Fleetwood Mac”(Reprise, 1975), Fleetwood Mac


Por Sidney Falcão  

O Fleetwood Mac emergiu no efervescente cenário de blues londrino em 1967, liderado pelo genial guitarrista e vocalista Peter Green (1946-2020). Ao lado de Jeremy Spencer na guitarra, John McVie no baixo e Mick Fleetwood na bateria, o grupo inicialmente atraiu uma modesta, mas leal, base de admiradores. Embora as vendas de discos fossem escassas e a fama limitada, o talento inegável de Green e sua habilidade para composições como “Albatross” e “Black Magic Woman” consolidaram a reputação da banda no circuito de blues. Contudo, o abuso de LSD e os sinais crescentes de esquizofrenia levaram Green a abandonar o grupo em 1970, marcando o fim de uma era. Naquele mesmo período, Christine Perfect (1943-2022), talentosa tecladista e então esposa de John McVie, uniu-se à banda, assumindo o sobrenome McVie e inaugurando uma nova dinâmica ao som do grupo. 

Entre 1971 e 1974, o Fleetwood Mac enfrentou uma série de transformações. A saída de guitarristas como Danny Kirwan e Bob Weston refletia a busca por uma identidade musical distinta. Progressivamente, a banda afastou-se do blues puro e experimentou elementos de folk e pop rock, lançando álbuns que, apesar de criativos, não alçaram grande reconhecimento. Paralelamente, problemas judiciais abalaram o grupo. Clifford Davis, ex-empresário, reivindicou a propriedade da marca Fleetwood Mac, chegando ao ponto de colocar uma banda paralela em turnê sob o mesmo nome. Determinado a recuperar o legado do grupo, John McVie travou uma batalha judicial árdua contra Davis, emergindo vitorioso e reafirmando o controle sobre o nome e a história da banda. 

Em 1975, Bob Welch, então guitarrista, persuadiu os colegas a trocarem Londres por Los Angeles, na esperança de revitalizar a carreira. A mudança geográfica trouxe também uma nova perspectiva criativa. Em terras californianas, o grupo gravou Heroes Are Hard to Find, um disco que capturava a transição de sua sonoridade. A turnê subsequente visava consolidar a presença da banda nos Estados Unidos, mas não evitou mais uma mudança: Welch decidiu sair do Fleetwood Mac logo após a turnê, formando o grupo Paris. 

Durante uma visita ao Sound City Studios, em Los Angeles, Mick Fleetwood conheceu o produtor Keith Olsen. No estúdio, Olsen tocou para Fleetwood um álbum que ele havia recém-produzido, intitulado Buckingham Nicks, o primeiro e único disco da dupla Lindsey Buckingham e Stevie Nicks. Mick Fleetwood gostou do trabalho de guitarra de Buckingham. Como o Fleetwood Mac estava sem guitarrista após a saída de Bob Welch, Fleetwood conseguiu um contato para convidar Lindsey Buckingham. O convite foi aceito, mas Buckingham impôs uma condição: que sua namorada, a cantora Stevie Nicks, também integrasse a banda. Mick Fleetwood aceitou a condição de Lindsey Buckingham, e o Fleetwood Mac ganhou dois novos membros.

Pré-Fleetwood Mac: Stevie Nicks e Lindsey Buckingham em destaque na capa
de Buckingham Nicks, primeiro e único álbum lançado pela dupla em 1974.

A entrada do casal Nicks e Buckingham refletiu em cheio na musicalidade da banda. Buckingham trouxe um perfeccionismo afiado e uma abordagem arrojada à guitarra, enquanto Nicks, que também compunha, adicionou poesia e misticismo às canções. A sonoridade do Fleetwood Mac ficou mais “solar”, com um espírito mais californiano, mais melódico e radiofônico, voltado para o folk rock e o pop, consolidando o processo de mudança musical que já havia começado com a saída de Peter Green. 

O processo de gravação do novo álbum ocorreu no Sound City Studios, em Los Angeles, entre janeiro e fevereiro de 1975, sob um clima tenso. O baixista e um dos membros fundadores do Fleetwood Mac, John McVie, entrou em conflito com Buckingham sobre o processo criativo no estúdio. Em algumas ocasiões, as divergências entre os dois ficaram tão tensas que a tecladista Christine McVie, esposa de John, teve que intervir diplomaticamente para contornar a situação. Aliás, se a relação de Buckingham com John McVie era tensa, o novo guitarrista encontrou afinidades criativas com Christine. Essa afinidade entre os dois acabou tornando-os responsáveis pelos arranjos das canções da banda. 

