israelense no que ficou
conhecido como “Massacre de Sabra e Chatila”, em setembro de 1982, no Líbano. Um
grupo de milicianos cristãos apoiados pelo exército de Israel, provocou um
massacre de refugiados palestinos nos campos de Sabra e Chatila, localizados no
subúrbio de Beirute, capital libanesa. Estima-se que entre 800 a 2.000 civis
palestinos morreram. Segundo Mao, a ideia da música era mostrar que o ato
genocida em que o exército israelense foi cúmplice, não se diferenciava aos
massacres promovidos pelos nazistas contra os judeus na Segunda Guerra Mundial
(1938-1945).
Comercialmente,
Mais
Podres do Que Nunca surpreendeu a todos, inclusive à própria banda. O
álbum vendeu 50 mil cópias, um índice alto em se tratando um disco punk lançado
por uma banda brasileira e através de um selo independente. O disco não só
popularizou a banda na cena punk nacional como também chegou a ter algumas de
suas faixas executadas em rádios comerciais. “Papai Noel Velho Batuta” caiu no
gosto popular, ficando conhecida até pelo público que não era punk, tornando o
maior hit da carreira dos Garotos Podres.
O bom êxito
comercial do álbum de estreia dos Garotos Podres chamou a atenção da gravadora
Continental que contratou o grupo paulista. Com uma estrutura melhor uma
produção um pouco mais apurada, os Garotos Podres lançaram em 1988, o segundo
álbum, Pior Que Antes. A versão em CD de Mais Podres do Que Nunca lançada em 1995, trouxe uma faixa-bônus, "Meu Bem".
Em 2012, já
com trinta anos de carreira, alguns mudanças de formação, e então com cinco
álbuns de estúdio no currículo, os Garotos Podres passaram pela sua maior crise
e que causou um racha no grupo por motivos ideológicos. O baixista Sukata e o
baterista da época, Leandro Caverna, haviam tomado um posicionamento mais
voltado para a direita e mais conservador, o que de uma certa forma, era uma
contradição com o própria história dos Garotos Podres.
Com o
rompimento, Mao tratou rapidamente de registrar o nome da banda, já que foi o
membro fundador do grupo. Sukata só havia entrado em 1984, dois anos após a
banda ser formada. Iniciou-se uma batalha judicial, tendo Mao e o guitarrista
Cacá Saffiott de um lado, e Sukata e Caverna do outro, que contavam com o apoio
do antigo empresário dos Garotos Podres.
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Detalhe da contracapa: fazendo um contraponto com a imagem do bebê branco e saudável, o fundo da capa do álbum uma criança negra e famélica da Etiópia. |
A demora do
processo de análise do registro permitiu que Sukata e Caverna formassem outra
banda e se apresentassem usando o nome Garotos Podres. E o mais esquisito: se
apresentavam defendendo uma ideologia de direita com posicionamentos
conservadores que nada lembravam a postura transgressora e rebelde dos Garotos
Podres originais.
Enquanto o
processo se desenrolava na Justiça, Mao e Cacá continuaram a atuar com outros
músicos tocando o repertório dos Garotos Podres, porém com outro nome, O
Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos, evitando o risco de haver duas bandas
com o nome Garotos Podres fazendo shows. Sukata insistiu em prosseguir com a
versão “pirata” dos Garotos Podres, mas sem grande êxito: atuou sob esse nome
até 2014, provavelmente porque não conseguiu atrair público já que não tinha o
vocalista Mao à frente da banda.
No final de
2017, Sukata postou na sua página do Facebook que estaria encerrado as
atividades dos Garotos Podres. Mao conseguiu finalmente recuperar judicialmente
o direito de fazer uso da marca Garotos
Podres. A banda O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos assumiu o nome
Garotos Podres, e sob o comando de Mao, pode tranquilamente se apresentar com
esse denominação recuperada e amparado pela Justiça. Segundo Mao, O Satânico Dr.
Mao e os Espiões Secretos eram os “Garotos Podres disfarçados”. Além da carreira musical, Mao é também
professor de História e possui dourado pela USP (Universidade de São Paulo).
Faixas
Lado A
- "Não Devemos Temer"
- "Johnny"
- "Insatisfação"
- "Maldita Preguiça"
- "Vou Fazer Cocô"
- "Anarkia Oi!"
Lado B
- "Eu Não Sei o que Quero"
- "Papai Noel Velho Batuta"
- "Miseráveis Ovelhas"
- "Liberdade (Onde Está?)"
- "Führer"
Todas as faixas foram compostas por
Mauro, Mao e Sukata.
Ouça o álbum Mais Podres Do Que Nunca
na íntegra
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