“Anacrônico” (Deckdisc, 2005), Pitty


Por Sidney Falcão

No horizonte da carreira de Pitty, Anacrônico surge como uma transição ousada e necessária. Após o estrondoso sucesso de Admirável Chip Novo (2003), que a consagrou como uma das principais vozes do rock brasileiro contemporâneo, o segundo álbum de estúdio da cantora baiana carrega a responsabilidade de dar continuidade a um legado recém-construído, mas já profundamente impactante. Enquanto o primeiro disco mergulhava em críticas sociais e sonoridades vigorosas, Anacrônico reflete um amadurecimento artístico e emocional, evidenciado tanto nas letras introspectivas quanto na experimentação musical. 

Composto em um momento de transição cultural e musical no Brasil, o álbum não só reafirma a relevância do rock nacional, mas também dialoga com novas influências e tendências. Ao equilibrar agressividade e delicadeza, Pitty se distancia de fórmulas fáceis, criando uma obra que convida o ouvinte a revisitar suas próprias contradições. Assim, Anacrônico consolida a cantora como uma artista disposta a explorar suas raízes sem medo de romper com elas.

Em Anacrônico, Pitty constrói uma ponte entre a energia visceral do rock alternativo e a ousadia dos arranjos experimentais, entregando um trabalho que ecoa a intensidade emocional de seu momento artístico. Cada faixa carrega a força de uma assinatura sonora bem definida, onde guitarras distorcidas e baterias marcantes conversam com nuances melódicas cuidadosamente inseridas. É como se os instrumentos ganhassem vida própria, dialogando entre si em um jogo de tensão e alívio, enquanto traduzem, em som, as contradições humanas exploradas nas letras. 

A evolução técnica da banda é evidente. Martin (guitarra) explora texturas complexas, transitando entre riffs agressivos e camadas atmosféricas; Joe (baixo) mantém a base firme, mas com linhas que surpreendem pela criatividade; Duda (bateria) confere dinamismo e precisão, tornando-se um pilar rítmico indispensável. Pitty, por sua vez, exibe maior controle vocal, alternando entre momentos de vulnerabilidade e explosões de força, como quem personifica a narrativa de suas canções. 

Pitty e banda no encarte de Anacrônico.

Sob a produção de Rafael Ramos, o álbum atinge uma coesão notável, onde cada elemento parece ocupar o lugar certo. A qualidade da mixagem intensifica o impacto emocional das músicas, resultando em uma experiência sonora que prende e desafia o ouvinte. Anacrônico, assim, é mais que um álbum; é um retrato sonoro de uma artista em plena reinvenção. 

Em Anacrônico, Pitty conduz o ouvinte por um universo lírico repleto de contrastes e introspecções, explorando os dilemas humanos com uma profundidade quase tangível. As composições percorrem temas como o confronto entre o passado e o futuro, a busca pela identidade e os conflitos internos que moldam a existência. A dualidade é um elemento constante, onde o que é velho e o que é novo se chocam e se fundem, criando um mosaico de reflexões que transcendem o tempo. 

Pitty utiliza imagens poéticas e frases marcantes para transmitir a inquietude de uma geração à procura de respostas. Os versos dançam entre o desabafo e a provocação, evocando uma sensação de urgência que dialoga com a atmosfera crua e intensa do álbum. Em Anacrônico, a palavra ganha corpo e se torna um espelho da complexidade humana, ampliando o impacto de sua estética sonora. 

O segundo álbum de Pitty, Anacrônico, é uma jornada sonora marcada pela fusão do peso do rock alternativo com experimentações ousadas. Cada faixa apresenta uma identidade própria, mas juntas formam uma narrativa coesa, rica em simbolismos e emoções. 

A abertura com “A Saideira” mergulha em um riff vigoroso, preparando o terreno para a intensidade que permeia o disco e uma letra que trata sobre conexões humanas, momentos marcantes, enfrentamento de verdades e busca pela autenticidade. Em seguida, “Anacrônico”, a faixa-título, traz a dualidade do conceito central: riffs crus e versos que refletem sobre mudanças, identidade, valores e o impacto das experiências na vida. 

Uma das ilustrações presentes no encarte de Anacrônico. 

“De Você” desacelera, mas não perde a força, com uma melodia melancólica e um refrão envolvente: “Nenhum muro vai te guardar de você”. Já “Memórias” transforma dores pessoais em hinos, com guitarras que ressoam como gritos de resistência. “Déjà Vu”, coescrita com Peu Sousa (1977-2013), destaca-se pelo groove pulsante e versos introspectivos, carregando um ar de familiaridade e estranheza ao mesmo tempo. 

O dinamismo retorna com “Aahhh...!”, um grito visceral que reflete inconformismo e intensidade. “Ignorin’u” incorpora elementos quase cênicos, com uma performance vocal carregada de ironia. “Brinquedo Torto”, por sua vez, é uma metáfora sombria sobre as imperfeições da vida, com uma melodia que evoca um tom lúdico e ao mesmo tempo perturbador. 

A sensibilidade atinge seu ápice em “Na Sua Estante”, uma balada que conquistou o público ao traduzir saudade em poesia universal. Os versos de "No Escuro" exploram conforto na escuridão, autenticidade, liberdade pessoal e conexão íntima além das aparências. “Quem Vai Queimar?” critica opressão, hipocrisia social, manipulação de poder e injustiças históricas, questionando responsabilidades e escolhas morais. “Guerreiros São Guerreiros” exalta a perseverança e determinação em um instrumental pesado. Encerrando o disco, “Querer Depois” é uma reflexão sobre ambição, realização pessoal e a busca por propósito após conquistar objetivos aparentemente definitivos. 

Desde seu lançamento, Anacrônico foi recebido com entusiasmo pela crítica, consolidando Pitty como um dos grandes nomes do rock brasileiro. A originalidade de sua abordagem, unindo peso e melodia, rendeu ao álbum prêmios importantes, além de uma cobertura expressiva na mídia especializada. O sucesso comercial foi igualmente marcante, com vendas expressivas que reafirmaram a força de Pitty no mercado fonográfico. Mais que números, o impacto de Anacrônico demonstrou a capacidade da artista em renovar o gênero, aproximando novas audiências e solidificando sua posição como uma figura central e inovadora no cenário musical do país. 

Anacrônico transcendeu seu tempo, solidificando-se como um marco do rock brasileiro. A longevidade do álbum reflete-se na atemporalidade de suas letras e na ousadia de seus arranjos, que continuam a dialogar com diferentes gerações. Pitty, enquanto figura central, reafirmou a força feminina no rock nacional, abrindo caminho para artistas que buscam conciliar peso e autenticidade. A recente edição especial em vinil resgatou o álbum com frescor, reafirmando sua relevância cultural e musical. Mais que um registro de época, Anacrônico segue como um farol para aqueles que encontram no rock uma voz de resistência e reinvenção. 

Faixas 

Todas as faixas são de autoria de Pitty, exceto as indicadas. 

  1. "A Saideira"    
  2. "Anacrônico" (Pitty - Graco)  
  3. "De Você"       
  4. "Memórias"    
  5. "Déjà Vu" (Pitty - Peu Sousa)
  6. "Aahhh...!"      
  7. "Ignorin'u"      
  8. "Brinquedo Torto"     
  9. "Na Sua Estante"        
  10. "No Escuro"    
  11. "Quem Vai Queimar?"            
  12. "Guerreiros São Guerreiros"               
  13. "Querer Depois” 

Ouça na íntegra o álbum Anacrônico


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