E o resultado disso rendeu o primeiro grande fruto: o álbum Fleetwood Mac, lançado em julho de 1975. Foi o primeiro álbum da banda a contar com o casal Nicks-Buckingham e o primeiro álbum de grande sucesso comercial do Fleetwood Mac. 

O álbum Fleetwood Mac é uma obra-prima de transição e fusão sonora, equilibrando a herança blues/rock britânica do grupo com o folk/rock californiano trazido por Buckingham e Nicks. Esse casamento musical criou uma identidade única, onde guitarras limpas e ritmos polidos convivem com vocais ricos e letras emocionalmente ressonantes, formando camadas sonoras que, juntas, cativam o ouvinte. 

Fleetwood Mac em 1974: Bob Welch, Christine McVie, Mick Fleetwood e John McVie.

"Monday Morning" é a faixa que abre o disco, com guitarras vibrantes e um ritmo frenético, ancorado pelo baixo de John McVie e pela bateria poderosa de Mick Fleetwood. Os vocais principais são de Lindsey Buckingham, que canta de forma crua e apaixonada. Composta pelo próprio Buckingham, a letra de "Monday Morning" mergulha nas incertezas de um relacionamento romântico, refletindo as complexidades do amor e do compromisso. 

Contrastando com a potência sonora da abertura do disco com "Monday Morning", a faixa seguinte, "Warm Ways", é uma balada delicada e sensual, caracterizada pelos vocais suaves de Christine McVie e pelo trabalho igualmente suave no teclado, tocado por ela mesma. A música exala calor e intimidade, com letras que expressam profunda afeição e desejo, capturando a essência do romantismo. É uma típica canção de amor que celebra a presença reconfortante de uma companhia amorosa. Versos como "Você é o calor dentro de mim, a razão pela qual sou livre" e "Seu amor me envolve, como um abraço caloroso" transmitem uma intensa sensação de contentamento e segurança dentro do relacionamento. 

Buckingham volta aos vocais principais em "Blue Letter", um rocker de andamento médio, com uma batida forte e vocais de apoio harmoniosos. As letras abordam temas de comunicação e expressão emocional, possivelmente aludindo à importância de mensagens sinceras nos relacionamentos. "Blue Letter" reflete desejo, despedida e transitoriedade, retratando anseios por um amor intenso, efêmero, e por um recomeço individual. 

"Rhiannon" é o primeiro grande clássico do Fleetwood Mac na fase Lindsey Buckingham e Stevie Nicks. É uma das faixas de destaque do álbum e apresenta uma atmosfera mística, com sua melodia assombrosa e os vocais etéreos de Nicks. Inspirada na mitologia galesa, a letra conta a história de uma mulher misteriosa e encantadora, incorporando temas de liberdade e fascínio. 

"Over My Head" traz Christine McVie cantando uma canção que ela mesma compôs, com uma melodia suave e um groove relaxado, realçado pelo canto comovente de McVie e pelas linhas melódicas do teclado. A letra retrata um relacionamento turbulento, alternando entre paixão intensa e frieza emocional, em que a narradora sente-se sobrecarregada, perdida e dividida entre manter a conexão e lidar com a instabilidade. 

"Crystal" encerra o lado 1 do disco. É uma linda balada, um tanto quanto melancólica, composta por Stevie Nicks, mas que traz Buckingham nos vocais principais. Nicks contribui apenas com os vocais de apoio. Originalmente presente no álbum Buckingham Nicks, gravado pelo casal antes de entrar no Fleetwood Mac, "Crystal" explora temas de mortalidade e a fragilidade da vida. As letras são introspectivas e filosóficas, refletindo sobre a natureza fugaz da existência e a importância de valorizar o momento presente.

 

Pausa na sessão de gravação do álbum Fleetwood Mac Da esquerda
para a direita: Stevie Nicks, John McVie, Mick Fleetwood,
Lindsey Buckingham (sentado no chão) e Christine McVie.

Cativante e animada, "Say You Love Me" é um pop rock com uma leve acentuação country, que dá início ao segundo lado do álbum. A letra, composta por Christine McVie e cantada por ela mesma, explora vulnerabilidade e dependência emocional. O eu lírico deseja amor verdadeiro, mas enfrenta manipulação e incerteza, sentindo-se preso em um ciclo de paixão e dor. 

