Hair of The Dog (Mooncrest Records, 1975), Nazareth
A primeira metade da década de 1970 foi uma era de ouro para o hard rock, com bandas como Led Zeppelin, Deep Purple e Aerosmith dominando a cena e estabelecendo altos padrões para o gênero. Cada uma dessas bandas estava ultrapassando limites, explorando temas de rebelião, desafio e luta emocional. O hard rock estava evoluindo, afastando-se das raízes do blues para abraçar uma pegada mais pesada e agressiva. Foi em meio a isso que Hair of the Dog, sexto álbum de estúdio da banda escocesa Nazareth se destacou. Embora possa não ter alcançado o ímpeto comercial inicial de alguns contemporâneos, ele carregava um estilo agressivo único e um som corajoso e não refinado que ressoou profundamente com os fãs de hard rock. A abordagem do Nazareth combinou a intensidade primitiva do hard rock inicial com ganchos acessíveis e melódicos, preenchendo a lacuna entre o hard rock e a crescente cena do heavy metal.
A história da banda Nazareth começa no final de 1968 em Dunfermline, Escócia. Nascida das cinzas da banda local Shadettes, a formação clássica – Dan McCafferty (vocais;1946-2022), Manny Charlton (guitarra;1941-2022), Pete Agnew (baixo) e Darrell Sweet (bateria;1934-2011) – o grupo incorporou influências dos gigantes do rock, como Beatles e Rolling Stones, para criar um som único e poderoso.
A escolha do nome, uma homenagem à canção "The Weight", da The Band, já dava pistas sobre a ambição do grupo. Inspirados pela sonoridade crua e enérgica do rock and roll, os integrantes do Nazareth buscaram em Londres a oportunidade de alcançar um público mais amplo. A mudança para a capital inglesa em 1970 foi um marco importante em sua trajetória, culminando no lançamento de seu primeiro álbum autointitulado em 1971.
Desde então, álbum após álbum, especialmente com Razamanaz (1973) e Loud 'n' Proud (1974), a banda foi construindo uma reputação por suas apresentações intensas e sua abordagem musical destemida. No entanto, foi com Hair of the Dog que a banda consolidou seu estilo, equilibrando o peso do hard rock com melodias acessíveis, definindo o que seria o álbum mais importante de sua carreira e um marco do gênero.
O álbum Hair of the Dog foi gravado no Escape Studios, em Kent, Inglaterra, entre 1974 e 1975, sob a produção de Manny Charlton, o próprio guitarrista da banda. Ao assumir esse papel, Charlton deu uma identidade única ao som de Hair of the Dog, capturando a energia ao vivo da banda de forma direta e sem polimento. Sua produção conseguiu empregar ao álbum um tom autêntico e robusto, que contrastava com o som refinado que outras bandas buscavam na época. Charlton priorizou a simplicidade, focando em transmitir o vigor bruto das apresentações ao vivo, o que acabou resultando em uma sonoridade orgânica e intensa.
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Banda Nazareth em 1975: Manny Charlton, Darrell Sweet, Dan McCafferty e Pete Agnew |
Outro destaque é “Love Hurts”, um cover da balada dos Everly Brothers de 1960 presente na edição americana de Hair of the Dog, mas ausente na edição mundial do álbum, que trazia em seu lugar a balada “Guilty”. A versão do Nazareth para “Love Hurts” mostrou uma faceta mais suave e sentimental da banda escocesa. Em meio a um álbum marcado por riffs pesados e letras desafiadoras, “Love Hurts” surge como uma pausa emocional, uma expressão de dor e fragilidade. A interpretação de McCafferty é comovente, e o arranjo simples e direto permite que o peso emocional da letra brilhe. Esse contraste fez com que a música se destacasse nas paradas, alcançando o sucesso mainstream e se tornando um dos maiores hits da banda.
O álbum segue com “Miss Misery”, uma faixa que expande os temas sombrios e o tom rebelde de Hair of the Dog. Com guitarras pesadas e uma atmosfera opressiva, a música explora sentimentos de desilusão e frustração, com McCafferty entregando versos que ecoam desespero e angústia. O solo distorcido de Charlton adiciona intensidade à faixa, enquanto a bateria de Darrell Sweet mantém o ritmo constante e ameaçador, criando um ambiente quase claustrofóbico. Essa faixa exemplifica o lado mais sombrio do Nazareth e sua habilidade de canalizar emoções cruas através de seu som.
“Changin’ Times” retoma o ritmo com uma abordagem que reflete a inquietude social da época. A música explora temas de transformação e incerteza, ressoando com a insatisfação generalizada que permeava o rock dos anos 1970. Os vocais de McCafferty transmitem urgência, enquanto o trabalho de guitarra de Charlton injeta uma dose de intensidade e complexidade, trazendo elementos progressivos para o álbum. Esse caráter experimental é um lembrete da disposição do Nazareth em explorar além dos limites convencionais do hard rock.
