Bem Bom (RCA Ariola/BMG, 1985), Gal Costa


Por Sidney Falcão

Após a guinada pop iniciada no final dos anos 1970 e consolidada com Fantasia (1981), Gal Costa (1945-2022) demonstrava uma capacidade ímpar de se reinventar. Se nos anos 1960 e 1970 ela foi a musa da Tropicália e da MPB experimental, nos 1980 a cantora baiana se tornou uma estrela de primeira grandeza da música brasileira e uma grande vendedora de discos. Bem Bom marca o ápice da fase comercial de Gal Costa iniciada com o álbum Gal Tropical, em 1979. As expectativas para o álbum eram altas: Gal vinha de sucessos radiofônicos e de uma presença forte na televisão, o que aumentava a curiosidade do público e da crítica. 

Produzido por Miguel Plopschi e com direção artística de Waly Salomão (1943-2003), parceiro de longa data da cantora, Bem Bom apostava em uma sonoridade sofisticada e diversa. A seleção de compositores e arranjadores não deixava dúvidas sobre a intenção do álbum: Caetano Veloso, Arrigo Barnabé e Cazuza (1958-1990) eram alguns dos nomes que assinavam as faixas, criando um encontro entre a MPB tradicional, a Vanguarda Paulistana e o pop tecnológico dos anos 80. Sintetizadores brilhantes, programações eletrônicas e metais exuberantes compunham a identidade sonora do disco, que soava moderno sem abandonar o refinamento característico de Gal. 

O equilíbrio entre acessibilidade e experimentação é uma das chaves para entender Bem Bom. O pop domina a estrutura do álbum, mas há espaço para incursões mais ousadas, como na faixa-título, que traz uma harmonia intrigante e um groove fora do padrão radiofônico. "Sorte", o dueto com Caetano Veloso, é uma das músicas mais marcantes do disco: leve, elegante e irresistivelmente charmosa. Já "Um Dia de Domingo", parceria com Tim Maia (1942-1998), é uma balada intensa, carregada de emoção, onde as vozes dos dois artistas se entrelaçam com perfeição, conferindo à canção um tom cinematográfico.

Lado interno da capa dupla de Bem Bom.

 A presença de Cazuza também se destaca. "Todo Amor Que Houver Nessa Vida", composta por ele em parceria com Frejat, ganha uma roupagem distinta da versão original: menos crua, mais etérea e sofisticada. "Bem Bom", a música que dá nome ao disco, reforça a intersecção entre a MPB e a Vanguarda Paulistana, trazendo um arranjo intrincado que remete ao trabalho de Arrigo Barnabé. Outras faixas, como "Seu Doce Jeito de Ser" e "O Amor", exploram diferentes facetas do pop oitentista, transitando entre o soft rock e climas soturnos e introspectivos. 

Entretanto, nem tudo envelheceu bem. Alguns excessos da produção daquela década se fazem sentir com mais força hoje. O reverb exagerado, os teclados onipresentes e certos timbres eletrônicos podem soar datados para ouvintes contemporâneos. "O Último Blues" é um exemplo disso: sua dramaticidade pode resvalar no sentimentalismo excessivo. "Musa de Qualquer Estação", apesar da excelente interpretação de Gal, também se ancora em uma estética que não se manteve atemporal. Mas nada disso compromete a força do álbum, que ainda resplandece como um dos momentos altos da carreira da cantora. 

O sucesso comercial de Bem Bom foi incontestável. O álbum vendeu mais de 600 mil cópias, impulsionado pelo forte apelo radiofônico de suas faixas mais populares. "Sorte", "Um Dia de Domingo" e "Musa de Qualquer Estação" tocaram incessantemente nas rádios, reforçando a presença de Gal no mainstream da música brasileira. Em Portugal, o disco conquistou platina, consolidando a artista também no mercado internacional. 

Tim Maia e Gal Costa cantando "Um Dia de Domingo", no programa
"Cassino do Chacrinha", na TV Globo, em 1986.

A recepção da crítica, por outro lado, foi mais morna. Bem Bom não recebeu o mesmo entusiasmo reservado a trabalhos anteriores de Gal. Para alguns, a guinada pop sacrificava parte da complexidade e da ousadia que haviam marcado suas décadas anteriores. Para outros, tratava-se de um ajuste natural a um novo tempo, um movimento que permitiu à cantora permanecer relevante e conquistar novas audiências. 

Para quem cresceu ouvindo os hits do disco, há um valor nostálgico que supera qualquer datamento sonoro. Já para novos ouvintes, algumas escolhas de produção podem soar como relíquias de um período específico, mais do que uma obra que transcende sua época. Isso não significa que o álbum perca sua importância; pelo contrário, ele se mantém como um marco do pop nacional dos anos 1980, um documento de um momento em que a MPB cedia espaço para novas formas de expressão musical. 

No fim das contas, Bem Bom é um disco que celebra o pop com todas as suas forças — o que pode ser sua maior qualidade e seu maior defeito. É vibrante, acessível e incrivelmente bem executado, mas também excessivamente moldado por sua era. Ainda assim, a interpretação apaixonada de Gal Costa e a força de algumas composições garantem que, mesmo com seus altos e baixos, o álbum continue relevante. Não é seu trabalho mais inventivo, mas é um lembrete de que, em qualquer estilo, Gal sempre soube entregar música com alma.

 

 Faixas

Lado A

1."Sorte" (Part. Caetano Veloso) (Celso Fonseca - Ronaldo Bastos)             

2."O Último Blues" (Chico Buarque   )

3."Um Dia de Domingo" (Part. Tim Maia) (Michael Sullivan - Paulo Massadas)       

4."Acende o Crepúsculo" (Antônio Cícero - Marina Lima)   

5."Muito Por Demais" ( Gonzaga Jr.)

 

Lado B              

1."Romance" (Djavan)            

2."Musa de Qualquer Estação" (Roberto Carlos - Erasmo Carlos)  

3."Bem Bom" (Arrigo Barnabé - Carlos Rennó - Eduardo Gudin)    

4."Todo o Amor Que Houver Nessa Vida" (Cazuza - Roberto Frejat)             

5."Quem Perguntou Por Mim" (Fernando Brant - Milton Nascimento)             

6."De Volta ao Futuro" (Ricardo Cristaldi - Waly Salomão)


"Sorte"

"O Último Blues"

"Um Dia de Domingo"

"Acende o Crepúsculo"

"Muito Por Demais"

"Romance"

"Musa de Qualquer Estação"


"Bem Bom"

"Todo o Amor Que Houver Nessa Vida"

"Quem Perguntou Por Mim"

"De Volta ao Futuro"

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