"Landslide" é uma bela e delicada balada acústica, que traz apenas a voz emotiva de Stevie Nicks acompanhada por violões dedilhados. A música contempla as mudanças da vida e a passagem do tempo, usando a metáfora de um deslizamento de terra para representar o crescimento pessoal e os desafios da autorreflexão. "Landslide" é uma reflexão sobre as mudanças da vida e a importância de permanecer com os pés no chão. Os versos são introspectivos e filosóficos, explorando temas de identidade, perda e a passagem do tempo. 

Christine McVie e Lindsey Buckingham dividem a parceria como autores e vocalistas em "World Turning". A faixa possui um andamento rítmico médio, com um toque de blues, conduzida por riffs de guitarra e vocais dinâmicos. Na letra, Christine e Buckingham cantam sobre a natureza cíclica da vida e o processo contínuo de mudança e renovação, sugerindo resiliência diante da adversidade. 

"Sugar Daddy" tem um groove e uma vibração descontraídos, com vocais expressivos de McVie e um acompanhamento suave no teclado. Nesta faixa, Christine McVie canta versos irônicos e debochados sobre uma garota que deseja ter um homem mais velho, um “sugar daddy”, para bancar suas vontades e luxos. 

O álbum chega ao fim com "I'm So Afraid", a faixa mais sombria e melancólica do disco. A letra mergulha em medos e ansiedades profundamente arraigados, refletindo uma sensação de vulnerabilidade e pavor existencial. "I'm So Afraid" destaca a versatilidade de Buckingham como compositor e intérprete. Seus vocais em falsete transmitem uma sensação de desconforto e paranoia. A música é conduzida por uma seção rítmica hipnótica e pontuada por efeitos de guitarra assustadores. 

Fleetwood Mac, o álbum, foi uma jornada de ascensão gradual, transformando-se de um lançamento promissor em um marco definitivo na carreira da banda. Inicialmente, o álbum teve um desempenho modesto nas paradas, mas, como uma chama que cresce aos poucos, encontrou seu público graças ao sucesso dos singles "Rhiannon," "Say You Love Me" e "Over My Head." Cada hit ajudou a sustentar sua trajetória até o topo, culminando em sua conquista do primeiro lugar na Billboard 200 quase um ano após o lançamento, levando o álbum a alcançar a marca de 7 milhões de cópias vendidas apenas nos Estados Unidos. 

Para o Fleetwood Mac, seu autointitulado álbum de 1975 foi um ponto de virada emocionante em sua trajetória, marcando a reinvenção da banda com a adição de Lindsey Buckingham e Stevie Nicks. A energia e a química renovadas da formação transformaram o som do grupo em um rock polido e radiofônico, misturando profundidade emocional com harmonias exuberantes. O sucesso comercial do álbum, impulsionado por hits como "Rhiannon" e "Say You Love Me," garantiu não apenas seu primeiro número 1 nas paradas dos Estados Unidos, mas também abriu caminho para o icônico álbum seguinte, Rumours, solidificando o lugar do Fleetwood Mac na história do rock.

 

Fleetwood Mac: Lindsey Buckingham (guitarra elétrica, guitarra ressonadora e violão, banjo e vocais), Stevie Nicks (vocais), Christine McVie (teclados, sintetizador e vocais), John McVie (baixo) e Mick Fleetwood (bateria e percussão).

 

Faixas

Lado 1

  1. "Monday Morning" (Lindsey Buckingham) vocal principal: Buckingham   
  2. "Warm Ways" (Christine McVie) vocal principal: C. McVie 
  3. "Blue Letter" (Michael Curtis - Richard Curtis) vocal principal: Buckingham   
  4. "Rhiannon" (Stevie Nicks), vocal principal: Nicks     
  5. "Over My Head" (C. McVie) vocal principal: C. McVie          
  6. "Crystal" (Nicks) vocal principal: Buckingham          

Lado 2

  1. "Say You Love Me" (C. McVie) vocal principal: C. McVie     
  2. "Landslide" (Nicks) vocal principal: Nicks      
  3. "World Turning" (C. McVie, Buckingham) vocais principais: C. McVie, Buckingham   
  4. "Sugar Daddy" (C. McVie) vocal principal:  C. McVie             
  5. "I'm So Afraid" (Buckingham) vocal principal: Buckingham


Ouça na íntegra o álbum
Fleetwood Mac

"Rhiannon" 
(videoclipe oficial)

"Say You Love Me"
(ao vivo, videoclipe oficial)

"Over My Head"
(apresentação ao vivo no programa
The Midnight Special, 27/02/1976)


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