As faixas
“Beggars Day/Rose in the Heather” formam uma das partes mais interessantes do
álbum, dividindo-se em dois momentos distintos. A primeira parte, “Beggars
Day”, é um número blues-rock contundente que narra a luta de uma figura
marginalizada. O tom desgastado e rouco de McCafferty ressoa com um senso de
resistência. Já “Rose in the Heather” muda o clima, com uma peça instrumental
suave e introspectiva, onde a guitarra de Charlton expressa melodia e reflexão.
Esse contraste revela a habilidade da banda em misturar diferentes atmosferas,
criando uma jornada emocional que vai do conflito à contemplação.
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Detalhe da contracapa de Hair of the Dog. |
“Whiskey Drinkin' Woman” mergulha de vez no blues-rock, com uma batida descontraída e letras que exploram temas clássicos do rock. A história de um relacionamento turbulento se desenrola ao som de riffs influenciados pelo blues, evocando um cenário de roadhouse e vida dura. McCafferty narra a história com um tom cansado e carismático, enquanto a banda cria um som que mistura humor e melancolia. A guitarra de Charlton assume o papel central, transmitindo a atmosfera de um bar esfumaçado em uma noite longa, reforçando a versatilidade e autenticidade da banda.
Por fim, “Please Don’t Judas Me” encerra o álbum em uma nota melancólica e contemplativa. A faixa é uma peça estendida que mistura elementos de folk music e rock progressivo, com McCafferty implorando por compreensão e lealdade. A combinação de sintetizadores suaves com a guitarra de Charlton cria um ambiente quase hipnótico, transportando o ouvinte para uma atmosfera introspectiva. Essa faixa fecha o álbum de forma introspectiva, revelando uma profundidade musical que muitas vezes é negligenciada quando se fala de Nazareth.
Comercialmente, Hair of the Dog é o álbum de maior sucesso na discografia do Nazareth. Nos Estados Unidos, onde alcançou a 17ª posição na parada da Billboard 200, o álbum vendeu mais de 1 milhão de cópias. O disco também obteve ótimas colocações nas paradas de álbuns da Noruega (5º lugar) e da Áustria (7º lugar).
Sem sombra de dúvidas, foi a versão do Nazareth para a balada "Love Hurts" que deu visibilidade em escala mundial à banda. Em popularidade, a interpretação do Nazareth superou a versão original dos Everly Brothers. A canção figurou entre os dez singles mais vendidos nas principais paradas do mundo. Nos Estados Unidos, o single de "Love Hurts" alcançou a marca de 1 milhão de cópias vendidas. No Brasil, "Love Hurts" também foi um grande sucesso, com vendas de 100 mil cópias que renderam ao Nazareth um disco de ouro no mercado brasileiro.
Hair
of the Dog é um
álbum que definiu uma era, capturando o espírito desafiador e intenso do hard
rock dos anos 1970 e influenciando gerações futuras de músicos. A produção crua
de Manny Charlton, os vocais intensos de Dan McCafferty, e a combinação de peso
e melodia, fizeram deste álbum uma obra-prima do hard rock. Quase cinco décadas
após seu lançamento, Hair of the Dog ainda ressoa com uma autenticidade e
intensidade raras, solidificando o legado do Nazareth como uma das bandas mais
influentes do rock.
Lista de
faixas
Todas as
músicas foram escritas por Manny Charlton , Dan McCafferty , Pete Agnew ,
Darrell Sweet , exceto onde indicado.
Lado 1
- "Hair of the Dog"
- "Miss Misery"
- "Guilty" (edição internacional) (Randy Newman)
- "Changin' Times"
- "Beggars Day" (Nils Lofgren)/"Rose in the Heather”
- "Whiskey Drinkin' Woman"
- "Please Don't Judas Me"
- "Love Hurts" (The Everly Brothers cover; faixa 3 na edição americana do álbum) (Boudleaux Bryant)
Nazareth: Dan McCafferty (vocal principal e
de apoio, talk box em " Hair of the Dog "), Manny Charlton (guitarra
elétrica, sintetizador), Pete Agnew (baixo e vocais de apoio) e Darrell Sweet
(bateria, percussão e vocais de apoio)
Músicos adicionais: Max Middleton (piano em "Guilty"), Simon Phillips (tabla em "Please Don't Judas Me"), Vicki Brown, Liza Strike, Barry St. John (vocais de apoio em "Guilty"), Vicky Silva (vocais de apoio em "Please Don't Judas Me").
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